sexta-feira, 18 de abril de 2014

EXPEDIÇÃO QUILMES - Brasil, Paraguai, Argentina, Chile e Uruguai - 2011/2012


Santos, 11 de dezembro 2011.
                                                                         

Caro Amigo,


Ouvimos dizer que, lá para os lados do norte da Argentina, o verão já chegou e que ele por lá ficou, sem nenhuma vontade de vir para o Brasil (como nós já bem notamos). E ouvimos dizer mais, que nem adianta pedir ao Papai Noel uma semaninha de sol, pois é brinquedo que não tem.

Assim, em nossa constante ânsia pela VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluímos que meticulosa investigação, “in locu”, deve ser iniciada imediatamente, a fim de que não reste comprometido o futuro da humanidade. Portanto, e também com o legítimo intuito de cumprirmos nossa honrosa, longa e árdua META (100.000.000.000 Km viajando), resolvemos colocar, novamente, nossos pés na estrada Quem sabe consigamos empurrar o verão para cá, não custa tentar!

Já estamos ouvindo os protestos do Caro Amigo (Argentina de novo!), mas não há como esconder a nossa predileção por esse maravilhoso país. Além do mais, nos falta uma parte do país para conhecer (por incrível que possa parecer) e aproveitaremos a oportunidade para comer um Bifezinho de Chorizo acompanhado por um Malbec e, quem sabe, dar uma esticadinha até Santiago, no Chile. Também temos que confessar que estamos pensando em fazer umas comprinhas no Paraguai e em Rivera, fronteira do Uruguai, e, ainda, comprar aquela deliciosa nata no sul; já que estaremos de carro, lugar para compras não vai faltar (ah, ah, ah!). Viu como a viagem já ficou bem mais interessante? E ela nem começou!


Vem com a gente!


Sayo e Claudio




Santos, 14 de dezembro de 2011.




Caro Amigo,




Para que você, que irá nos acompanhar em nossa árdua jornada até os confins da terra, não se perca da caravana, estamos mandando um mapa, com o roteiro da expedição.



-------- Terrestre    Santos (Brasil) - Copiapó (Chile)

Compre seu bilhete, faça as malas (não esqueça o protetor solar, porque por lá já é verão e o sol está cruel), pegue o passaporte, avise os familiares, desligue o gás, regue plantas, deixe o  gato com o vizinho e as crianças na casa da vó (a viagem será perigosa), fatie o Tender, pegue uma taça de espumante geladinho (estão chegando as Festas), escolha uma poltrona confortável, sente-se confortavelmente, não esqueça de colocar o sapatinho na janela, ligue o computador  e  VEM COM A GENTE! 

Aproveite para enviar alguma dica para tornar nossa viagem mais interessante. Talvez alguma cidadezinha, que já visitou e achou incrível; um restaurante, que viu em alguma revista de turismo; um lugar que você gostaria de conhecer, mas ainda não teve tempo, dinheiro ou coragem; ou  o endereço de uma prima argentina, que faz um matambre maravilhosos, teremos imenso prazer em visitá-los e contar tudo, nos mais mínimos e prazerosos detalhes.

Beijos,

Sayo e Claudio 



Puerto Iguazú, 16 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Saímos de Santos à 04:45 da manha, ainda estava escuro, e, no boteco da esquina, os retardatários ainda tomavam cerveja. Não dava para ter idéia de como seria o dia. Começou a clarear quando estávamos para os lados de Registro e o dia prometia ser horrível, chuvoso e um pouco frio, como vem sendo toda nossa primavera. E assim foi durante quase todo nossos 1.100km de viagem: céu escuro, chuva forte, uma pequena frestinha de sol aqui e ali. Dissemos quase porque lá para os lados de Cascavel a coisa começou a melhorar, o sol e o calor chegaram.

Apesar das obras na pista, de uma carga especial, dos caminhões e dos milhões de pedágios, que nos obrigavam a parar constantemente, a viagem transcorreu muito tranqüila e chegamos relaxados e prontos (e famintos) para encarar aquele maravilhoso jantar.
Trocamos o Malbec pela Quilmes gelada (o Caro Amigo já deve estar se dando conta do que originou o nome da expedição, mas não foi só isso, aguarde), que acompanhou, com louvor, a morcilla (é o nosso chouriço, lingüiça de sangue) e o magnífico Bife de Chorizo (grosso, macio, suculento), que tivemos para o jantar, acompanhados de salada de almeirão e berinjela em conserva. Não foi outro o motivo pelo qual o Claudio preferiu ficar hospedado do lado Argentino, ele mais gemia que comia, exatamente como aquela loirinha disse no filme (não lembro o nome da loirinha, nem do filme, sou péssima com nomes, mas anda passando nos Telecines), parecia transar com a comida; afinal, como ele bem diz: 50% da viagem são as coisas gostosas que se come.  
A cidade tem algumas características interessantes, está sempre cheia de turistas europeus, principalmente franceses, aquele tipo de turistas naturalista, bicho-grilo, de roupa amassada e carregando mochila nas costas. Eles apreciam a região quase tanto quanto a Amazônia, pois além da beleza das Cataratas, ainda existe mata exuberante e fauna interessante, a paixão de quase todo europeu, enquanto nós damos pouco valor e até devastamos, com selo de qualidade e garantia Presidencial (que vale menos que nada, quando vindo de políticos brasileiros), para construir represas e outras tranqueiras, a exemplo Belo Monte, no Xingu. Uma vergonha!

Acreditamos que eles prefiram ficar em Puerto Iguazú, na Argentina, e não em Foz de Iguaçu, no Brasil, porque a cidade é mais segura e barata; tem cara de cidade do interior; é muito arborizada; e, ainda, tem um tipo de hotel, não muito freqüente no Brasil, que eles chamam de “complejo turístico”, que, além dos quartos, oferece cozinha comunitária, piscina, churrasqueira e jardim. Ficamos em um desses hotéis, porém escolhemos um com bichos-grilos aposentados, de nossa idade, que, agora, introduzem seus filhos adolescentes, e netos, na arte de curtir a natureza. Assim, garantimos noites mais tranqüilas, sem altas festas.
Fizemos uma excursão de compras ao Paraguai. Aquilo está cada dia pior, agora são ruas e mais ruas de camelôs, dentro do que são as ruas oficiais, é difícil até de andar, ou de encontrar uma saída daquele labirinto. Eles vendem roupas, capacetes, cobertores, colchas, cortinas e um montão de tranqueira inútil, de péssima qualidade, mas que, seguramente, está sendo cobiçada por algum louco, do contrário os camelôs não estariam lá. As lojas também são, em geral, uma maluquice, vendendo de um tudo, sem muita organização, com vendedores que, por vezes, são atrevidos e grosseiros, já de saco cheio de viver naquele caos. Também há alguns lojas e centros comerciais mais elegantes, onde é possível até tomar um café e usar o banheiro. O comércio abre bem cedo e por volta das 15:00 horas já começa a fechar.

Mas o Caro Amigo deve estar querendo saber quanto à procedência dos produtos, em resumo: é a 25 de Março elevada à milésima potência. O que quer dizer que mais da metade do que é vendido deve ser falsificado. Muitos dos produtos mais procurados já estão em falta ou com preço elevadíssimo, em virtude da procura para o Natal. Deixamos o carro em um estacionamento, bem perto da ponte que separa os dois países, para evitar a enorme fila, caminhando se atravessa muito mais rápido, porém é melhor voltar de condução, van ou motoboy, que não são fiscalizados, pois os pedestres o são.

Já de volta a Puerto Iguazú, saímos para que o Claudio pudesse cumprir sua meta de viagem: comer Bife de Chorizo todos os dias (bobinho, não é?). Eu preferi uma massa, que também é uma boa pedida na Argentina, recheada de queijo e presunto, com um molho chamado “Scarparo”, delicioso. Lá vai, rapidinho, a receita para a Cara Amiga arrancar elogios nas Festas: molho de tomates frescos, com aquela cebolinha e alho refogadinhos, que toda dona de casa sabe fazer, mas acrescente bacon frito; depois de agregada a massa ao molho tomate, já na travessa, regue com molho Pesto (bata no liquidificador, ou processador, nozes, alho, queijo ralado, muito manjericão e azeite, formando um creme não muito espesso, que pode ser guardado na geladeira, em um vidro, e usado para um macarrão rápido, ao invés do já batido “alho e óleo”). E para ter certeza de que está tudo certinho, nos convide para provar, quando voltarmos de viagem (ah, ah, ah!).

Mas chegou a hora de seguir, pegamos a RN-12, em direção a Resistência, onde pretendíamos passar a noite, antes de seguir para nosso verdadeiro destino, onde realmente começaria nossa expedição, já que, até então, conhecíamos tudo, estávamos só passeando (ah, ah, ah!). Era o que pensávamos até encontrar, na estrada, uma placa indicando... chegamos ao hotel, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio



Resistência, 17 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

O Estado de Missiones  é um pequenino trecho de terra espremido entre o Brasil e o Paraguai. Há quem chame a região de Mesopotâmia, por estar entre os rios Paraná, Uruguai e Iguassu. Como já contamos ao Caro Amigo, na viagem que fizemos à região, em 2009, os jesuítas estiveram nessa região, fugindo dos Bandeirantes, que queriam escravizar os índios no Brasil. Eles chegaram no início de 1600, quando fundaram missões (que aqui receberam o nome de reducciones), onde os índios guaranis passaram a viver, sendo catequizados e educados, aprendendo ofícios, plantando e conservando hábitos tribais, até 1768, quando os jesuítas foram expulsos pelo espanhóis e os índios tornados escravos, entrando em decadência as missões.

Então o estado de Missiones é repleto de ruínas e grande parte das cidades tem nome de santo. Nas proximidades de Santa Maria, começaram a aparecer cartazes anunciando o “Parque Temático da Cruz”, imaginamos que até se tratasse de alguma ruína restaurada, com espetáculos de luz e som, como já vimos na região. Saímos em busca do tal parque, 15km fora do nosso trajeto. Chegando lá, grande decepção! Entrada de 40 pesos (que aqui não é algo tão barato, cerca de 20 reais), para ver basicamente nada.
Sobre uma edificação de alvenaria, com nove andares, foi construída uma enorme cruz metálica. E olha a pegadinha, com o preço da entrada era possível subir até o quarto andar da edificação, mas quem queria subir até o novo, ou até os braços da cruz, tinha que pagar mais 40 pesos.
Chegamos lá, subimos quatro andares de elevador, mais cinco pelas escadas, até o nono, pois na cruz só de elevador mesmo, mas nessa não caímos.  Só o que se podia enxergar era a mata e o rio, mas nada que valesse pagar mais. Além disso, somente duas pequenas trilhas, um minúsculo orquidário, praticamente sem orquídeas, um borboletário, de mesmo tamanho, e que ainda tem umidificadores que acabam com as chapinhas (era o que faltava!). Até agora nos perguntamos que raio de parque temático é esse? Pelo menos, o Caro Amigo não embarcará nessa (ah, ah, ah!).
Voltamos para estrada que, como a maioria das estradas do país, é boa, com longas retas, pedágio barato e poucos veículos. No começo da noite, chegamos a Resistência, que encontramos bem melhor que por ocasião de nossa última visita, limpinha, bem iluminada, edifícios pintados, alegre. Já conhecíamos um hotel, então rapidinho chegamos lá, nos hospedamos e, após um banho, estávamos passeando pelo calçadão lotado de gente, onde as lojas, ainda mais lotadas, exibiam decorações natalinas. O jantar foi no Don Abel, lógico, sem muita sofisticação, mas uma das melhores comidas da cidade, freqüentado até por Presidentes.
Na manhã seguinte pegamos a RN-16, até a RN-89, cujos últimos trinta quilômetros então em péssimo estado, mas já está sendo reconstruído; há que se ter cuidado também com o grande número de pássaros e animais que andam pelo acostamento e estrada. Os últimos dos 650km, que nos levaria Resistência a San Tiago del Estero, nosso próximo destino, fizemos pela RN-34, em boas condições.

Sentimos informar que o que achamos de melhor em Santiago del Estero foi o caminho de saída. Já tínhamos escutado comentários de que a cidade era horrível, sem graça; mas tínhamos que conferir, afinal era capital de Província, aqui há que se lembrar que o norte da Argentina é algo totalmente diferente do que estamos acostumados, do País do Tango e da Bariloche Nevada, trata-se de algo mais ligado às raízes do povo argentino, que, muitas vezes, lembra o que conhecemos como sendo a cultura boliviana, com pureza de costumes e modo de vida menos cosmopolita, que, por vezes, também lembra um pouco o nordeste do Brasil.  

Mas o fato é que a cidade nos pareceu ainda pior, parecia bombardeada, nos lembrou nossa chegada em Bucareste, só que lá havia uma perspectiva de encontrar coisas interessantes para fazer, como de fato aconteceu, tornando a cidade até simpática. Porém, em Santiago, não vislumbramos tal possibilidade, muito pelo contrario, já que o dia seguinte seria domingo e todo o pouco ainda estaria fechado. Rodamos e rodamos, mas não encontramos um hotel, em um posto de gasolina nos indicaram um, caríssimo! Então resolvemos partir, a coisa estava tão feia que o Claudio não tirou uma foto se quer da cidade.

Fazia um calor danado, a região é muito árida e com o ar muito seco. Era final de tarde, estávamos cansados, suados e com fome, mas, ainda assim, resolvemos procurar algo mais aprazível. Há cerca de 70km, sabíamos existir um destino muito procurado pelos argentinos, em virtude de suas... precisamos procurar hotel, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio


Termas do Rio Hondo, 18 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Fazer os 80km, pela RN-9, foi como tirar doce de criança, a maior moleza, a estrada nos pareceu bastante agradável, afinal nos tirou de Santiago (ah, ah, ah!). Lemos muito e ouvimos vários comentários a respeito das Termas do Rio Hondo e do poder curativo de suas águas, tanto para os problemas físicos, como para os oriundos da vida moderna, o estresse, era bem o que precisávamos. Dizem até que é o único lugar do mundo que tem  água termal em todas as casas e hotéis.
A cidade é pequena, mas tem dezenas, talvez centenas, de hotéis. Porém, a alta temporada é no inverno, meio do ano, os argentinos preferem praias no verão, principalmente as do Brasil. Então encontramos a cidade meio deserta, grande parte dos hotéis fechados, outra parte em reforma; mas, ainda, assim, encontramos um hotel legalzinho, cuja piscina ficava quase na porta do nosso quarto, água quentinha e relaxante, não dava para pedir mais. A cidade também tem um pequeno comércio e muitos produtos artesanais, além dos restaurantes de Parrilla (churrasco argentino); mas o forte mesmo são os banhos.

Aqui, na região, dormir a “ siesta” é uma obrigação; o calor já passou dos 40 graus, mas a sensação térmica é de muito superior, pois a região é muito árida. Por volta de uma da tarde, é quase impossível caminhar pelas cidades, o comércio fecha e até os cachorros se escondem. A vida somente volta a fluir depois das 5 horas e, mesmo assim, o calor ainda lembra a entrada do inferno. Mas nós viemos mesmo procurando o verão, então não podemos reclamar, o céu está azul, com algumas nuvens brancas e fofas, como algodão, que nem cogitam transformar-se em chuva, simplesmente vagueiam pelo céu, produzindo, muito raramente, pequenos instantes de sobra, quando passam pelo sol.

Na estrada, encontramos uma enorme capela em homenagem ao Gauchito Gil, com muitas bandeiras vermelhas e toda a pompa; onde havia, inclusive, uma estátua da Difunta Correa. Já contamos ao Caro Amigo, em outras viagens, sobre esses santos populares da Argentina e seus cultos pelas estradas do país. Mas nos chamou a atenção a existência de algumas bandeiras negras e, em uma grande parte da capela, algumas gravuras e estátuas de uma caveira com manto negro. Descobrimos mais um santo popular: San Morte.

Diz a lenda, que, há muitos anos, lá pelos lados da Provícia de Corrientes, na Argentina, havia um monge, muito bom, que praticava medicina entre os pobres e aborígenes; acusado de ser curandeiro e praticar bruxaria, foi perseguido e preso. Porém não teve um julgamento justo. Provavelmente era jesuíta ou franciscano, porém não teve qualquer apoio da cúria, que, naquela época, estava preocupada com os problemas políticos, com as disputas internas dos reis de Espanha. Então ele foi trancafiado em uma cela, no dia 13/08, onde a comida lhe era passada por baixo da porta. Sete dias depois, no dia 20/08, para o cumprimento de seu martírio público, qual não foi o terror de seus algozes, quando, ao abrirem a cela, encontraram somente o esqueleto do pobre diabo, que moveu o braço e apontou o seu principal acusador, que morreu, poucos dias depois, atormentado por seus pensamentos. Contam, ainda, que todos os envolvidos no martírio do monge morreram a causa de misteriosas enfermidades, que o povo atribuiu à justiça divina.  Hoje, o monge, cujo nome foi esquecido ao longo do tempo, transformou-se em um santo popular, que recebeu o nome de San La Morte, é representado por uma caveira, espanta os malefícios e desgraças, atraindo amor e boa fortuna.
De Termas do rio Hondo seguimos, pela mesma RN-9, para a cidade onde Argentina nasceu como país independente. No caminho, avista-se, bem ao longe, montanhas, uns poucos picos ainda nevados, mas não se trata da Cordilheira dos Andes, embora muitos confundam, trata-se da... a estrada está muito cheia de curvas, ruim para escrever, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio


  
San Miguel de Tucumán, 20 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

As enormes montanhas, com restos de neve, que vimos eram a Serras do Aconquija, que, juntamente com outras, como as Serras Calchaquies, dão um relevo muito peculiar ao interior noroeste do país, com profundos vales cortando montanhas.

Como era hábito dos espanhóis, as cidades eram batizadas com o nome do santo encarregado de protegê-la. Assim também foi nomeada San Miguel de Tucumán, a cidade onde, no dia 09 de julho de 1816, um congresso de deputados assinou a ata de declaração de independência da Argentina.

Chegar à cidade pela RN-9 é algo um tanto bizarro, pois ao longo da larga avenida de entrada, que é ladeada por casas bastante humildes, formou-se um imenso serviço de lavagem de carros, feito de modo bem informal (algo como os lavadores de pára-brisa que temos no Brasil). Então as pessoas colocam imensas latas, até caixas de água com mangueiras, na beira da avenida, onde se sentam, com seus panos e escovas, e esperam que os fregueses apareçam. Provavelmente são os próprios moradores das casas, que encontraram uma maneira bem estranha de ganhar um dinheirinho, o mais estranho é que o poder público permite a confusão toda.    

Mas, apesar disso e do calor imenso, Tucumán é bastante agradável. Nas proximidades da Praça da Independência estão a maioria dos pontos de interesse histórico, até o Centro de Informações Turísticas, que funciona inclusive aos domingos. Encontramos um hotel a meia quadra da praça e fizemos tudo a pé, o que é muito fácil, pois a cidade está preparada para o turista, existem cartazes em todos os pontos de interesse, fornecendo informações históricas.

Visitamos a Catedral, a Igreja de São Domingos, de São Francisco e a de Nossa Senhora das Mercês, que tem vitrais lindíssimos; todas precisando de um pouco mais de atenção. Também estivemos nos Museu de Arte Sacra.
Na Casa Histórica de La Província, que preserva documentos e móveis da época colonial, além da sala onde foi declarada a independência, em seu estado original, e o capacete da estátua São Miguel Arcanjo, que foi trazida quando da fundação da cidade. Há visitas guiadas e um show de luz e som.
 






A Casa do Governo tem uma arquitetura, estilo acadêmico francês, primorosa.
Nos museus Histórico Provincial Nicolas Avellameda e Casa Padilla vimos belos exemplos de mobiliário e objetos de arte, além dos pátios, tão famosos na arquitetura espanhola. Infelizmente, não conseguimos visitar o Museu de Bellas  Artes, pois não abre na segunda e no verão somente abre às 17:00 horas. É bem verdade que tudo carece de um pouco de restauração, mas, mesmo assim, não perdem sua beleza.

Ao lado da Casa Histórica de La Província, há dois painéis bastante interessantes e didáticos, um deles mostra uma cronologia da  história da cidade em paralelo com a do país e a do mundo. O outro, apresenta alguns dos costumes da população espanhola e criolla (de descendência indígena ou negra) no período da independência.  Nas proximidades da Praça Independência, estão os melhores restaurantes para quem quer comida típica, como as espanadas, tamales, locros (já demos detalhes de todos quando de nossa viagem ao Atacama); mas quem busca restaurantes mais elegantes, com comida contemporânea, deve se dirigir à Praça Urquiza.
Há poucos quilômetros da cidade, em uma região de cerros e vegetação abundante, portanto mais fresca, ficam San Javier, com sua estátua do Cristo Bendicente, e a Villa Nougués. Tem uma boa vista, lindas casas, mas falta estrutura para quem vai somente para desfrutar algumas horas.
Como já estávamos um pouco cansados de tanto calor, resolvemos ir atrás daquele restinho de neve que vimos, nos confirmaram existir, não muito longe, uma minúscula cidadezinha de clima muito agradável, onde teríamos até que tirar o casaco do fundo da mala... mas estamos morrendo de fome, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio  



Tafí del Valle,  21 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Em direção ao sul, pela RN-38, chegasse a RN-307, estreita e cheia de curvas, que vai subindo em direção à pequena cidade de clima agradável, com uma rua principal, mais seis ou sete outras.
Parece um imenso manto, que foi jogado displicentemente, formando montanhas cheias de pregas e reentrâncias, de um verde musgo profundo, que contrasta com o azul do céu. E sobre ele um presépio, com lhamas, ovelhas, cabritos, mulas, cavalos, vacas, bezerros, casinhas coloridas, riachos e lagos. Assim é Tafí del Valle (2.000m de altitude), a cidade de clima agradável, e seus arredores.

A cidade tem boas opções de hotel e cabanas para alugar. Há bons restaurantes e boa variedade de artesanato, principalmente feitos de argila e tecidos em tear manual. A tradição queijeira da região vem dos tempos que os jesuítas aqui estiveram, no século XVIII, produzem saborosos queijos, tanto parmesão como temperados com pimentão, orégano e pimenta. Oferece, ainda, com várias opções para conhecer a região, caminhadas, passeios de bicicleta ou a cavalo, excursões em veículo 4x4.
Um dos roteiros que nos agradou parte de Tafí, pelos Valles Calchaquíes, em direção ao sul, pela RN-325, passando pelo Museu Jesuíta, em La Banda; pela Estância Las Carreras, que além de um charmoso hotel, tem uma fabrica de queijos, que pode ser visitada, podendo-se, ao final, tomar um café e comprar os queijos lá produzidos. A estrada segue, sempre em meio a lindas paisagens, até a RN-355, quando chega a El Mollar, onde está localizada o Reserva Arqueológico dos Menhires, e passa, ainda, pela Represa Angostura. 
Os Tafís foram um povo que habitou a região há 2.500 anos, eram pacíficos, agricultores, que viviam em casas circulares semi-subterrâneas. Os vestígios mais importantes que deixaram na região foram os “menhires”, monólito de pedra entalhada, com mais de três metros, que tinham um caráter religiosos e como tema a fertilidade, da  terra e dos animais.
Descobrimos uma outra divindade popular argentina, Pachamama, Mãe Terra, que é feito através de oferendas que são, geralmente, simples pedras. Elas são colocadas em cruzamentos da estrada, formando grandes montes. Cada devoto coloca sua pedra, fazendo a seguinte oração: Pachamama cusiya, cusiya, cusiya. Que teria, mais ou menos, o seguinte significado: mãe terra me ajude e ampare, proteja-me nessa viagem. Dizem que a Pachamama também gosta de receber cigarro, bebidas alcoólicas, folhas de coca, que também são colocados no monte de pedra.
Mas o que realmente nos trouxe até o noroeste argentino, e deu nome a nossa expedição, foi conhecer o local onde viveu... vamos dar uma paradinha para comprar uns tomates para um picnic, o queijo já compramos na Estância Las Carreras, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio



Ruínas Quilmes, 22 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Outro roteiro interessante, que parte de Tafí, segue em direção ao norte, passando pelas RNs-307, 357 e 40, entre montanhas e os Valles Calchaquies. Mas aí já novamente com o calor e uma vegetação diferente, aparecem os Cardones, espécie de cacto enorme (aqueles dos desenhos animados), que cresce cerca de 3cm ao ano, portanto são centenários
Ele tem como primeira parada “El Infernillo” (3042m de altitude), por onde, dizem, passou o primeiro espanhol, vindo do Alto Peru, em direção às regiões planas da Argentina. Seguindo chegamos a Amaicha del Valle, uma pequena cidade onde se localiza o Museu Pachamama (mãe terra) dedicado a revalorizar  a história da região, através de sua salas que expõem sua geologia, arqueologia e arte têxtil.
O roteiro também nos levou a Santa Maria (já na Província de Catamarca), Colalao Del Valle, El Pinchao, mas não nos pareceu valer à pena conhecer nenhuma delas, não fosse a carona que demos a uma senhorinha, com já seus mais 80 anos, e que recitava versinhos, além de falar de seu pomar, que, sem frutas, sofria em conseqüência das agruras do inverno que passou. Lembrou-me muito minha (Sayo) avó, que tinha o hábito de versear (achamos que a palavra talvez não exista, mais é bem bonitinha). Imaginamos quanto tempo a pobrezinha ficaria, naquele calor infernal, esperando um cristão que a levasse, pois no local não há transporte urbano e, durante a semana, quase não há turistas. O caminho segue para El Cafayate, já na Província de Salta, uma cidade graciosa, mas lá já estivemos em 2009.

Mas, parafraseando Drummond, tinha uma pedra no meio do caminho, nunca nos esqueceremos desse acontecimento. Na verdade, no meio do caminho tinham muitas pedras, as Ruínas da Comunidade Índia Quilmes, da nação Diaguita, e foram elas que nos levaram até lá, as pedras no meio do caminho.
Contam que os Quilmes chegaram à região 800 D.C., viviam em casas circulares, semi-subterrâneas, para evitar os fortes vento; feitas de pedras empilhadas, sem utilização de qualquer tipo de argamassa. Tornaram-se sedentários com o cultivo de milho, quinoa, abóbora, madioca e batata; colhiam frutas e produziam dois tipos de bebida alcoólica, uma feita de milho e outra do fruto da Algarroba. Domesticaram a lhama, que usavam para trabalho e transporte. Tinha um calendário de 12 meses, guiando-se pelo reflexo dos astros na água; faziam oferendas aos deuses no final do ano, em julho. Viviam em um sistema hierárquico, com poder na mão do cacique, que vivia na parte mais alta do povoado, de onde podia vigiá-lo, e do chaman (pajé).
Foram dominados de forma pacífica pelos Incas, através de acordos, entre 1480 e 1530. Poucos anos depois da partida dos Incas, chegaram os espanhóis à região e os Quilmes, bravos guerreiros, lutaram durante 130 anos para não serem subjugados.
Foram derrotados quando os espanhóis destruíram seu aqueduto e suas platações; pois ficaram sem água e sem comida, mas muitos preferiram suicidar-se a serem escravizados. As cerca de duzentas e sessenta famílias que sobreviveram, foram enviadas, caminhando, por mais de mil quilômetros, para o local onde hoje se localiza a cidade de Quilmes, na Província (Estado) de Buenos Aires, para ajudar na construção da cidade de mesmo nome.
Muitos morreram no caminho, outros de uma epidemia, na missão para onde foram levados. Os que sobreviveram se recusaram a procriar, tendo se extinguido o povo Quilmes. O local onde se encontram suas ruínas foi concedido, na época do governo militar, a um particular para sua exploração, que construiu um hotel e um museu.
E nos contaram mais, que essa história foi verdade até alguns anos, quando se constatou que ainda existiam, na região das ruínas, alguns descendentes dos Quilmes, que haviam sobrevivido fugindo aos ataques espanhóis, para as montanhas. Então o território de seus ancestrais lhes foi devolvido; uma parte das ruínas já foi por eles reconstruída. O hotel e o museu encontram-se fechados, objeto de ação judicial. Hoje, o local é administrado pelos Quilmes, que também vende objetos artesanais para garantir seu sustento.
E aí está o resultado da Expedição Quilmes.

Beijos,

Sayo e Claudio

PS- Mas não desembarque, pois a viagem ainda não acabou (ah, ah, ah)! Nos aguardam muitas surpresas!



San Fernando do Valle de Catamarca, 23 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Sobre a Província de Catamarca, cuja capital leva o nome de San Fernando do Valle de Catamarca, pois na Argentina, as capitais dos estados costumam ter o mesmo nome do estado, encontramos poucas informações. Dois de nossos guias nem a citavam; um outro, que compramos aqui na Argentina, há mais de 15 anos, falava alguma coisa. Pensamos dar uma passada pela capital, para não deixar pedra sobre pedra (ah, ah, ah!).
Pela RN-38, chegamos à capital, vindo de Tafí Del Valle, chegamos na hora da “siesta”, encontramos uma cidade fantasma, nem cachorro na rua, exceto os guardas que costumam ficar nas esquinas. Teve suas vantagens, pudemos circular calmamente pela cidade a procura de um hotel. Missão que não foi lá tão fácil, pois os centrais são caros, os baratos são longe e os baratos e centrais não são muito bons. O que nos pareceu atender às reivindicações, fecharia dia 24/12; encontramos um razoável.
Ainda vagando pela cidade deserta, naquele calor infernal, fomos nos interando de algumas interessantes características da arquitetura, que se distribui pelas estreitas ruas. A tônica dos imóveis de planta térrea, particulares e públicos, poucos os de dois pavimentos, contam-se nos dedos os edifícios.  Seu preservado aspecto colonial tão bem preservado. A quantidade de colunas, grades de ferro, estuque, janelões portais e portas de beleza  incomuns.
A Praça 25 de Maio é o coração da cidade, arborizada, muitos cítricos, e cheia de bancos, bom lugar para namorar ou simplesmente descansar apreciando a rosada Catedral, com sua cúpula de azulejos azuis, ou o entra e sai de gente na Casa do Governo, branquinha, recém pintada, quase imaculada.
Visitamos a Catedral Basílica Nuestra Señora Del Valle, construída em 1869, estilo neoclássico, com paredes bem coloridas e pouca utilização de mármore; pinturas contando a vida de Nossa Senhora no teto, vitrais alemães e um lindo quadro do nascimento de Jesus. Ainda na área da Catedral há um pequeno museu, que conta a histórias da padroeira e seus milagres, e uma fonte de água benta. Mas o que chama mesmo a atenção é uma pequena capela, que foi construída, em1916, na parte posterior da igreja, chamada Camarin onde se realizam algumas missas diárias e se pode ver, bem de perto, a mesma imagem da virgem que se encontra na nave principal, inclusive colocar a mão em sua redoma.
O Camarim foi construído em estilo gótico, com delgadas colunas de mármore branco, com capitel duplo, é um local suntuoso, que está sempre repleto de gente, que vem acercar-se à Virgem.
Visitamos também o Museu Arqueológico Adan Quiroga e Mercado de Artesanato, juntamente com a Fábrica de Tapetes. Mas boa parte dos pontos turísticos estava fechada, em virtude das Festas, então não visitamos o Convento de São Francisco, o Museu de Belas Artes e o Museu do Folclore.
Já que Catamarca era uma província que não tínhamos muitas referências turísticas, minha (Sayo) idéia era visitar mais algumas coisinhas que estavam fora da cidade e seguir, passar o Natal em La Rioja e seguir para Santiago do Chile, pois, como bem sabe e entende a Cara Amiga, adoro as metrópoles. Foi então que, a partir de uma visita ao Centro de Informações Turísticas do estado, começamos a escutar um zumzumzum a respeito de “Los Seismiles”, do Rally Dakar. Como bem pode presumir o Caro Amigo, enquanto eu pedia a Deus por uma confortável poltrona, no camarote de algum magnífico teatro que, certamente, existe em Santiago; o Claudio já saltitava por “Los Seismiles”, metido nos seus trajes de expedicionário, bem mas... paramos para umas fotos, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio



Gruta de La Vírgen del Valle,   24 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

A temperatura caiu abruptamente, mais de 20 graus, parece que o Papai Noel ia chegar com neve, aproveitamos para um passeio pelas aforas da cidade. Fazendo um trajeto por duas pequenas estrada, nºs 1 e 4, fomos à El Rodeo, uma pequena cidade de veraneio; passando por duas represas, El Jumeal  e Las Pirquitas.
Estivemos, também, na Gruta de La Vírgen del Valle, há sete quilômetros do centro da cidade. Contam que, pelos idos do início do século XVII, foi descoberta naquela pequena gruta, em um nicho natural, uma pequena imagem de uma Nossa Senhora morena, com traços americanos, entalhada em madeira, vestida de branco com um manto azul; que era adorada pelos indígenas.
Ao se interar do fato, Manuel Zalazar, um ex-soldado o espanhol, recolheu-a e para ela construiu uma igreja, em 1626. Lá a Santinha permaneceu até 1695, quando foi trasladada para a Catedral.
E contam mais, que um homem que morava lá para os lados da fronteira de Córdoba com La Rioja, adquiriu uma enfermidade e se encontrava à beira da morte, quando se lembrou da Virgenzinha e a ela rogou por sua vida, prometendo visitá-la em sua igreja; não tardou e o homem estava recuperado, para assombro dos vizinhos. Tratando logo de pagar sua promessa, partiu acompanhado por sua mula, mas o caminho passava por uma região muito árida e de imensas salina e o homem se viu, novamente, correndo perigo, em virtude da falta de água. Apelou novamente à Santinha, que, em lágrimas, apontou-lhe um jarro de prata, que vertia água, como uma fonte, onde ele e seu animal puderam matar a sede por toda viagem.
Enquanto isso, na igreja, davam pela falta de um jarro de prata da Santa, sem que ninguém descobrisse seu paradeiro ou como havia desaparecido. Alguns dias depois, ao chegar o homem à cidade, procura o padre e conta-lhe o ocorrido, apresentando o jarro desaparecido, que hoje se encontra no museu da Catedral.
Outro milagre de Nossa Senhora do Valle foi a cura de um senhor peruano muito rico, que, desenganado pelos médicos, partiu para o Santuário da Virgem. Obtendo sua cura, ofereceu a Santa uma magnífica corrente de ouro. No caminho de volta, encontra um amigo, a quem conta o milagre que obteve graças à preciosa corrente que deixou em pagamento.  Como já era noite, o homem pernoita a céu aberto. Na manhã seguinte, os empregados, que o acompanhavam, encontram-no contorcendo-se de dor e mais enfermo que nunca e, embaixo de seu travesseiro, a corrente de ouro que, dias atrás, havia deixado para a Santa. Ela quis mostrar-lhe que uma mãe não vende os favores que faz a seus filhos. O homem foi novamente curado e a corrente se encontra também no museu da Catedral.
Mas o Caro Amigo deve estar se perguntando sobre “Los Seismiles” ou Rota dos Vulcões?

O que apuramos é que 80% do território da Província de Catamarca, localizada no noroeste da Argentina, é constituído por relevo montanhoso e que, no noroeste da própria província, encontra-se uma passagem fronteiriça, que chega ao Chile, denominada Paso San Francisco, uma das estradas mais altas do mundo, em torno de 4.800m de altitude, uma parte da Cordilheira dos Andes com 19 vulcões de mais de 6.000m de altura, o grupo de vulcões mais altos do mundo, já que o Himalaya, de altura superior, não é um vulcão. E para completar, ficamos sabendo que o caminho está perfeito, recém pavimentado, e passa povoados encantadores, bodegas, lagoas, águas termais, imensas salinas e muito mais.

Então, por que não ir? Há que se considerar alguns pontos: ir até lá implica em aumentar, em cerca de 1.000km, nosso trajeto e tomaria 3 ou 4 dias de viagem, obrigando-nos a modificar o roteiro inicial, excluindo a visita ao Chile, chegaríamos somente até a fronteira. Outra agravante a ser considerada é que, desde que saímos do Brasil os distribuidores de gasolina ameaçam fazer greve, as filas nos posto são enormes e muitos não têm combustível; não tínhamos nem idéia de como estaria mais ao norte, região de pequenos povoados, sem muita infraestrutura; seguramente, nos últimos 200km que antecediam o Paso San Francisco nem posto de gasolina havia, nem nos 120km até a aduana chilena. Havia ainda os problemas da altitude, já que a estrada passa a mais de 4.500m, dores de cabeça, enjôos, falta de ar.

Então o que fazer? Não sabemos se dispomos de tempo para que o Caro Amigo dê seu voto, afinal deve estar ocupado com os preparativos da ceia de Natal. Por falar nisso, temos que nos preparar, iremos à Missa do Galo e, depois, jantar em um simpático restaurante, conversamos depois.
Beijos,

Sayo e Claudio




Fiambalá, 26 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Saímos de Catamarca pela RN-38 e depois pegamos a RN-60. O caminho, uma sucessão de montes, montinhos e montanhas carcomidas pela erosão; paredões de infinitas cores, verde, bege, ocre, acinzentado, terracota, degrades; são siluetas desenhadas contra o azul do céu, cortados pela estrada sinuosa e deserta; umas estão quase ao alcance da mão, outras uma vaga sombra muito ao longe. Chão pedregoso, pura areia.
Vegetação caatinga, quase seca; às vezes, “cardones” floridos, plantações de oliva, florzinhas amarelas, parreiras.
Casas, onde vivem pessoas, que mais parecem abandonadas, algumas de “adobe” (barro marron claro, quase cor de rosa).
Uma belezura, seguramente um dos paraísos do mundo, embora poucos tenham se dado conta.
Das duas cidades que tínhamos como referência para hospedagem, Tinogasta e Fiambalá, distantes 50km uma da outra, preferimos a última.
 É bem verdade que não havia muito  que escolher, ambas são pequenas, ou melhor, Fiambalá é minúscula, nem semáforo tem. São dez ou doze ruas, metade delas sem asfalto. Tem um restaurante e três lugares que se intitulam “comedor” (parece coisa para animal). Já cafeteria, barzinho, algo mais sofisticado, nem pensar.

O único hotel é municipal, onde nos hospedamos, que, graças ao bom Deus, que nunca me desampara, é legalzinho, mas não serve café-da-manhã. No mais, umas hospedagens, que não estamos seguros do estado em que se encontram, ou casa de família. Só há internet em um lugar, que também é o único que serve café expresso, e fica na mesma edificação do hotel municipal. Pense em alguma cidadezinha, esquecida no meio do agreste nordestino aí do Brasil, ela não ficará devendo nada para Fiambalá.

Cremos que o Caro Amigo deve estar se perguntando, afinal, aonde viemos parar? A opção vencedora foi... a cidade que sediará, nos dias 5 e 6/01/12, a última etapa do Rally Dakar em solo Argentina, a cidade que é a porta de entrada para Los Seismiles, a Rota dos Vulcões. Até agora nos perguntamos como é que a multidão que participa do Dakar, seguramente mais de 2400 pessoas, já que são mais de seicentos veículos, com piloto e co-piloto, mais a turma de apoio. Como se estabeleceram aqui? No momento não se vê nenhum movimento deles. Provavelmente, chegarão dois ou três dias antes, montarão um acampamento em uma área reservada no inicio da cidade, e lá dormirão e comerão. Mesmo assim, há toda a turma que vem para assistir, dizem que, no total, serão 50.000. A cidade vai virar um pandemônio. No momento, está muito tranqüila, cerca de uma dúzia de turistas, argentinos e chilenos em sua maioria. 
Mas, como bem verá o Caro Amigo, por dezenas de motivos, apesar de todas as adversidades, é quase impossível não se apaixonar pelo pequeno oásis, no meio do deserto, que é Fiambalá, a Capital da Cordilheira, e seus arredores. Somos até obrigados a reconhecer (que nos perdoem os chilenos) que supera as belezas naturais que vimos no Deserto do Atacama, o que falta é contar isso ao mundo.

Beijos,

Sayo e Claudio




Paso San Francisco, 27 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Deixamos Fiambalá, pela RN-60, às 07:45, destino: Paso  San Francisco, Rota dos Vulcões, Los Seismiles. Sol nas costas, um pequeno rio de degelo à direita, o rio Chaschuil, que dá nome ao vale. Estrada impecável, céu azul, vegetação rala, nas proximidades da estrada. Sem qualquer visão de horizonte, só e unicamente montanhas nuas, sem qualquer vegetação. 

Umas acinzentadas, paredões de ardósia dura, que alguém levou anos arrancando pesadas lascas, talvez travessuras do vento e da chuva. Outras, puros montes de areia e pedra, sem muita beleza para olhos desavisados, que não observam a maestria de suas formas. Dunas de areia, onde, provavelmente, os anjos escorregam quando ninguém está olhando. Montes de barro rosado, a geografia de marte, o planeta vermelho. As montanhas lunares, cores indecifráveis. Algumas verdes, cor de enxofre; dizem que o diabo cheira a enxofre, mas ele, com toda certeza, não andou por aqui. E seguem as cores, texturas e formas.
Passados 50km, a temperatura já caiu bastante e aparece o Primeiro Refúgio – Gallina Muerta, uma pequena cabana, teto de zinco; no seu interior, uma lareira, um manual de sobrevivência e bancos de alvenaria; descobrimos que muita gente usa os Refúgios para dormir. Aos 65km, o primeiro cume nevado, ou melhor, os dois primeiros; pouco mais adiante, o terceiro, com muita  neve. Encontramos um humilde casebre, onde nasceu Jesus; bem próximo, os burrinhos, que lá estiveram, e, um pouco mais adiante, onde o pequeno rio se alarga um pouquinho, as vaquinhas bebendo água no espelho, que, limpíssimo, reflete as montanhas. Um preá foge desesperado. Encontramos o Segundo Refúgio - Chaschuil
A estrada vai subindo, mas não sentimos nenhum efeito da altitude. As nuvens formam um colar, envolvendo os cumes. Já estamos há 10km de Cortaderas e uma placa indica a saída para o Vulcão Pissis; para alcançá-lo, há que se tomar uma estrada e seguir noventa quilômetros, mas não nos recomendaram segui-la, não está em boas condições. Surge uma parada para descanso, com informações gerais da rota e lata de lixo, ideal para um picnic.
Mais à frente, ao lado do Hotel Cortaderas, um complexo cinco estrelas, que estava fechado (dizem que reabrirá em janeiro), uma pequena represa com patos, nhandus e dois solitários pescadores de truta. Estamos a 3.300m de altitude e a 96Km de Fiambalá. Avistamos algumas assustadas vicunhas, uma espécie de lhama, que fogem ao nos ver. Já os flamingos rosados são bem corajosos, nos observam tanto quanto nós a eles, seu vôo é algo deslumbrante. Cruzamos com uma lebre apressadíssima, provavelmente a procura de Alice. Entre a vegetação rala, grãos de sal grosso, um capricho da natureza. Outra parada para picnic, vencidos os primeiros 100km do trajeto.
Em Cazadero Grande, uma placa indica que os vulcões que observamos são Nacimientos (6436m), Walter Penck (6658m) Ojos del Salado (6864m) e El Muerto (6486m), alguns de Los Seismiles. Passamos pelo Terceiro Refúgio - Cazadero Grande. Poucos quilômetros adiante, avistamos mais três vulcões com picos nevados e manadas de burricos. Com o Quarto Refúgio – Las Losas, surge, ladeados por montes multicores, acima de um pequeno vale de vegetação ocre-esverdeado, o Vulcão Incahuasi (6638m), o de melhor visualização a partir da estrada. Até aqui, onze horas da manhã, cerca de 140km, cruzamos somente com 5 veículos e nenhum andinista.
Chegamos a Las Peladas, mas não encontramos nenhuma delas, talvez o nome se dê ao grande vale a nossa frente, mais aberto e nu. Aparecem algumas salinas e a fome começa a apertar, pois saímos cedo, somente com um capuccino e umas bolachas, graças ao kit de sobrevivência, que sempre carregamos e inclui uma leiteirinha elétrica, alguns talheres e pratinhos, algumas poucas provisões (café, capuccino, açúcar, sopinha de caneca, chá, bolachas), pano de prato, copos, abridor e saca rolhas, tudo pequeninho em uma sacola. Nosso hotel não serve café-da-manhã e não queríamos perder tempo procurando um local aberto, o que seria difícil, dadas as proporções da cidade.
Escolhemos um bonito visual e paramos para comer uns abricós (colhemos na estrada ontem), umas bolachas de cereais (na Argentina tem umas ótimas) e uma salada de tomate, queijos e palta, um abacate pequeno, que é excelente para saladas, principalmente a base de pescados e frutos do mar. Infelizmente, regada a guaraná e água, esquecemos o vinho. O céu está azul e faz calor. 

Após o Quinto Refúgio – Las Peladas, uma maravilhosa vista do Vulcão Incahuasi, mas, infelizmente, as nuvens branquinhas já se transformam em coisas pesadas e cinzentas, e vão escondendo os picos nevados. Saímos cedo, na tentativa de evitá-las, pois à tarde o tempo é mais nublado, porém nos demoramos muito em paradas para fotos e observação; mais um ponto de picnic aparece. Muitos desses picos foram utilizados como locais de cultos e realizações de cerimônias religiosas pelos nativos e incas, por serem considerados locais de residência de seres sobrenaturais, a quem eram dedicados sacrifícios e oferendas, para a obtenção de favores. Diversas expedições encontraram em escavações, nas proximidades dos picos, múmias, objetos de cerâmica, alimentos e até uma estatuazinha de ouro.
Em La Gruta, os 4000m de altitude ainda não nos causaram inconvenientes. Aqui se localiza a aduana Argentina. É hora de optar, dar a volta e retornar a Fiambalá, para evitar os tramites de fronteira, mas não passar pelo Paso San Francisco, há 21Km, nem ver a Lagoa Verde, mais 20km, já dentro do território chileno. Ou seguir, atravessar o Paso, entrar no território Chileno, mas ter que rodar os 140km que levam até a aduana chilena, carimbar os passaportes e, então, rodar novamente os 140Km para poder atravessar novamente a Argentina.

Nos disseram que, dependendo de quem está de guarda no posto, é possível passar sem os trâmites legais, só para da uma olhadinha na lagoa. O Rapaz da aduana até fez menção de deixar-nos passar sem as burocracias legais, afinal seriam só 40Km até lá, e no, percurso nenhum tipo de fiscalização, nem viva alma; mas o guarda fez de conta que não entendeu; então fomos às papeladas, fizemos a segunda opção, voltar agora seria morrer na praia..
Já nos primeiros metros, tivemos certeza de que não nos arrependeríamos, a cada curva estávamos mais perto do céu. Lá embaixo, as lagoas salgadas, as montanhas que, há minutos atrás, nos pareciam gigantes. À esquerda, os imensos cumes nevado, quase ao alcance da mão, um lençol branco que caia cheio de pregas. Uma placa indica que o caminho é sinuoso, em quase todos os picos ainda resta um pouco de neve. A temperatura caiu, o céu ficou cinza, caem algumas gota de chuva, que vão se tornando mais pesadas. Alguns poucos quilômetros e pára a chuva, mas começa o vento forte e o frio cortante.  Após 21km, surge o Vulcão San Francisco (6016m), juntamente com o Sexto Refúgio –  Limite; é o limite internacional (4726m), divisa de Argentina e Chile. Um pequeno monumento, duas Virgenzinhas e uma homenagem a Pachamama.
Agora RN-31, Chile, termina o asfalto, as montanhas vão se tornando quase monocromáticas, uma cor difusa entre o marrom e o cinza; o pano de fundo ideal para ressaltar a beleza da Lagoa Verde, que estava azul turquesa, com seus flamingos rosados, 20km após a entrada no território chileno. Os montes já não são tão altos, nem tão pontiagudos, como se seus cumes tivessem sido cortados de forma muito reta, desgastados pelo efeito dos ventos, em seus milhares de anos. A Lagoa Verde cristalina, com sal depositado nas suas bordas e alguns paredões de calcário quase branco, no seu entorno; ao fundo, em segundo plano, picos escuros, quase pretos, com restinhos de neve. O sol voltou, as nuvens voltaram a ser brancas e projetam sombra nas montanhas.
Em frente à Lagoa, um posto da Guarda Chilena, o que encurtaria nosso caminho, se pudessem ser feitos os trâmites de aduana, mas está fechado.
Vai se iniciando a descida e a geografia também vai se tornando mais plana. A estrada, embora de terra, está em bom estado, mas faz uma poeira terrível. Se pode observar o Vulcão Ojos Del Salado de um outro ângulo. Nossa máquina fotográfica vem apresentando vários problemas, não poderia encontrar melhor momento, longe de tudo e de todos. Já sentimos os efeitos da altitude, falta de ar após algum esforço e uma leve dor de cabeça, é o que, aqui, chamam de Puna.
Um ciclista solitário, paredões pedregoso, dunas de areia. Logo um motoqueiro, nenhum deles necessitava ajuda. Nos acercamos dos planaltos de pedra pomiz, as montanhas já estão um pouco mais distantes. 

Avistamos o Vulcão Três Cruces (6749m), também argentino, embora visto a partir do Chile. Alguns quilômetros depois, uma grande salina branca quebra a monotonia do colorido, que apresenta pouco contrastes. Em fim, avistamos a aduana chilena, o Complejo Maricunga, já estávamos cansados da poeira da estrada, que está sendo asfaltada, no ano que vem estará pronta. Já bem próximo à Aduana, um pequeno oratório com a Virgem da Candelária, que foi encontrada, no local, por um mineiro, no final do século XVIII. 
Os trâmites da fronteira chilena foram muito rápidos, nem vinte minutos, todos foram muito simpáticos, doidos para conversar e nos deram várias recomendações para visitar o Chile, mal sabem eles que vontade não nos faltava, nos faltava é tempo, mas prometemos (e cumpriremos) voltar no ano que vem para visitar o Chile E, pasme o Cara Amigo, ganhamos até balinha, com embalagem de propaganda da aduana, que dizia: “Ser tratado com respeto es uno de tus derechos.
Foram 320km, que podem ser feito com qualquer tipo de veículo, sem cruzar com quase ninguém, sem qualquer posto de gasolina e restaurante, somente natureza. Portanto, se o Caro Amigo está pensando em encarar essa, lembre-se de levar água e comida e calcular a gasolina, pois para voltar a Argentina, cuja primeira cidade é Fiambalá, são outros 320Km, e para ir à primeira cidade chilena, Copiapo, são 170Km. Há que lembrar também que ambas as aduanas funcionam entre 08:00 e 19:00 horas (não temos certeza do horário no inverno).

À 16:00 horas, iniciamos o caminho de volta. Sabemos que o Caro Amigo deve estar cansadíssimo, depois desse trajeto tão longo, pedimos desculpas, mas para documentar tudo com precisão, deixando registrados os detalhes para os muitos que virão, e dar uma mínima idéia das maravilhas de Los Seismiles, fomos escrevendo pelo caminho, simultaneamente à ocorrência dos fatos, olhos na estrada e dedos no computador.
Seria um crime dividir em capítulos, mas prometemos nunca mais escrever tanto (ah, ah, ah!). Pouparemos o Caro Amigo dos detalhes dos 320km de volta, mas não podemos deixar de contar que, inesperadamente e pela primeira vez, nos deparamos com a ponta do arco-íris, onde, dizem, está enterrado o pote de ouro,  mas essa o Caro Amigo não verá, a máquina quebrou bem no momento de fotografá-la. Quem sabe na próxima (ah, ah, ah!).

Beijos,

Sayo e Claudio

PS – Seguem detalhes sobre todos os vulcões:
  • Monte Pissis 6882 msnm
  • Walter Penck 6658 msnm
  • Tres Cruces 6749 msnm
  • Ojos del Salado 6864 msnm
  • Inca Huasi 6640 msnm
  • El Muerto 6540 msnm
  • Nacimiento 6436 msnm
  • Volcán los Arianos 6570 msnm
  • Solo 6205 msnm
  • El Fraile 6100 msnm
  • San Francisco 6080 msnm
  • Olmedo 6080 msnm
  • Los Patos 6239 msnm
  • Medusa 6100 msnm
  • Cóndor 6373 msnm
  • Peinado 6050 msnm
  • Laudo 6400 msnm
  • Vallecito 6120 msnm
  • Sierra Nevada 6100 msnm


Os Encantos de  Fiambalá, 28 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Mas, é inegável, a cidade tem uma certa magia no ar, a região é de uma beleza sem retoques e de uma pureza de estilo que apaixonam.  Lugar de gente pacata, sem qualquer luxo; que não deixa de dar um bom dia ao cruzar com quem quer que seja. Os pés de oliva estão espalhados por todos os lados, praças, pequenos jardins, curvas da estrada; azeite, azeitona em conserva e seca são facilmente encontrados nos comércios. As parreiras, carregadas com cachos de uva ainda verdinha, são o caramanchão de quase toda casa, cujos quintais estão salpicados de pés de abricó, ‘membrillo” (achamos que é marmelo), figo, amora, pêssego e  nozes. Essas últimas vendidas “in natura” ou em forma de bombons, com doce de leite e cobertura de glacucar. Sem dúvida um oásis!
O Museu do Homem é pequeno, mas tem um acervo arqueológico interessante dos povos originários da região e dois corpos mumificados. No mesmo imóvel, estão o Museu de Los Seismiles, com detalhes sobre o trajeto ao Paso San Francisco, e o Museu de Mineralogia, que exibe exemplares de pedras da região. 
Já da estrada, bem ao longe, observávamos algo branco no horizonte. A principio, pensamos em neve, no cume de montanhas, mas estava muito baixo. Ao chegar mais próximo de Fiambalá, percebemos tratar-se de grandes dunas de areia, de formatos muito peculiares. Com uma visita aos povoados de Saujil, Medanitos e Tatón é possível observá-las bem de perto; os mais atrevidos podem até escorregar. Passando, ainda, pela estátua do Cristo Redentor e singelas igrejinhas.   
Outra marca registrada da cidade são os vinhedos, que ocupam grandes extensões de terra e, além de darem um especial colorido à paisagem, se prestam à produção de excelentes vinhos, premiados internacionalmente e conhecidos como “vinhos de altura”, pois a cidade está a 1500m sobre o nível do mar. Visitamos a Finca Don Diego, uma bodega butique, que produz vinhos orgânicos certificados, provamos um Shiraz Castaño, um dos mais nobres da bodega, que trás ao paladar notas de café e chocolate, excelente; Chardonnay doce, que lembra o sabor de um Porto, para acompanhar sobremesas; uma mescla de Shiraz, preferido pelas mulheres, e Cabernet Savignon... , masculino, especialmente criado com a denominação Vino para Compartir. Mas nosso coração ficou com o Malbec Roble (é minha uva predileta, atualmente reconhecida como Argentina, mas que, na verdade, tem origem francesa, desprestigiada em sua origem por constantes problemas de fungos e apodrecimento da raiz), com traços frutais, envelhecido sete meses em tonéis de Roble (carvalho), ainda um pouquinho alcoólico, mas nada que não se possa resolver com um pouco de repouso ou um decanter. Compramos um montão.
As Termas de Fiambalá estão a poucos quilômetros da cidade, em uma fenda entre dois paredões rochosos. Trata-se de uma sucessão de quatorze piscinas de água corrente, sendo que a temperatura, que começa em 45º, vai caindo gradativamente, a medida que a água vai correndo de uma piscina para outra, até chegar aos 23º. Trata-se de água com efeitos curativos, além de relaxantes. O local é muito agradável, arborizado, conta com mesas para picnic, churrasqueiras e restaurante. Conta, ainda, com um pequeno hotel, alguns chalés e local para acampamento.
 
É muito comum na região, a construções utilizando “adobe”, uma mistura de barro, palha e esterco, inclusive por ser um material térmico; algumas receberam revestimento, outras permanecem somente com adobe. Seguindo pela chamada Rota do Adobe, entre Fiambalá e Tinogasta, é possível conhecer algumas edificações, pequenas capelas e oratórios familiares construídos de adobe, no século XVIII, muitas com imagens e pinturas de origem peruana e boliviana, verdadeiras obras primas. É o caso da Igreja de São Pedro e, ao seu lado, da Comandância de Armas, em Fiambalá; da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Anillaco, e das edificações que a rodeiam; do Oratório da Família Orqueda e museu, em El Puesto; e da Igreja de Nossa Senhora de Andacollo,  em La Falda, uma preciosidade, solitária, está poucos metros da estrada, um simples ferrolho e sua porta pode ser aberta por qualquer peregrino que se achegue, não há guardas, não há vigias,  não existem câmeras.
No dia 26/12 comemora-se o dia de Nossa Senhora de Andacollo, patrona da região, tivemos a oportunidade de participar dos festejos, em El Puesto, uma verdadeira quermesse, gente chegando de toda parte, lotando as ruas já cheias de  bandeirinhas, missa na praça, procissão, ambulantes e suas quinquilharias, rudimentares restaurantes improvisados nos quintais, com cobertura de palha e piso de “chão”. 
Também presenciamos uma tempestade de areia, algo muito estranho, uma nuvem vai correndo sobre a terra, ela bate no carro com o som de chuva e impede a visibilidade, um pouco assustador.
E, nesse não fazer nada, ficamos quatro dias em Fiambalá, sem vontade de ir embora. Na manhã que partimos, a cidade amanheceu cheia de gente, barulhenta e agitada, finalmente chegavam os preparativos do Dakar. Infelizmente, partíamos nós, tínhamos que ir ao Tinkunaco, um encontro... hora de ir, contamos depois..
Beijos,

Sayo e Claudio

PS – A comida realmente não é o forte da região, mas as azeitonas são.



La Rioja, 29 de dezembro de 2011

Caro Amigo,

A cidade, que também é capital da Província de mesmo nome, nasceu, como não poderia deixar de ser, com nome santo: Todos os Santos de La Nueva Rioja. E, com o passar do tempo, tornou-se, simplesmente, La Rioja.  Saímos pela Ruta 3, a partir de Tinogasta, que se transformou em 11, e, posteriormente pegamos as  RNs-40, 74 e 38. A geografia da Província mudou um pouco, montanhas vão, gradativamente, dando lugar aos vales e às longas planícies, mas segue deserto  e, nas cidadezinhas, pequenos oásis cheios de frutas.  E, por incrível que pareça, internet grátis nas pracinhas de todas as minúsculas cidades.
No caminho passamos pelas cidades de Famatina e Chilecito, mas deixamos o Parque Talampaya para o ano que vem, assim como o Valle de La Luna; optamos por participar do Tinkunaco, afinal, em 2012, passaremos em outra data. Como qualquer boa cidade de origem espanhola, La Rioja também tem sua enorme praça, quadrada, bem no coração da cidade, é a 25 de Maio, a mais bonita das que visitamos, com fontes, palmeiras, laranjeiras, bem iluminada, cheia de bancos, muita sombra e, lógico, uma estátua do Libertador, San Martin, montado no seu garboso cavalo.

Ao redor dessa praça, a Casa do Governo, construção de 1937 de inspiração grego-romana, cujas janelas e balcões trazem grades de ferro bem elaboradas. A Catedral Basílica Menor (é uma hierarquia que vem do Vaticano, ainda não entendemos direito) de San Nicolás de Bari, um santo negro, patrono da cidade, que esbanja magnitude pela altivez de sua cúpula, torres e colunas.  Além de alguns restaurantes e cafés. As ruas, que saem da praça, são cheias de lojas e estão sempre lotadas de gente. Nos hospedamos em um hotel perto da praça, para poder fazer todos os passeios sem necessitar de carro, já que os museus também ficam nas proximidades.


Visitamos o Museu de Arte Sacra, que tem lindas peças, mas a maior parte do museu estava fechada para dedetização. O Museu do Folclórico ocupa um casarão com um lindo pátio, sombreado por trepadeiras perfumadas, a exposição carece de algumas legendas, mas a sala dos mitos é ótima, conta a história dos seres lendários da região. Fomos à Igreja de São Francisco, onde viveu São Francisco Solano, um dos protagonistas do Tinkunaco, visitamos sua cela e os restos de uma laranjeira que ele plantou.



Mas ficamos apaixonados foi pelo Museu Inca Huasi, que, com cinco mil peças, realizadas pelos povos do noroeste argentino durante miles de anos, conta um pouco da história dos povos originários e da influência do espanhol em sua cultura. Na verdade o Inca Huasi é bem interessante, mas só ganha vida, e sentido no universo de vida do homem local, a partir das explanações Sr. Manoel Barrios, um muito modesto professor, doutor, escritor e pesquisador, entre outras coisas, que se dedica a organizar as mostras do museu.  Ele vai, com uma simplicidade e didática inigualáveis, explicando cada vitrine e cada peça, de modo que fica impossível não compreender o que foi o homem originário e o significado de terra, água e ar em sua vida.  Ele nos presenteou com um livro que escreveu, sobre plantas autóctones utilizadas para colorir, a partir do relato de anciãs da região, para que não se perca essa cultura, “MEMÓRIA de los tonos y matices”. Ele é, realmente o tesouro do museu.



É uma cidade muito agradável, tem vários outros museus, que estavam fechados em virtudes das Festas; mas deixa um pouco a desejar quanto aos restaurantes, principalmente por se tratar de uma capital. O calor chega, facilmente, aos 50º, então as “ciestas” são mais longas, chegando até 18:00 horas, e, para compensar, eles saem para jantar depois das 10:30 horas. Existem uns roteiros interessantes, para visitar as serras, um pouco mais frescas, mas contamos depois.


Beijos,

Sayo e Claudio  



Serra de Velasco, 30 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

A Serra de Velasco, a qual se chega pela RN-75, em nada lembra a nossa serra por onde passa a estrada velha de Santos. Inicialmente, a estradinha segue por montanhas cor de barro, vermelhas, quase sem vegetação, só os Cardones e seus espinhos. Depois, adquire um tom verde, entre pedras, mas de vegetação ainda modesta; que vai sendo cortado por um rosário de capelinhas e singelos vilarejos, com suas cinco ou seis ruas e sua pracinha quadrada, sem calçamento, onde a população de La Rioja constrói casas de veraneio, em meio à população local, que planta suas uvas, faz seus vinhos e doces caseiros, enquanto vive vagarosamente. O Dique Los Sauces e dois riozinhos garantem a diversão nos dias de calor. O roteiro recebe o nome de Corredor de La Costa. 

A temperatura na Serra é bem mais amena e os raios de sol passando entre nuvens, que já vão se deitando nos cumes das montanhas, enchem de nuances o vale. Fomos ao pequeno povoado Ajullón para ver a Igrejinha de San Vicente Ferrer, de 1896, e procurar os torrones artesanais (devem ser uma delicia, talvez feitos com nozes, já que seus pés estão por todos os lados). Fomos recebidos por dois cachorros, muito felizes com a nossa visita, nos acompanharam à Igreja, abanando o rabo de alegria, mas nada dos torrones.

Em compensação em Anillaco, visitamos uma loja de produtos regionais, onde fomos muito bem recebidos, provamos azeitona em calda doce (ótima, ideal para acompanhar assados de porco ou cabrito), azeitona passa e em pasta, farinha de algarroba (aquele fruto que os Quilmes utilizavam, assim como todos os povos da região, por seu valor nutritivo), azeite e vinho Malbec. É a única das cidadezinhas da região cujas ruas são asfaltadas, talvez por ser o local de nascimento do ex-presidente Menen, que aqui tem uma casa (La Rosadita, por que será?) e uma bodega. É um lugar muito agradável, com lindas casas, tem hospedagem, então, o Caro Amigo pode vir, ficar e esquecer dos problemas da vida atribulada das grandes cidades. Ah... já íamos esquecendo, a internet é na praça e gratuita, como em praticamente todas as cidades da Província de La Rioja.

Em Chuquis, no local onde nasceu Pedro Castro Barros, sacerdote e um dos membros do Congresso de Tucumán (aquele da independência), o Museu Solar de los Castro y Barrios, que de forma despretensiosa, mas muito atrativa, apresenta uma cronologia muito didática da cerâmica que vai até o período colonial, um ferro de passar a gás de nafta, as ruínas da casa em que o padre viveu, poesias e postais. Em Água Blanca, laranjeiras  e uma pequena fábrica de queijos de cabra. Provamos o queijo e o doce de leite de cabra, e, ainda, tivemos um dedo de prosa com os donos, uma simpática argentina, que adora o Brasil e fez questão de falar com a gente em português, e um francês bonachão, sem qualquer sotaque.

Em Sanagasta, o Mercado de Artesanato fica em um lindo casarão, com um jardim de casa de fazenda colonial, um verdadeiro primor, seria o local ideal para uma cafeteria, ou um restaurante. Na volta, o sol, se pondo, imprimia uma luz difusa sobre as montanhas que iam perdendo sua cor, restando seus contornos no céu, onde ainda avistava um tom pálido de azul.  Realmente é um passeio adorável, imperdível, mas falta um lugar para um cafezinho ou uma Quilmes gelada, talvez em virtude do feriado, na dúvida, melhor levar algo para picnic.

Mas está na hora do Tinkunaco, temos que sair.  

Beijos,

Sayo e Claudio

PS -  Nossa máquina fotográfica quebrou, o Caro Amigo terá que contentar-se só com o que contamos e acreditar que é tudo verdade (ah, ah, ah!).



Tinkunaco, 31 de dezembro de 2011.

Caro Amigo,

Na Igreja de São Francisco, em La Rioja, há uma imagem do Menino Jesus, com seu quatro ou cinco anos, vestidinho como se um dos reizinho espanhol fosse, cabelo cacheado, sapatinhos, calça, camisa com abotoaduras, gravata, paletó, manto e cetro, uma belezinha, é o Niño Jesus Alcalde (Menino Jesus Prefeito).  Na mesma igreja, uma imagem de São Francisco Solano, que lá viveu, com seu violino. Já no altar maior da Catedral, San Nicolás de Bari, com todas as honras e pompas, o santo negro, amado patrono da cidade.
Tinkunaco, em Quéchua, significa encontro. Então, nos contaram mais ou menos assim, o conquistador espanhol Ramirez de Velazco, ao chegar à região, em medos de 1500, apoderou-se das terras dos diaguitas, dos aborígenes, ou, como melhor denominam aqui, do povo originário. E, não, satisfeitos, os escravizou, coisa de colonizadores, que já conhecemos. Durante três anos, eles se submeteram, mas, então, começaram a se organizar, a fim de retomar suas terras e dignidade de homens livres.
Era Semana Santa, e a história chega aos ouvidos do sacerdote Francisco Solano, que mais tarde foi santificado, que sai ao encontro do povo originário, a fim de evitar o derramamento de sangue, com seu violino, tocando suaves músicas, e uma imagem do Menino Jesus. Ele faz um comovente sermão, que convence os aborígenes a desistir da guerra, mas sob a condição de que o “alcalde” (prefeito) renuncie e passe a governar o Menino Jesus.

Esta é a origem do Tinkunaco, uma procissão de encontro, que é realizada no dia 31/12 de cada ano (há uma no meio do ano também, não lembramos a data exata), quando San Nicolas de Bari, o patrono da cidade, desce de seu altar, na Catedral, e vai, em procissão, ao do Menino Jesus Alcalde, que parte da Igreja de São Francisco, há algumas quadras, acompanhado da imagem de São Francisco Solano, com seu violino.
Muita gente usa a cor roxa. Os homens com uma faixa na cabeça, que trás um espelho ao centro, um grande escapulário, e cinturão, alusão aos presentes que os espanhóis davam aos povos originários, a fim de conquistar sua confiança, e das vestimentas dos indígenas; os meninos vêm graciosos, ainda trazem capinhas roxas e adornos. Já as mulheres e meninas, trazem uma tiara com pequenas flores e muitas fitas coloridas, que simbolizam as plumagens do povo originário.  

Muitos trazem na mão um bastão, com bolas ovaladas, de cor roxa, e muitas fitas coloridas. Obtivemos duas versões sobre este instrumento, a primeira que afirmar que devem ser cinco bolas, pois representam os cinco milagres realizados por San Nicolás de Bari. A outra versão, diz que a quantidade de bolas refere-se ao número de milagres que a pessoa, que o carrega, recebeu do santo, portanto, cabe a cada um decidir quantas bolas seu bastão terá.

São três dias de festividade. No primeiro vem o Menino Jesus Alcalde, juntamente com São Francisco Solano, e encontra-se com San Nicolas de Bari em frente à Casa do Governo, exatamente ao meio dia, onde é recebido pelo governador, recebe honras de estado, inclusive a chave da cidade. Enquanto isso, o povo que lota a Praça 25 de Maio, canta, reza e faz três genuflexões em momentos pré-determinados. Então, volta São Francisco a sua Igreja, quanto o Menino Jesus e San Nicolás vão para a Catedral, ficando um de cada lado do altar, para que possam ser adorados por toda população, que, por aqui, não pode ver um santinho sem passar a mão e se benzer. Foi essa a parte que presenciamos, além da missa, à noite.

Contaram-nos que, no segundo dia, há uma grande procissão, que trás, à cidade, fiéis de toda a Província e até de distantes locais do país. E no terceiro dia, o Pequenino Alcalde retorna ao seu altar na Igreja de São Francisco.

La Rioja, apesar do calor e da aridez de seu solo, sempre estará em nossa lembrança como um imenso pomar. Partimos pela RN-38, em direção à Província de Córdoba, no caminho, já  perto da capital de mesmo nome, passando pelo “Valle de La Punilla” e resolvemos parar, a idéia foi excelente, mas a data inconveniente, porque... temos dar uma olhadinha em um hotel, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio

PS. Conseguimos algumas fotos na internet.



Casa Grande, 02 de janeiro de 2012.

Caro Amigo,

Feliz Ano Novo! E o nosso Ano Novo começou assim: quando a RN-38 passou pelo Valle Punilla”, apesar de já conhecermos a região de outra viagem, novamente nos encantamos pelo clima ameno e beleza das pequenas cidades e resolvemos parar. Acontece que, metade da Argentina pensou a mesma coisa, dia 01/01 é o dia do êxodo dos argentinos, todos que vivem nas grandes cidades partem, em férias, para cidades frescas à beira mar ou em balneários, com uma piscina e uma churrasqueira ao lado, onde passaram todo o mês entre a água e a carne.

Todo o vale é repleto de cidades simpáticas, riozinhos e arroio, museus, piscinas públicas, restaurantes, fábricas de doces e alfajores, lojas de artesanato, restaurantes, cafeterias, igrejas, hotéis, cabanas e casas de aluguel. Os dias são quentes e as noites frescas e estreladas; lugar ideal para uns dias de férias, como bem sabem os argentinos. Começamos a procurar hospedagem e mais de uma hora depois ainda não tínhamos nada; os locais que nos agradavam não tinham vaga; os poucos que tinham, não nos agradavam. No Centro de Informações Turísticas, no avisaram que seria difícil e que os preços estavam pela hora da morte, pois já estávamos na temporada.

Seguimos procurando, passamos por Capilla Del Valle, La Cumbre, Villa Giordano, La Falda, Valle Hermoso e já íamos, tristonhos, cansados e desanimados, pelos lados de  Casa Grande, quando avistamos uma placa que indicava “El Gringo – Cabañas”, o local parecia simpático. Nos atendeu Marcela, gorducha, com jeito infantil, a proprietária, informando que somente teria uma vaga cabanas do outro complexo, aos fundos. Então chamou o Gringo (Alejandro), seu marido, com aparência mais reservada, mas com uma boa prosa, que nos conduziu até lá com seu  quadriciclo (o Claudio ficou doido para dar uma volta).

Simpatizamos com a cabaninha, quarto, cozinha, banheiro, varandinha e churrasqueira; além de uma boa e muito limpa piscina. Mas simpatizamos mesmo foi com o casal e seus dois filhos. Facundo, adolescente, muito centrado; e a loiríssima Juliana, com cerca de seis anos, mimada, daquelas de sapatear quando quer alguma coisa, que jurava não entender nada do nosso espanhol, até lhe darmos o primeiro chocolate; daí para frente, ficou nossa amiga, entendia até  português (ah, ah, ah!).
 
Como Córdoba fica há 70Km, nossa primeira idéia era dar um pulinho até lá, para passar o dia e relembrar, mas acabamos ficando com preguiça. À noite, Claudio fazia o churrasco, com a maravilhosa carne de um açougue que o Gringo nos recomendou. Tomávamos um copo de vinho com os novos amigos, jogávamos um pouco de conversa fora e caíamos na cama, pregados. Acabamos ficando três noites por lá.

Mas não pense o Caro Amigo que ficamos somente de papo para o ar, de modo algum, somos uma empresa de responsabilidade (ah, ah, ah!). Então, enquanto descansávamos, aproveitamos para conhecer alguns dos atrativos dos arredores, que são muitos, deixando os outros para quando retornarmos, no ano que vem, conforme prometemos aos amigos. Quem sabe no inverno, para ver a neve, já que a GOL já tem vôo direto para Córdoba, que fica a menos de uma hora.

Mas agora o vinho está no copo e a carne, na churrasqueira, exala um perfume sedutor, o dever nos chama (ah, ah, ah!).

Beijos,

Sayo e Claudio



La Cumbre, 03 de janeiro de 2012.

Caro Amigo,

Na cidade de La Cumbre, fomos ao Dique San Jerônimo, na volta,  fizemos uma visita guiada à fábrica de doces e alfajores El Rosário, aproveitamos para experimentar um alfajor cordobez (não gostamos muito) e colher uns damascos, que enchiam um pé à beira da estrada; ainda tínhamos algumas ameixas colhidas em La Rioja, ficavam garantidos os cafés-da-manhã em nossa cabana.
Fomos ao Museu de Motos, que também apresenta bicicletas, carros e antiguidades; os donos são simpáticos e adoram bater papo.  Passamos na Capela de San Roque, aquele cuja imagem trás um cachorro com um pão na boca e o santo mostrando uma ferida na perna; curiosamente, em quase todas as igrejas que entramos nessa viagem, encontramos uma estátua dele. E terminamos passando pela fábrica de fragrância, onde compramos alguns óleos essenciais; mas, infelizmente a plantação de lavanda estava quase sem flores, mesmo assim, demos uma caminhada por ela, até conhecemos uma elétrica familiazinha de preás que viviam embaixo do tanque de água.
Em Valle Hermoso, resolvemos conhecer o Paseo Con Ciencia. Sensacional! Um modo de constatar, brincando, aquelas coisas que a física insistia em afirmar, mas que nos pareciam, na adolescência, grandes mentiras universais, coisa de maluco desocupado, que passava a vida pensando; coisas, sem aplicação prática, que inventavam para deixar os alunos loucos (tenho que ressalvar aqui, que a opinião é totalmente minha, Sayo, pois o Claudio não compactua com esse pensamento, muito pelo contrário, acha tudo lógico, óbvio e ululante).
Mas voltando ao Museu, que para o Claudio foi um parque de diversões, ele é composto por um curto passeio de trem por um pequeno bosque, no qual são explicadas algumas particularidades da flora autóctone e as inconveniências da introdução de espécies originárias de outros locais. Passamos ao planetário e às salas de óptica, som, líqüidos, hidráulica, magnetismo, eletricidade e diversas teorias físicas; tudo comprovado de forma muito simples, com experiências que podem, facilmente, serem feitas em casa. Finalmente fomos ao labirinto, cuja saída é dada através de respostas a perguntas sobre a flora; e às catacumbas, com jogos de montar e problemas matemáticos, similares aos do livro “O Homem que Calculava”.
Corre uma fofoca de que Hitler teria andado por aqui. Ao final do século XIX, toda a região de La Falda era uma grande área de terra, que constituía uma única propriedade. Lá foi construído um elegantíssimo hotel, para receber as famílias abastadas, em suas longas estadias, dois ou três meses, que visavam garantir seu bom estado de saúde, já que a tuberculose era coisa de moda, o Éden Hotel. Na verdade era praticamente uma pequena cidade de ricos e famosos, já que produziam tudo que lá se consumia, desde eletricidade até, produtos agrícolas, leite e carne. Somente os vinhos e champagne vinham da Europa. Deve ter sido uma verdadeira maravilha, mas agora, depois de passar pela mão de vários donos; do loteamento da maior parte de sua área, que se transformou na cidade de La Falda, e de permanecer 20 anos abandonado, entregue aos saques dos moradores, ricos e pobres, da região, demonstra, claramente, os sinais dos anos de sofrimento.   
Mas, apesar de tudo, é uma das visitas imperdíveis e ainda permanece uma águia, muito parecida com a nazista, sobre a fachada, bem acima da porta de entrada, misteriosamente observando os que chegam. Hoje, uma pequena parte já está restaurada (a previsão é de doze anos para conclusão), alguns salões com exposições de fotos e pinturas, uma cafeteria. 

A visita, guiada, começa com a exibição de um pequeno filme, que mostra o auge do Éden Hotel; e segue por várias salas, salões e quartos que, apesar de hoje se encontrarem vazios e em ruínas, foram funcionais e palco, onde desfilaram senhoras, com seus longos trajes e luvas, e senhores, com suas casacas e cartolas.

Também visitamos uma fábrica de azeite e produtos afins, bem pertinho de nossa cabana, onde aprendemos um pouco e compramos um montão. E chegou a hora de dizer, com pesar, adeus aos amigos e a nossa casinha, vimos os olhos de Marcela mareados, muitos beijos e a confirmação da promessa de voltar.  Deixamos o Valle de La Punilla pela E-53, que parte da cidade de Valle Hermoso; seguindo pela RN-19, a partir de Córdoba; através da RN-18, depois de Paraná; e íamos pela Ruta 130, quando nos passou algo que, apesar de nosso anos de viagem, nunca nos havia ocorrido. Consideramos uma verdade universal que todo turista será ludibriado, não passa uma viagem que um espertinho não nos enrole ou quase; provavelmente muitos nos enrolem e nem nos damos conta. E assim foi, no Posto de Policia da Província de Entre Ríos, há 14km de Villaguay, um... estamos morrendo de fome, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio



Província de Entre Ríos, 04 de janeiro de 2012.

Caro Amigo

Então vínhamos alegremente, tão ou mais inocentes que a própria Chapeuzinho Vermelho; quando avistamos ao longe um posto policial, nenhuma novidade, já havíamos passado por tantos nessa viagem.  Observamos que o guarda, um senhor de seus bem mais de cinqüenta anos, olhava com uma cara um tanto estranha, os documentos do veículo que estava a nossa frente, finalmente mandou que ele passasse.

Pediu os documentos de nosso veículo. Cumprimentamos e, enquanto lhe apresentávamos os papéis, o tal fulano fazia uma cara meio de desdém, meio de arrogância, meio de quem não entendia o que falávamos (tocou no meu, Sayo, ponto fraco, odeio que não entendam meu ótimo espanhol, ah, ah, ah!), tinha um linguajar chulo, cheio de gírias, o próprio lobo mau. Como dizia minha avó, o matreiro tinha cara, corpo e jeito de andar de safado, fedia a corrupção. Olhou os papéis, fez menção de dizer que nossa Carta Verde (seguro obrigatório para o MERCOSUL) estava vencida, demonstramos que não e o pilantra começou a perceber que não ia ganhar a coisa no grito.

 Então, o ordinário foi para trás do carro, ficou por lá um tempão, tentando fazer pressão psicológica, e voltou dizendo, com aquele seu linguajar tosco, que nosso engate (para carreta) era proibido na Argentina, e nós que já vimos “zilhões” daqueles nos carros argentinos que, diga-se de passagem, circulam, em geral, em péssimo estado, sem faróis, sem lanternas, sem retrovisor, sem documentação, caindo aos pedaços, um verdadeiro perigo; mas tudo isso o tal pústula não via, pois tais motoristas não teriam dinheiro para lhe oferecer; inclusive mandou passar uma podreira dessas, que estava atrás do nosso carro; somente parava os carros de luxo, visando auferir algum lucro. Questionamos, pois já estivemos na Argentina com o mesmo carro várias vezes e passamos por vários postos de policiais, inclusive em diversas fronteiras, sem que ninguém tivesse nos multado ou, se quer, alegado a tal irregularidade; apontamos, inclusive, um veículo argentino com o mesmo aparato, que cruzava a pista, mas o canalha se fingia de desentendido.

Aí o salafrário foi para dentro da guarita e voltou com um outro desclassificado, de sua laia, mais moço, com carinha de galo de campina, que foi logo fotografando o engate e convidando o Claudio a entrar, mas eu não ia perder essa nem a pau. Fui junto e me sentei na única cadeira que havia em frente à mesa do gatuno, enquanto o Claudio ficava em pé, já o mais velho sai de cena, foi encher o saco de outras pessoas de bem.  O cafajeste imprimiu a foto de nosso engate e alegava ser proibido em todo território argentino, pedimos para ver o artigo legal e o meliante nos apontava uma linhazinha, em um livro, mas não deixava que lêssemos tudo, não esperava que dominássemos a língua. Apontava o suposto inciso “y”, do artigo 48, que, temos quase certeza, refere-se a outro tipo de aparato ou, pelo menos, existe alguma ressalva, afinal são tantos incisos; assim não fosse, metade dos veículos argentinos estariam multados e, nos inúmeros outros postos de polícia em que paramos, já nos teriam multado.

O crápula não me encarava, gesticulava muito, movia-se muito, percebia-se, nitidamente, que estava nervoso, dizem que as mulheres são menos vulneráveis à corrupção. Declarou, cheio de propriedade, o infame, que na Província de Entre Rios a lei era cumprida e que iria aplicar a lei (outro ponto fraco). Candidamente, com aquela carinha de santa que, quando quero, consigo fazer, respondi que sim, que concordávamos. Então o vilão alegou que, em face de uma lei estadual, os turistas tinham que pagar no ato as multas de trânsito e que, portanto, teríamos que desembolsar, naquele exato momento, quinhentos e alguns pesos.   Respondi, angelicalmente, que a lei deveria ser cumprida, mas que, infelizmente, não tínhamos dinheiro, pois era nossa intenção atravessar a fronteira, já estávamos bem próximos do Uruguai, e tínhamos gasto todos os nossos pesos argentinos, então teríamos que sacar dinheiro no caixa eletrônico, pois os bancos também já estavam fechados. Se mentimos? Claro! Mas ele também! O achacador perdeu o rebolado, entrou em uma salinha para falar com outro comparsa; aí já começou com a conversa de que o engate poderia ser retirado e estaria tudo resolvido e, insistentemente, chamava o Claudio lá para fora.

O Claudio alegava que era impossível retirá-lo, pois é fixado no chassis, mas o pústula insistia que ele saísse da guarita. Fui junto, claro! Queria ver se o cara-de-pau iria ter a desfaçatez de pedir dinheiro na minha cara. Olhamos, olhamos e constatamos o que já sabíamos, impossível retirá-lo. Novamente, o sem caráter veio com a conversa de que teria que aplicar a lei, mais uma vez concordamos, em gênero, número e grau; se o espúrio estava esperando nossa oferta de dinheiro, cai do cavalo. O Claudio espumava de ódio. O biltre começou, todo nervoso, a digitar a tal multa. Ao receber o documento referente à multa, percebemos logo um código de barras e o valor de $712,30 pesos, portando documento pagável em banco. Quando indagamos, sobre a divergência de valor, o mentiroso ficou todo desconcertado, alegando que são tantas as suas atribuições e os detalhes de sua profissão (qual? de chantagista?) que não havia como transmitir-nos todas as informações, algum detalhe sempre escapa e ele, o charlatão, havia esquecido de dizer que quando a multa é paga no ato tem um desconto de 30 e poucos por cento.

Pelo que percebemos, então, pasme o Caro Amigo com a rapidez, que aquela tal lei, da Província de Entre Rios, que dizia que os turistas deveriam pagar suas multas no ato, foi revogada e teve sua revogação publicada naqueles quinze ou vinte minutos que conversamos, pois a multa, ou melhor, “Acta de Comprobación de Infracción nº 060112000014”, que recebemos impressa por um sistema computadorizado, dizia que tínhamos cindo dias para apresentar recurso e dez dias para efetuar o pagamento, nas agências do Banco Nación Argentina. Ou então será que o ardiloso tinha faltado com a verdade? Não podemos acreditar!

Aí o espertalhão, que ainda não estava resignado em perder o dinheirinho que já se havia imaginado gastando, foi novamente à outra salinha e voltou resolvido a fazer uma boa ação, disse que um outro integrante de sua quadrilha iria nos acompanhar até o caixa eletrônico, até a cidade que ficava há 14km. Então nós lhe daríamos os quinhentos e poucos pesos e lhe entregaríamos o papel da multa que recebemos, em troca de algum outro documento (provavelmente fajuto) que o outro bandido nos entregaria. Quase não acreditamos em tamanha bondade, quanto trabalho teriam os pobres santinhos do pau oco, nunca nos passaria pela cabeça a possibilidade de afastá-los de suas tão honradas obrigações para ajudar dois infratores da lei. Dissemos ao facínora, com lágrima nos olhos, que não, teríamos que recusar sua tentadora oferta, preferíamos dormir em Villaguay, pois já estava ficando tarde, e pagar a multa no banco, no dia seguinte.   Nos despedimos, deixando os beijinhos para um eventual segundo encontro, quando já seremos mais íntimos (ah, ah, ah!).

Mas o Caro Amigo deve estar querendo saber... vamos tomar uma banho e passar bastante perfume para  afastar o os maus fluídos, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio 



Paysandú, 05 de janeiro de 2012.

Caro Amigo,

Saímos de lá putos! Na verdade nossa intenção era parar, ainda na Argentina, em uma cidadezinha graciosa, com águas termais; mas resolvemos cruzar para o Uruguai naquela noite mesmo, passava pouco das 18:00 horas. E foi o que fizemos, atravessamos a ponte, que separa os dois países, em pouco mais de uma hora. As duas aduanas estão juntas, logo após a ponte, não tivemos qualquer problema.  

Passamos a noite do incidente em Paysandu, já no Uruguai, num hotel que já conhecíamos, que aceitou nossos pesos argentinos para pagamento da diária. Jantamos dois deliciosos “Entrecots” (algo parecido com o contrafilé, muito apreciado no Uruguai), um com molho de gorgonzola e o outro com fritas, e muita Patrícia para afogar a raiva dos guardinhas argentinos.
Mas, a essa altura, já começávamos da rir da história, da cara deles, que se imaginaram gastando o nosso suado dinheirinho, que damos um duro danado para ganhar (ah, ah, ah!); perderam um tempão preenchendo papéis, tirando fotos e fazendo encenações; suaram um bocado respondendo nossas indagações, já que não somos bobos e dominamos a língua; tudo para, ao final, terminarem como começaram, de mãos abanando, ou melhor, mais pobres, pois, já que fomos embora e não gastamos um puto na Província de Entre Rios, não lhes chegaria os lucros dos impostos; muito pelo contrário, já que gastamos o precioso tempo de três honrados servidores públicos, o asfalto da estrada, papel, tinta de impressora etc.  (ah, ah, ah!)  

Pela manhã, após o café, demos um pulo no Centro de Informações Turísticas, e saímos cheios de mapas e informações (nisso o Uruguai é nota 1000). Nem fizemos câmbio de dinheiro, resolvemos seguir direto para Tacuarembo, um balneário, para relaxar e um mistério para solucionar, pois, em nossa viagem do ano passado, nos faltou tempo para ir até lá e fazer a investigação.

Há poucos quilômetros de Paysandu, uma surpresa: um posto de pedágio. Pagar com o que? Não fizemos câmbio de dinheiro! Demos nossas últimas moedinhas de peso argentino à recepcionista do hotel! Duvidamos que aceitem dólar! Mas como temos que procurar hotel... contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio

PS – O Caro Amigo deve estar querendo saber o que fizemos com a multa? Na fronteira argentina, onde são checados os nossos documentos e os do carro, não tivemos nenhum problema, estamos com o papel da multa aqui, que, lógico, não pagamos, até porque só vence dia 14/01,  e  estamos aceitando sugestões do que fazer com ele (ah, ah, ah!). Já estamos até pensando em voltar à Argentina, na data do vencimento, para pagá-la, assim damos um passeio! Até que é uma boa idéia (ah, ah, ah!).



Tacuarembó, 06 de janeiro de 2012.

Caro Amigo,

Passamos pelo pedágio sem qualquer problema, pois, acredite o Caro Amigo ou não, eles aceitam, além da moeda do país, pesos argentinos, reais, dólares e euros. Tacuarembó é uma pequena cidade, que fica mais ao centro do país, já não muito longe de Rivera; partindo de Paysandu tomamos a estrada 26, depois a 5. Como quase tudo no Uruguai, exceto Punta del Leste e Montevidéu, tem cara de cidade do interior, com as pessoas sentadas na calçada, no final da tarde, tomando mate e conversando.

O Balneário Iporá é um dos maiores atrativos da região, com piscinas, lagos, camping, cabanas, restaurante e muita área verde para desfrutar. Conseguimos um chalé, que nem chegava aos pés do nosso de Casa Grande, mas ficamos. Era só por um dia, estaríamos junto às piscinas e não perderíamos muito tempo procurando outro lugar, afinal tínhamos coisas a investigar.

De filho ruim ninguém quer ser pai, mas de uma estrela, como foi e é Carlos  Gardel, todos querem reclamar o seu quinhão. Assim, já ouvimos versões de que ele é francês, de que é argentino e de que é uruguaio, se bobear até a Colômbia é capaz de reclamar a origem de filho tão ilustre. E foi isso que viemos investigar em
Tacuarembó, cidade onde ele teria, supostamente, nascido, sendo, portanto, uruguaio.


O Coronel Carlos Escayola, um safado demarca maior, um coronel bem aos moldes do que tivemos e temos no Brasil. Chefe de polícia, ele era a lei em Tacuarembó, em meados do século XVIII, temido e venerado, mandava e desmandava. Contam que era amante da Sra. Juana Sghirla, argentina, esposa do cônsul italiano, Juan B. Oliva. E, para ficar perto de sua amada, casou-se com suas três filhas. Com Clara (1868 a 1871), com quem teve duas filhas; com Blanca (1873 a 1886), com quem teve seis filhos; e, finalmente, com Maria Leila (1889 a 1905), com quem teve cinco filhos.

E dizem muito mais, que o Barba Azul, não satisfeito em formar um harém, com as quatro mulheres da mesma família, ainda tinha dezenas de amantes. Quando ainda casado com a Sra. Blanca, teve relações adúlteras com sua cunhada, Maria Leila, ainda menor de idade. Imagine o Caro Amigo a que orgias luxuriosas se dedicava o tal Coronel. Ocorre que Maria Leila engravidou, um verdadeiro escândalo, o que foi mantido oculto graças ao prestígio social e político do Coronel. Mas a ausência social de Blanca e Leila, que foram enviadas para Estância Santa Blanca (local onde hoje funciona o museu), e o falatório dos empregados, fazem chegar a notícia aos ouvidos da sociedade tacuaremboense, que se torna cúmplice do crime, por temor ou fidelidade.
Desse trágico episódio, nasce um menino, cuja data de nascimento também é algo bastante controvertida, que veio a se chamar Carlos Gardel e que, na ocasião, foi dado a uma empregada da Estância, de origem francesa, Berta Gardés, que, alguns anos depois, imigrou para a Argentina. Acontece que Berta também teve um filho, de pai desconhecido, chamado Carles Romuald Gardés. Duas fotos, do suposto mesmo menino,  foram avaliadas por peritos policiais, que comprovaram não serem do mesmo menino, embora haja alguma semelhança entre eles, portanto existiam dois meninos . 
Toda a história de sua vida é muito conturbada, inclusive porque ele se naturalizou argentino e a regularização de sua documentação de nascimento, foi feita em Buenos Aires, em 1920, perante o consulado uruguaio, em virtude de uma lei para regularização da situação dos cidadãos que viviam em outros países;  quando, então, ele se declarou nascido em Tacuarembó, filho de Carlos e Maria, ambos uruguaios e falecidos, no dia 11/12/87 (comentasse que foi alguns anos antes, quando seu pai ainda era casado com a segunda das irmãs, possivelmente cinco anos antes).  Estivemos no Museu Carlos Gardel, instalado na instância onde ele nasceu, vimos cópias de vários de seus documentos e transcrição de entrevistas publicadas, que dão prova de que ele realmente era e declarava-se uruguaio, já não temos mais dúvidas. Afinal, já que o filho famoso não é nosso, bem pode ser nosso vizinho (ah, ah, ah!).
Jantamos em um pequeno restaurante, com varanda. A cidade não tem muitas opções, então indagamos a alguns senhores que conversavam na rua; a indicação foi ótima, inclusive porque comemos uma coisa que só se encontra no Uruguai, a “morcilla dulce”, que é aquela espécie de lingüiça feita de sangue. Ela era comum no Brasil, quando éramos crianças, com o nome de chouriço, mas agora não se encontra com facilidade. A doce é feita com o sangue, passas e especiarias como cravo e canela. Uma delícia! O Caro Amigo já percebeu que não nos apertamos com comida (ah, ah, ah!).

Mas chegou a hora de cumprir uma outra missão, tão louvável quanto a de descobrir as origens de Carlos Gardel, mas um pouco mais trabalhosa, conversamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio



Rivera, 07 de janeiro de 2012.

Caro Amigo,

Os trâmites de imigração, para a saída do Uruguai, fizemos em um pequeno posto, depois que já havíamos entrado em Rivera, há que prestar atenção, pois como não existe aquela fronteira tradicional, com bloqueio de passagem, é bem fácil ir embora sem fazer a saída do país, já que se pode circular pelas duas cidades sem restrição. Inclusive, quem vem do Brasil não precisa fazer nenhum trâmite, mas nós vínhamos do Uruguai, então tínhamos que fazer os trâmites de saída.
Fazer compras é uma coisa deliciosa, principalmente quando os preços são convidativos, a oferta é abundante e a qualidade comprovada. Assim é Rivera. Os dois países são separados por uma rua, de um lado a cidade de Rivera, no Uruguai, do outro Santana do Livramento, no Brasil. Tudo maravilhoso, não fosse a alíquota de trezentos dólares e a restrição de doze garrafas de bebida alcoólica por pessoa. Nós já estávamos carregando o vinho que compramos na Bodega Don Diego e ainda tínhamos a intenção de comprar algumas garrafas de uns vinhos que gostamos; além de uns eletrônicos, utensílios domésticos, gêneros alimentícios, cremes de beleza etc, etc, etc. E a nossa nova missão residia em comprar tudo, tudo, tudo e passar pela fiscalização, que fica na BR-293, há poucos quilômetros da cidade, sem perder nada, nada, nada.
Mas primeiro às compras. Passamos a tarde toda bisbilhotando, entrando e saindo, comparando preço, namorando objetos, descobrindo novidades. Comprávamos e deixávamos para retirar a mercadoria no fim do dia, assim caminhávamos sem carregar peso. Delicioso! Ganhei (Sayo) até uma máquina fotográfica de presente de aniversário, daquelas do tipo “xereta” (os mais novos perguntem ao papai o que é), bem de acordo com a minha habilidade com eletrônicos, mas acho que o presente tinha uma segunda intenção, já que a máquina dele quebrou e só poderá ser arrumada em São Paulo. Vou fazer de conta que não desconfiei (ah, ah, ah!). Mas não consegui convencê-lo a me dar um segundo presente, pelo Dia dos Reis, como é hábito na Argentina e no Uruguai, se nem o tal guardinha arrancou o dinheiro dele, como eu, pobrezinha, conseguiria tal façanha, tentarei novamente no ano que vem (ah, ah, ah!).
Nosso jantar de despedida e, coincidentemente, o do meu aniversário, foi no lado uruguaio. Parrilla, claro! Provolone temperado derretido, morcilla dulce, pimentão assado, batata assada no papel alumínio e Entrecot. Tudo recado por um Tannat e uns molhinhos maravilhosos.
No dia seguinte, fizemos a maior ginástica para enfiar tudo que compramos (caixinhas de vinho, queijos, caviar, roupinhas, máquina fotográfica, alfajores, doces de leite, balas, panelas, tigelas, travessas, cremes, alcaparras, embutidos, eletrônicos e mais algumas coisas que já esquecemos) dentro do carro, mais foi tudo acondicionado em caixas de papelão, bem embaladinho, para resistir aos buracos da estrada e ao calor excessivo. Só faltava algum fiscal querer abrir tudo, ia ser serviço para meio dia de trabalho.

Então, resolvemos fazer um caminho alternativo, até porque ainda tínhamos coisas a conhecer, quem sabe teríamos a sorte de não encontrar nenhum curioso e... precisamos parar  conferir os mapas, parece que pegamos uma estrada errada.

Beijos,

Sayo e Claudio 



São Miguel das Missões/General Carneiro (BR), 09 de janeiro de 2011.

Caro Amigo,

Então seguimos pela BR-293, mas em direção a Quarai, pegamos uma estrada de terra que nos levaria até a  BR-290, na qual seguimos até Alegrete; depois a BR-241, até São Luis Gonzaga; e a BR-285, que nos levou praticamente a São Miguel das Missões, onde queríamos visitar as ruínas jesuíticas, declaradas Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, e assistir o espetáculo de luz e som. Não encontramos nenhum posto de fiscalização, portanto estávamos com o nosso estoque de vinho garantido para um bom tempo.
A cidade é minúscula. Paramos em um hotelzinho e notamos, do outro lado da rua, em um gramado, uma turma conversando, rindo e com suas cuias na mão; um senhor se levantou e veio nos atender, tinha  sorriso e gestos infantis, apesar da idade, coisa de gente simples, despreocupada. Tomamos um banho rápido, pois já passava da 19:00 horas, e seguimos em direção às ruínas.
Como já contamos, em nossa viagem de 2009, as reduções, missões eram povoados onde os jesuítas viviam com os guaranis, de forma pacífica, mantendo os costumes aborígenes e agregando conhecimentos e religião dos colonizadores E tudo ia bem até o Tratado de Madrid, quando os portugueses trocaram, com os espanhóis, essa região por Colônia del Sacramento, que hoje pertence ao Uruguai. Ocorre que os Guaranis não queriam deixar sua terra e sucederam-se guerras sangrentas; muitos morreram e outros foram para a região em que, hoje, está localizada a Província de Missões, na Argentina. Mesmo considerado o grande valor histórico e cultural, há que se admitir que as ruínas das missões argentinas, assim como seu espetáculo de luz e som, são bem mais interessantes.
Por sorte, trouxemos uma geladeira que pode ser ligada no carro e na energia elétrica. Assim, aproveitamos para comprar nata, uma coisa de sabor maravilhoso, leve como nuvem, entre a manteiga e os chantily, que combina impecavelmente com doces e salgado e que não é encontrada nos mercados em São Paulo; deve ser uma bomba calórica, mas preferimos ignorar. Já com o tempo no limite, seguimos pela BR-285, até Passo Fundo, onde pegamos a BR-153, deixamos o Rio Grande do Sul; atravessamos Santa Catarina, mas não sem dar uma paradinha, já quase na fronteira, para comer um milho cozido e comprar salame caseiro e umas aboboras japonesas, compramos uma na volta da viagem do ano passado, no mesmo lugar, e estava deliciosa.

Já no Paraná, cansados e famintos, paramos em General Carneiro. Rodamos pela cidade, não encontramos nada, voltamos para estrada e, há alguns metros, um hotelzinho, local de parada de viajantes, do outro lado da pista um posto de gasolina, lotado de caminhões, que já paravam para dormir. Na vizinhança dois modestos restaurantes, uma Casa do Produtor e algum outro pequeno comércio. Ficamos.
Compramos vinagre de vinho caseiro e steinhaeger fabricado na região, uma bebida de origem alemã, ótima para fazer caipirinha, que, aqui aprendemos, é produzida com álcool redestilado, e filtrado em carvão, zimbro, semente de coentro, casca de limão, cominho e angélica, um arbusto. Jantamos no Restaurante do Sol, bem ao lado do nosso hotel, tomamos o vinho local, provamos a comida e o delicioso pavê da sobremesa e, mais que tudo, observamos as pessoas, que entravam e saiam, como estivemos fazendo em quase toda viagem. Fomos cedo para cama, afinal o dia seguinte seria muito longo.

Beijos,

Sayo e Claudio 



Santos, 10 de janeiro de 2012.

Caro Amigo,

E observando muita gente simples, com cara de feliz, que fomos encontrando pela viagem, lembramos do que nos contou uma amiga, professora. Em uma das escolas que ela dá aula, por ocasião do dia de Ação de Graças, resolveram fazer uma grande árvore, cada aluno receberia uma folhinha, escreveria seu agradecimento e colocaria na árvore. Assim foi feito, resultando nos agradecimentos de praxe: saúde, paz, amor, aquisição de uma casa etc. Todos agradecimentos dignos e louváveis. Porém alguém agradeceu pela chapinha que ganhou, ou comprou, pois a partir dela tornou-se, com o cabelo liso, uma pessoa maravilhosa e muito feliz. O caso foi motivo de muitos risos e chacotas.

Então viemos cismando com os nossos pensamentos. Pensando sobre os (pré)conceitos que levantamos  e nos aprisionam, enquanto, sentados em nossos confortáveis sofás, nos trancamos em nossas crises existenciais. Ao mesmo tempo em que outros simplesmente vivem e, realmente, desfrutam os verdadeiros prazeres da vida, sem prejulgamentos ou preocupações desnecessárias.

Inicialmente, o caso da chapinha nos pareceu ridículo, algo feito por criança; porém depois, analisando melhor, começamos a imaginar o que teríamos escrito, talvez algo transcendental, que demonstrasse nosso grau de cultura e informação. Informação que é, hoje, a bola da vez, a grande moeda do mundo, o novo fator de distinção entre as pessoas. Talvez escrevêssemos algo que deixasse claríssimo que somos daquele tipo de pessoa que conhece tal vinho, tal escritor, tal cineasta, tais pessoas, que estão e têm; daquele tipo de pessoa que se senta em frente à TV, via satélite, claro, e escolhe um programa cultural, que lhe dê subsídios para, em alguma futura reunião social, sair com alguma brilhante frase de efeito.

Enquanto isso, no mesmo mundo, vasto mundo, observamos que milhões de outras pessoas, tão normais quanto nós, não têm TV por satélite, assistem Silvio Santos ou Faustão; não comem macarrão grano duro ao dente; compram em qualquer loja; não estão nem aí para o lirismo comedido e vivem felizes ou infelizes para sempre, até encontrarem uma chapinha, assim como nós. Ousamos até arriscar que, talvez, bem mais felizes que nós, por desconhecerem certos conceitos e padrões, tão inúteis, que acabam por nos tronar reféns do que, na verdade, não queremos ser.

Na mesma viagem também tivemos o imenso prazer de fazer novos e conhecer muitas outras pessoas admiráveis, ou não, como já lhe contamos, que cruzaram o nosso caminho e contribuíram para tornar nossas vidas ainda mais felizes.

Compre sua chapinha, invista no seu sonho, você pode se tornar uma pessoa muito feliz! E, mais uma vez, obrigado por escolher nossa empresa para sua viagem (ah, ah,ah!).

Hasta la vista!

Sayo e Cláudio









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