sexta-feira, 18 de abril de 2014

EXPEDIÇÃO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO - Brasil, Argentina, Chile e Paraguai 2009/2010


Santos, 07 de dezembro 2009.
                                                                                    
Caro Amigo,

Ouvimos dizer que, no Deserto do Atacama, norte do Chile, o trenó do Papai Noel é puxado por camelos.

Assim, em nossa constante ânsia pela VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluímos que meticulosa investigação, “in locu”, deve ser iniciada imediatamente, a fim de que não reste comprometido o futuro da humanidade. Portanto, e também com o legítimo intuito de cumprirmos nossa honrosa, longa e árdua META (100.000.000.000 Km viajando, decidimos acrescentar alguns zeros porque estava muito fácil, ah, ah, ah), resolvemos colocar, novamente, nossos pés na estrada.

Aproveitaremos a oportunidade para dar um mergulho nas Cataratas do Iguaçu, comer um maravilhoso Bife de Chorizo e, como não podia deixar de ser, fazer umas comprinhas no Paraguai. Afinal, ninguém é de ferro !

Dessa vez vamos de carro, ou melhor, com o nosso carro.

Vem com a gente!

Sayo e Claudio


Santos, 13 de dezembro de 2009.
Caro Amigo,

Para que você, que irá nos acompanhar em nossa árdua jornada até os confins da terra, não se perca da caravana, estamos mandando um mapa, com o roteiro da expedição.
----- Terrestre Santos (Brasil -Atlântico)– Iquique (Chile - Pacífico)
Compre seu bilhete, faça as malas (não esqueça o protetor solar e um casaquinho básico, dizem que faz frio no deserto à noite), pegue o passaporte, avise os familiares, desligue o gás, regue plantas, deixe o  gato com o vizinho e as crianças na casa da vó (a viagem será perigosa), prepare a pipoca, pegue uma Bohemia gelada (pode ser Brahma ou Antártica), escolha uma poltrona confortável, sente em frete ao aparelho de ar condicionado, ligue o computador  e  VEM COM A GENTE.
Aproveite para enviar alguma dica para tornar nossa viagem mais interessante. Talvez alguma cidadezinha, que já visitou e achou incrível; um restaurante, que viu em alguma revista de turismo; um lugar que você gostaria de conhecer, mas ainda não teve tempo, dinheiro ou coragem; ou mesmo o endereço de uma avozinha argentina, que faz uns alfajores maravilhosos, teremos imenso prazer em visitá-los e contar tudo, nos mais mínimos e prazerosos detalhes.

Beijos,

Sayo e Claudio 

PS – Encontramos uns malucos destemidos que resolveram nos acompanhar de corpo presente. Kresimir vem da Croácia e Silvia, do Uruguai, o encontro será dia 21/12/09, às 20:30 horas, no Aeroporto de Salta. Lembra deles? São casados e vivem na Croácia, já estivemos juntos em Zagreb, Bratislava e, no ano passado, vieram para o Brasil, fomos juntos à Amazônia. Parece que a parceria deu certo, o único problema é que o Kresimir gosta mais de tirar fotos que o Claudio e Silvia, para completar, não anda sem sua câmera. Pobre de mim, lá se vai metade de minha viagem!


San Ignácio, 17 de dezembro de 2009.

Caro Amigo,

Às 5:30 da manhã, já estávamos fora da cama, afinal 1.100Km não é pouca coisa. Mas eles foram transpostos como num piscar de olhos, estrada tranqüila, clima agradável, só paramos para as necessidades básicas e fundamentais à convivência pacífica entre pessoas, comemos no carro mesmo.  

Durante a viagem, entre as leituras de guias, mapas e roteiros obtidos da internet, demos muitas risadas com um livro que compramos poucos dias antes da viagem – “Guia Michelíndio, aonde não ir, o que não comprar, o que não comer, com quem não viajar e outras dicas para evitar roubadas turísticas”, de Helena Perim Costa, Editora Matrix -  não deixe de comprar, é um retrato muito verdadeiro e divertido (o recado é principalmente para você Luciana, que já está com a mala na porta).

Às 18:30, já estávamos em Foz do Iguaçu e, às 21:00, já hospedados, estávamos em frente a um gelado copo de cerveja e um Bife de Chorizo Brasileiro (imita de longe o dos ”hernamos”, Bife de Chorizo só na Argentina, não se engane, o resto é imitação grosseira) mas estava muito bom.

Resistimos bravamente à tentação de fazer uma visitinha ao Paraguai. Imagine como estará às vésperas do Natal... pior que Saara e 25 de Março juntos, uma verdadeira franquia do inferno: calor de 100 graus; poeira vermelha, gente gritando, se matando para pegar a melhor oferta e comprar tudo antes dos outros ou antes que o mundo acabe; carrinhos amassando seus pés e deixando sua perna roxa; vendedores de péssimo humor; filas mais longas que as Muralhas da China; milhões de trombadinhas. E nem entraremos no mérito das tentações consumistas, capazes de nos levar ao inferno sem escalas. Mas não pense que viramos santinhos e juramos não sucumbir às tentações da carne! Somente deixamos a visitinha ao Paraguai para janeiro, na volta, quando, talvez, esteja mais vazio e, quem sabe, até encontremos umas liquidações, assim poderemos comprar mais (ah, ah, ah!).

Resolvemos, então, visitar as Cataratas do Iguaçu, que estão no rio Paraná, na fronteira entre Brasil e Argentina. Deixamos o lado brasileiro para a volta e fomos ao “Parque Nacional del Iguazú”, em território argentino, declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, com seus 275 saltos e cachoeiras, que fica na Província (significa estado em português) de Missiones, uma estreita faixa de terra espremida entre o Paraguay e o Brasil.
É passeio para o dia todo. A estrutura do parque é bem legal, com mapas e pessoas para orientar, tem até trenzinho para parte dos percursos; muitas passarelas bem conservadas; bastante vegetação, que garante temperaturas mais amenas; muitos animais, cruzamos com lagartos, várias espécies de pássaros e uma família de quatis (os bebezinhos são umas gracinhas); as borboletas são um show à parte, não somente nas cores, como na forma, tem uma espécie, chamada 88, cujas asas têm um pequeno detalhe vermelho e formas geometrias negras, sobre o fundo branco, que formam o número 88.
Mas também tem muita escada e longas caminhadas, que a gente até esquece quando se depara com a grandeza das quedas d’água, que estão espalhadas ao longo do percurso, sendo a Garganta do Diabo a maior e mais impressionante, faz a gente esquecer o calor, o cansaço e que tem que andar tudo de volta para ir embora, espalha água para todo lado, um refrescante banho no calorão do verão.
 
 A dica é ir com roupas cômodas e frescas, a Havaiana vai muito bem; nada de fazer como certos turistas que parecem que vão desbravar terras inóspitas, pois os quatro circuitos principais (inferior, superior, passeio da Garganta e verde) não têm nada de radical; eles têm calçamento, passarelas e corrimãos. Levar um lanchinho e bebida, para picnicar, de quando em quando, enquanto descansa, é ótimo. Mas se o Caro Amigo pretende aventurar-se em um passeio mais radical, com alguma das empresas particulares que estão dentro do parque, então se vista de acordo.
 
Nas proximidades de Puerto Iguazu, na cidade de Wanda, também Argentina, visitamos uma mina de extração de pedras preciosas. Realmente uma coisa muito interessante, que nunca havíamos imaginado que era assim, em uma mesma mina, encontram-se vários tipos de pedra ametistas, topázios de várias cores, cristal de rocha, quartzo etc.; pois a origem das pedras são as mesmas, bolhas de ar, que, há milhares de anos, formaram-se no magma e que foram submetidas a temperaturas e pressões distintas, produzindo as diversas pedras. O Caro Amigo, mais incrédulo, pode ter ficando meio desconfiado da explicação, mas, se não for exatamente isso, é algo que vai por aí, afinal não estamos aqui para escrever um tratado de geologia, estamos de férias (ah, ah, ah!).  
Os mineiros vão cavando a rocha com ferramentas grandes, ou explodindo com dinamite, até encontrar um vestígio de óxido, que é verde, que indica que está se aproximando de um torrão de pedras preciosas. Então começa um trabalho artesanal, com mareta e talhadeira. Ao chegar ao torrão, introduz, em seu interior, que é geralmente oco, uma fibra ótica, que permite observar suas dimensões; então começam a entalhar em sua volta, a fim de soltá-lo sem danificá-lo, para que as pedras tenham maior valor quando forem cortadas e lapidadas. Os torrões têm vários tamanhos, podendo chegar a mais de mil quilos e, internamente, parecem bico de jaca.
 Escolhemos começar a viagem na Província de Missiones porque queríamos não só visitar as Cataratas, mas também conhecer as ruínas das missões jesuíticas, que são uma das principais atrações e foram declaradas  Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco,  em 1993.
Os jesuítas chegaram à região, no início de 1600, fugindo do Brasil, da região do Paranapamena, em virtude do ataque dos Bandeirantes, que queriam escravizar os guaranis. Aqui montaram as Reducciones, nome usado para missões, onde os índios guaranis, que eram muito sociáveis, viviam em plena harmonia com os jesuítas, que falavam a língua guarani, formando verdadeiras cidades, muito bem organizadas, com até 7.000 habitantes e dirigidas pelos índios, praticamente independentes da Coroa Espanhola. Os índios catequizados, educados, aprendiam ofícios, plantavam, além de conservarem seus principais hábitos tribais. Por acordos entre os jesuítas e o governo espanhol, os índios que viviam em missões na poderiam ser escravizados, era pago um imposto, à Coroa, por cada índio.
Contam que por ganância, medo que as missões tentassem sua independência e pela necessidade de mão-de-obra escrava, que não podia mais ser trazida da África, em 1768, os Jesuítas foram expulsos da América, foram trazidos os Franciscanos, que não falavam a língua  guarani e não estavam interados dos acordos, então os indígenas foram escravizados e as missões entraram em decadência.

Seguindo cerca de 270 km, paramos na cidade de San Ignácio para visitar a Reducción de San Ignácio Mini, a mais bem preservada da região.  A cidade é pequena, sem atrativos, mas as ruínas realmente justificam a parada. Além de realmente em muito bom estado, a de San Ignácio conta com tecnologia de ponta recém instalada, até o governador foi fazer uma visitinha noturna. 
E adivinhe quem foi convidada para acompanhar a visita... a CRKTour, mas  está na hora de encontrar hotel, contamos depois!

PS: Estamos enviando um arquivo contendo imagens das Cataratas do Iguaçu vistas do lado argentino.

Beijos,

Sayo e Claudio



Resistência, 19 de dezembro de 2009.

Caro Amigo,

Fizemos uma visita guiada à Missão de San Ignácio Mini à tarde, quando também nos interamos do horário do espetáculo de luz e som noturno. O custo da entrada é cerca de R$10,00, para integrantes do Mercosul, com direito a visita guiada, sendo que o mesmo ingresso pode ser usado por quinze dias, para visita nas demais missões ( Santa Ana, Nuestra Senhora de Loreto e Santa Maria).
Nosso guia manjava de tudo, pelo jeito tinha descendência guarani, pois nos explicou muito do vocabulário, mas tinha um espanhol carregado (ou meio misturado com sotaque guarani), que nos obrigou a redobrar a atenção às explicações, apesar de dominarmos a língua.

Entre a moderna tecnologia instalada em San Ignácio \Mini, existe, em frente aos principais pontos da missão, um painel com a foto do que seria o monumento na época de pleno funcionamento do local, e onde o turista pode, ainda, escolher em que língua quer ouvir a explicação (espanhol, português, inglês, francês e alemão). O que dispensaria até a necessidade de um guia, embora ela torne a interação mais pessoal.
O espetáculo noturno teria início às 20:00 horas, há que se comprar bilhetes especiais, chegamos cerca de quinze minutos antes, logo ao final da visita guiada, e qual não foi nossa surpresa quando o senhor, que vendia os bilhetes, informou-nos que a apresentação das 20:00 horas estava suspensa, pois haveria uma apresentação especial para o Governador e políticos, a outra, para os reles mortais, ocorreria após às 21:00 horas, em horário que ele ainda não sabia precisar. Choramos copiosamente, porque atravessamos o mundo para assistir ao espetáculo; porque nossa mãe não dorme enquanto não chegarmos; porque já havíamos estado lá duas vezes para indagar sobre o horário e nada nos havia sido dito; porque era uma falta de respeito com o turista. Em resumo, tanto ranhetamos que o pobre homem se comoveu e foi falar com o responsável, que nos convidou a assistir juntamente com a comitiva do Governador, e sem custo algum. Quem não chora não mama (ah, ah, ah!).

Basicamente (não vamos nos atrever como na explicação das pedras preciosas), são projeções feitas em uma cortina de água pulverizada, que dão efeito tridimensional. O espetáculo começa com um índio que vai contando como tudo aconteceu, os espectadores vão caminhando pelas ruínas escuras, seguindo grupos de índios, animais, espanhóis, jesuítas que vão mostrando a história. Os amigos franceses que nos perdoem, mas é coisa para colocar espetáculo de luz e som do Palácio de Versalles no chinelo (e não é havaiana). Se o Caro Amigo quiser saber mais, basta ir ao espetáculo natalino das Águas Dançantes, no Ibirapuera, em São Paulo, pois usado o mesmo tipo de projeção, já assistimos (nós também não somos nada fracos).

Uma das alavancas da economia da região é a erva mate. É aquela que se toma em uma cuia, chupando através da bomba (parece um canudinho); que, por aqui, é tomada quente, fria, com suco de frutas, acreditamos que esteja presente até nas mamadeiras. Por todo lado as pessoas carregam enormes garrafas térmicas e andam com sua cuia na mão. São um verdadeiro trambolho, mas estão tão incorporados à cultura local que aqui parece a coisa mais natural do mundo, como usar relógio.
Com o intuito de difundir sua cultura, foi criada a Rota do Mate, que se estende entre as Províncias de Missiones e Corrientes. São restaurantes, lojas, fazendas, museus que difundem a cultura da erva mate, através da visita a plantações e fábricas, demonstração de preparo, além de venda produtos ligados a ela.

Resolvemos fazer um aparte no roteiro já programado e ir até Apostoles, para visitar o Museu Histórico Juan Szychowski, e aprender um pouquinho mais sobre esse costume local. Fomos muito bem recebidos, até abriram o museu meia hora mais cedo para receber-nos (por aqui há “siesta”, então nem pense em morrer entre 12:00 e 16:00 horas, está tudo fechado, até o cemitério). De cara, entregaram-nos, como não poderia deixar de ser, uma cuia e uma garrafa térmica, por sorte pedimos de sabor laranja e doce, o que não é hábito local, porque o negócio é meio amargo.
O museu está situado dentro de uma fábrica de erva mate, o da marca Wanda, uma empresa familiar; então, além de contar sobre a própria erva mate, conta sobre a família a qual ele pertence, que é de origem polonesa. E dissemos contar porque ele é alto explicativo, à medida que se caminha uma gravação vai explicando tudo. Assistimos a um pequeno filme, vimos o funcionamento de várias máquinas

E, para fechar com chave de outro, terminamos a visita na lojinha, onde ganhamos vários presentes, mate para a cuia (agora precisamos comprar uma) e mate em saquinhos, nos vários sabores que produzem. Compramos mais alguns chazinhos (quem sabe o Caro Amigo passa lá em casa para prová-los) e agradecemos tanta gentileza presenteando os anfitriões com um energético brasileiro, à base de guaraná e açaí, pois um amigo chileno, Christian, que vive no Brasil, já nos havia dado a dica que eles adoram. Para falar a verdade, apesar de uma certa implicância injustificada dos brasileiros, os argentinos nos tratam muito bem, são muito simpáticos, adoram o Brasil e nossos produtos, principalmente novelas.

Dormimos em Posadas, capital da província, uma simpática cidade à beira do Paraná, com uma agradável avenida costaneira, cheia de restaurantes, e, no dia seguinte, seguimos em direção à Resistência, já na Província de Chaco.

Encontrar hotel foi um parto... mas contamos depois, estou morrendo de fome, na noite passada, inacreditavelmente, meu Bife de Chorizo não saiu à contento.

Beijos,

Sayo e Claudio


Salta, 21 de dezembro de 2009.

Caro Amigo,
Saindo de Posadas, rumo a Resistência, atravessamos a província de Corrientes, cuja capital, de mesmo nome, é separada de Resistência por pouco mais que uma grande ponte, de uma poderíamos visitar a outra.
Chegamos na hora da “siesta”, já tínhamos um mapa da cidade, que indicava hotéis, não eram muitos, mas provavelmente não teríamos problemas. Ledo engano!

Parte dos hotéis estava em péssimo estado, não correspondendo às estrelas que diziam ter; parte, era minúscula, teríamos que usar dois quartos, um para nós, outro para bagagem; parte estava lotada; parte era cara demais. 

Quando já íamos desistir, e voltar para o Brasil (é brincadeirinha). resolvemos tentar o último hotel de nossa lista; encontramos um edifício estreito, apertadinho entre uma casa e uma pequena gráfica, a quatro quadras do calçadão, não pusemos muita fé. Entre os dois últimos quartos vagos, encontramos uma enorme suíte, que, além o banheiro novinho, tinha uma grande banheira em formato triangular, com hidromassagem, num dos cantos do quarto. Deus protege os bêbados, os loucos e as criancinhas, mas não se esquece dos turistas (ah, ah, ah!).

Depois de um banho, demos uma voltinha pelo comércio e fomos procurar um restaurante. O Don Abel é um dos melhores da cidade, com certeza dormiríamos muito felizes e com a barriguinha bem cheinha. Outro engano! Pedi (Sayo) um Bife de Chorizo com molho Roquefort, nada de diferente; mal passado, também usual no país. Chegam os pratos e o garçom me entrega Bife de Chorizo ao Alho, não que não goste, mas amo queijo; ele rapidamente se propõe a fazer a correção, aguardo. Chega o outro bife. Com a água pingando da boca, corto um enorme pedaço... tive um chilique, o bife estava duro, seco, esturricado, super bem passado. Chamei o garçom, protestei, devolvi o prato e preferi não comer mais nada (contou-nos um amigo, que quando o cliente reclama o cozinheiro, para vingar-se, cospe na comida). Melhor não arriscar!

A região, que percorremos até agora, é toda cortada por rio, inclusive o Rio Paraná, que, aliás, batiza a vegetação predominante, Selva Paranaense. Um dos passeios mais comentados é a Ilha Del Cerrito, localizada no Rio Paraná. Infelizmente, em virtude de inundações, não pudemos conhecê-la. Talvez na volta.

Chamou-nos a atenção que a mandioca faz parte da cultura regional, pensávamos que ela só fosse conhecida no Brasil. Existe um pãozinho, chamado Chipa, que é muito similar ao pão de queijo, também feito com polvilho da mandioca, geralmente tem formato mais compridinho e não leva queijo, mas tem aquela casquinha crocante e o interior meio chicletoso, uma delícia.

A cidade de Corrientes é mais simpática que a de Resistência, tem uma bonita avenida costaneira, com ótimos restaurantes. Porém sábado os museus não abrem.

Seguimos para Salta. Apesar da estrada estar em ótimas condições, passar em meio a vegetação exuberante e o valor do pedágio ser quase insignificante, a viagem foi terrível. São quase 600Km, de uma estrada toda povoada por pássaros, que comem os grãos que, provavelmente, caem dos caminhões que transportam colheitas; além de bandos que sobrevoam a estrada,  em vôo rasante, e atropelam os veículos. Ainda existem cabras, vacas, carneiros e cavalos que pastam à beira da estrada e, sem qualquer cerimônia, entram na pista. Assim, são 600Km buzinando, freando abruptamente  e sobressaltando-se.

Mas sobrevivemos a tudo e chegamos a La Linda. E começou a etapa da caça ao hotel. Em nossa modesta opinião, um hotel, além de bom e barato, tem que ser simpático, guardar algo que o conecte com o clima da cidade, algo que faça com que você sinta-se em casa, por isso não costumamos fazer reservas antecipadas. Por vezes, atrás de uma suntuosa recepção, existe um quarto minúsculo e sem qualquer atrativo. Na foto da internet tudo é lindo, pessoalmente a coisa, por vezes, muda de figura. Se não encontrarmos um que atenda todas as nossas expectativas, um barato e limpo já é de bom tamanho.
O Caro Amigo já deve estar cheio de dúvidas: Quem é La Linda e por quê? Que tipo de hotel teria o clima da cidade? Mas qual é o clima da cidade? Encontraram o hotel certo?... Calma, tudo a seu tempo, já é hora do café, contamos depois.

Beijos,

Sayo e Claudio

PS – Para quem não entendeu nada daquela tal de erva mate tomada na cuia, esquecemos de contar que é o Chimarrão, muito tomado no sul do Brasil, que quando gelado tem o nome de Tererê, que é tomado no Mato Grosso.


Salta (La Linda), 23 de dezembro de 2009.

Caro Amigo,

Salta é conhecida como La Linda, um justíssimo apelido. Tem preservado seu estilo original, o colonial espanhol, que para nós, brasileiros, é o estilo que vemos nos filmes mexicanos. Construções amplas, assobradadas, pintadas, com pátios internos, poços, trepadeiras, varandas. Uso de madeira pesada e escura, telhas coloniais arredondadas, piso e azulejos rústicos, em geral, sem vitrificação.
A Praça 9 de Julho, quadrada, é o coração da cidade, dizem que ela tem cerca de oitenta tipos de árvores da região (é bem possível, não contamos), é toda contornada por laranjeiras. No seu coreto, de ferro com piso de madeira, aos domingos, jovens e velhos dançam tango, para deleite dos turistas.

Em volta da praça, bem a estilo espanhol, os principais edifícios da cidade. O Cabildo (prefeitura) está precisando de uma reforma.
A Catedral é o sonho de toda noiva, duas torres, pintada de rosa claro e com os abundantes ornamentos externos em cor de manteiga, já parece um bolo; internamente em mármore, em tons entre o róseo e o terracota, com as magníficas imagens de Nosso Senhor e Virgem dos Milagres, além das imagens existentes nos altares laterais.  
Ainda na praça, estão inúmeras lojas, edifícios comerciais, restaurantes e cafeterias, com mesas na calçada; em estilo colonial, os edifícios têm, em sua construção, a formação de passarelas, com o teto abobadado, que permitem a circulação dos pedestres livres das intempéries climáticas.
Nosso hotel? Foi trazido diretamente de alguma cidadezinha mexicana, um encanto, novinho, pessoal simpático, sala de leitura, pequenos pátios com guarda-sóis, varandas de madeira, quartos confortáveis e um precinho ótimo. Na verdade a cidade tem uma imensa variedade de hotéis, para atender todos os gostos e bolsos, visitamos muitos deles até escolher o nosso.

Não faltam bons restaurantes, também explorando a arquitetura colonial espanhola, decoração rústica e colorida, e comida regional, que é composta de guisados, muito milho, carne de porco e cabrito, mas também não faltam as Parrillas (churrascos). Por exemplo, a Humita é como nossas pamonhas, um pouco mais temperada e com um pouco de abobora; já o Tamal, também parecido com a pamonha leva também carne. A Empanada Saltenha é algo sensacional, é um pastelzinho assado, em forma de meia lua, com as bordas redondas e enroladas o que o torna tão maravilhoso é que sua massa é fininha (cerca de 1 milímetro) e crocante, com um leve queimadinho e o recheio abundante e úmido.  Muitos restaurantes apresentam as Peñas Folclóricas, espetáculos de música e danças, com guitarras e trajes típicos, parecidos com os dos gaúchos brasileiros, calças bombacha e saias rodadas, assistimos um.

O comércio da cidade é excelente: roupas, sapatos e bolsas de couro, utensílios de casa.  Não esquecendo o artesanato, que explora a lã de llama, o couro e o barro. No Mercando Municipal é possível comprar, ainda, queijos artesanais, como os de cabra, doces e frutas.

Porém, apesar de tudo isso, do teleférico, das outras igrejas e museus, que torna a cidade um verdadeiro espetáculo a céu aberto, o melhor da cidade é que... está na hora de dar uma paradinha para um picnic, contamos depois.
Beijos,

Sayo e Claudio   


Tilcara, 24 de dezembro de 2009.

Caro amigo,

Kresimir veio da Croácia e encontrou-se com sua mulher, Silvia, que vinha do Uruguai, em Buenos Aires, onde tomaram o avião até Salta. Chegaram ao aeroporto no horário combinado, às 20:30 horas, porém, infelizmente, ele chegou sem sua mala. O Caro Amigo deve ter cuidado quando passe pelo aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, nunca ponha nenhum tipo de eletrônico, ou qualquer coisa de algum valor, como perfumes, tênis ou jóias, na mala que vai despachar, traga sempre na mala de mão, para não correr o risco de ficar sem eles.

Mas voltando a Salta, apesar de tudo de bom que a cidade tem, o melhor é que está localizada em posição estratégica, ponto de partida para os incríveis passeios da região noroeste da Argentina, entre os melhores do país. Seu Centro de Informações Turísticas é ótimo, com gente cortês, informações precisas, muitos mapas e dicas; dá para visitar tudo sem precisar pagar excursão, saindo e voltando para Salta.
Nossa primeira aventura foi em parte dos Valles Calchaquíes, 156 km, pela RN-33, até a pequena cidade de Calchi, pouco mais que uma praça central, tudo imaculadamente branco, mantendo ar mexicano; onde, apesar do clima seco, a praça é um Oasis de frescor e beleza.
Para chegar até lá, percorremos a Encosta do Bispo, 20Km de barrancos, precipícios e curvas, que atingem 3.300m de altitude, onde a vegetação encontra as nuvens.
Passamos, ainda, pela Reta Tin-Tin, há 3.000 de altitude, uma reta de 19km, de traçado perfeito, feita no período dos Incas; e, ainda, pelo Parque Nacional los Cardones, uma espécie de cacto gigante.
Segunda aventura, Valles Calchaquíes, 180km, pela RN-68, passando pelo Dique Cabra Corral, um grande lago de água represada, onde se praticam esportes náuticos, circundado por montanhas.
Passamos, ainda, pela ‘magnífica Quebrada das Conchas, 83km onde a erosão eólica e hídrica gerou esculturas em montanhas de cor terracota, que receberam nomes de acordo com suas formas, entre elas a Garganta do Diabo, o Frei, o Anfiteatro, o Sapo,  os Castelos, as Janelas, a Casa dos Loros (eles moram lá de verdade) e outros. Tudo lindo, inclusive os amistosos burricos que passeiam pelo local.

Uma das coisas que nos trouxe a Salta foi conhecer o Trem das Nuvens, famosíssimo, um trem turístico, que tem saída aos sábados, que percorre 219 km, até o Viaduto La Polvorilla, atravessando 29 pontes, 12 viadutos, 21 túneis, duas curvas de 360° e duas subidas em ziguezague, passando por San Antonio de los Cobres, uma cidade de mineiros; chegando a 4.400 metros (já sabem o motivo do nome).
 
Infelizmente, não sabíamos, ele não funciona de dezembro a março, em virtude do degelo e de chuvas. Uma lástima, perder um dos melhores passeios. 
Mas, no Centro de Informações Turísticas, nos deram uma opção que poderia amenizar, em parte, a dor de tal perda, que se transformaria na nossa terceira e verdadeira aventura...  mas isso fica para uma próxima vez, temos que nos arrumar para a ceia de Natal, que por pouco não perdemos.
Beijos,

Sayo e Claudio       



Quebrada de Humauaca, 26 de dezembro de 2009.

Caro Amigo,

Por sugestão do pessoal do Centro de Informações Turísticas de Salta, resolvemos fazer o trajeto do Trem das Nuvens de carro, pela RN-51, que, em grande parte do percurso, segue ao lado da ferrovia; seguindo para as Salinas Grandes, pela RN-40; depois para a cidade de Purmamarca, RN-52, já na Província de Jujuy; finalizando na cidade de Tilcara, RN-9, onde passaríamos a noite de Natal. Circuito de cerca 300km, percurso que poderia ser feito, turisticamente (que quer dizer parando para apreciar o visual e tirar fotos), em 6 horas, conforme o Centro de Informações Turísticas. Saímos de Salta às 08:00 horas.

Pela RN-51, passamos pela localidade de Campo Quijano, conhecida como o Portal dos Andes, e entramos na Quebrada Del Toro, visitamos o sitio arqueológico pré-incaico de Santa Rosa de Tastil. E tudo era pedra e cacto, cacto e pedra, tudo seco (não havia uma sobrinha para um picnic), paisagem interessante, parecia que alguém, engenhosamente, foi empilhando pedra sobre pedra, formando montanhas.

Chegamos a San Antonio de los Cobres, cidade realmente feia, com ar de cidade fantasma, e o que era pedra virou pó, o que era cacto virou pó; resumindo, a cidade é um pó só. E para completar a altitude, mais de 4.000m, que já nos causava um pouco de mal estar e cansaço. 
O viaduto La Polvorilla, pnto máximo do trajeto, é uma monumental obra de engenharia, viaduto em curva, com 224m de comprimento e 64m de altura. A seus pés fizemos nosso picnic e seguimos, às 14:00, já havíamos gasto todo o tempo previsto para o percurso completo. Acho que os nossos fotógrafos (da CRKTour) são melhores que os outros, ou tiram mais fotos.
A RN-40 é o que chamam aqui de caminho consolidado, ou seja, não é asfalto, mas sim um caminho de terra e pequenos pedregunhos, que já se solidificou e permite transitar com facilidade, em resumo, melhor que muita rodovia do Brasil. Planícies de terra árida, sem fim, vegetação seca, algumas llamas, burricos e alpacas, algumas casas de barro, como que abandonadas, era o que víamos, nenhuma viva alma (morta não sabemos), ou placa em uma das várias bifurcações. Assim que acreditávamos estar no caminho certo, porém não tínhamos certeza.     
Só não contávamos, quando já nos imaginávamos perto das Grandes Salinas, é que a estrada estivesse transformada em uma lagoa, um rio de cerca de 50m de comprimento. E, então, nossa primeira visão de uma alma viva foi uma caminhonete, atolada no meio do rio da estrada, e um veículo parado do outro lado da estrada, depois da lagoa.
E a pergunta que não queria calar: Se eles não conseguiram passar, nós passaríamos? Claro que não!! Foi um choque, já passavam das 16:00 horas, não estávamos nem perto de nosso destino final e de um banho quente. Resolvemos voltar, melhor passar o Natal em uma estrada seca, que em uma lagoa. Talvez tentássemos algumas das bifurcações que iam não se sabe para onde, já que placas não existiam.

Há cerca de dois quilometros, cruzamos com um caminhão com dois homens na carroceria. Pensamos: provavelmente para resgatar a caminhonete. Já refeitos do choque e sem coragem de encarar o longo caminho de volta a Salta, resolvemos voltar à estrada-lagoa, seguindo o caminhão.

Ele realmente foi resgatar a caminhonete e, quando entrou no alagado, tivemos certeza que não passaríamos, pois em certos trechos era realmente muito profundo. Tivemos, então, a idéia de observar como estava o terreno fora da estrada, se não estivesse completamente alagado, poderíamos passar. Partiram duas expedições de reconhecimento, e escolhemos o lado direito, que estava meio fofo, úmido, tinha pedras e vegetação, mas não estava alagado. Kresimir foi à frente, Claudio dirigindo, Silvia e eu, rezando, caminhávamos atrás. Passamos! Outros veículos, de menor porte, não tiveram a mesma sorte e voltaram.
  
Visitamos as Salinas Grandes, brancas e salgadas.
 
Às 17:30, já estávamos hospedados em Tilcara, nunca foi tão fácil, escolhemos o primeiro hotel que apareceu que, por sorte era bem bonitinho. Construção de adobe (tijolo de barro cru, muito usado na região), chão de cimento queimado; um simpático pátio interno, para onde estavam voltadas as verdes janelas e portas dos quartos, decorado com vasos de barro, cactos, tecidos coloridos, pedras; teto de bambu, sustentado por colunas de madeira.

A população da região norte tem cabelo e pele escura, com feições indígenas, e vestimenta peculiar, com ponchos, chales e casacos de lã de llama e alpaca;  feições e modos pacatos. Além das casa de adobe, é muito característico o uso do cacto seco, que se transforma em verdadeira madeira, com alguns furinhos, para fazer móveis e artesanato em geral. 
A Quebrada de Humauaca, declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, antigo percurso inca, estende-se desde San Salvador de Jujuy, capital da província de mesmo nome, até quase a fronteira da Bolívia, por 155km, com grandes variações de altitude; que, hoje, podem ser facilmente percorridos pela RN-9. É constituída de cerros áridos, cujas encostas são nuas de vegetação, não fossem alguns cardones (cactos gigantes) e pequenas moitas quase secas, que contrastam com a verdejante vegetação existem a seus pés.
Encarregam-se do show da Quebrada de Humauaca as cores e formas, produzidas pela erosão, em suas encostas nuas. Por vezes se pode jurar ter visto um castelo, outras, um conjunto de ocas, ovelhas, paredões, pessoas, como se alguém, por anos, tivesse, pacienciosamente, esculpido tais maravilhas. Já as cores, vão além das do arco íris (juramos que sim), terracota, ocre, marrom, bege, mostarda, amarelo, verde, cinza, vinho, rosa, lilás; tudo depende do sol e da beleza que está nos olhos de quem vê. Posição de destaque ocupa o Cerro das Sete Cores e a Paleta do Pintor.
A Quebrada é ocupada por pequenos vilarejos, que tiveram origem no período pré-incaico e conservam suas ruas de terra, pequenas casas de adobe em tom róseo, onde o tempo parece não ter passado, não fossem as mega-ultra sofisticadas máquinas fotográficas dos milhares de turistas.

Tilcara é uma cidade em tom róseo acinzentado, ruas sem calçamento, uma pracinha, onde se encontra a igreja e inúmeras bancas de artesãos, com casacos, tapetes, mantas, peças de barro, bijuteria de prata. É Patrimônio da Humanidade em virtude de suas escavações arqueológicas, como destaque La Pucara, a fortaleza utilizada pelos indígenas para se protegerem de invasões.
Purmamarca tem as mesmas características da anterior, porém um pouco mais rosa e mais organizadinha, bem bonitinha.
Humauaca também parecida com as anteriores, mas tem suas ruas de pedra e terra. Um lindo monumento aos Heróis da Independência, com escadaria e muros em pedra, cactos e uma linda escultura homenageando os que lutaram. Na praça, a Igreja da Candelaria é primorosa e de um nicho, abaixo do grande relógio, da torre do Cabildo, às 12:00 horas, a imagem de São Francisco sai e abençoa a todos.
San Salvador de Jujuy pareceu-nos sem muitos atrativos, pracinha e Catedral, que se encontrava fechada. Dizem que a Igreja de São Francisco é maravilhosa, porém também estava fechada.
E se o Caro Amigo pensa que as perigosas aventuras se resumiram àquela pocinha de água, ledo engano, o pior está por vir, melhor que o Caro Amigo reconsidere se pretende continuar a nos acompanhar... hora de passar na Aduana Chilena, contamos depois. 

Beijos,

Sayo e Claudio

  

Paso do Jama, 27 de dezembro de 2009.
Caro Amigo,

Saímos de Tilcara às 08:30, destino: Deserto do Atacama, Chile. Saímos cedo porque a própria estrada, cerca de 400km, constituiria  um espetáculo à parte, salares com lagoas azuis, cerros, picos nevados, formações rochosas com diversas, lhamas, alpacas, vicunhas, flamingos, uma verdadeira maravilha.
E assim foi, até que saímos da Argentina e avistamos nosso primeiro salar chileno, ao lado de uma lagoa azul, e resolvemos conferir de perto, saímos da estrada, pois vimos que veículos já haviam transitado pelo local. Nosso grande erro! Cerca de 200m depois, Claudio exclamou: o terreno está fofo demais! Eu respondi: Volta já! Tardíssimo demais!!!

O carro deu a volta e atolou na areia fofa. Não se esqueça, Caro Amigo, que estávamos a uma altitude de 4.000 metros, onde o ar falta, dez passinhos é como caminhar um quilometro;  levantar uma pedrinha é como carregar cinco quilos; qualquer pequenino esforço é uma grande empreitada. Não é só chilique de jogador de futebol, não.

Para carro atolado só existem três soluções. A primeira é sentar e chorar, não é de nosso estilo. 0ptamos pela segunda, cavar a roda e empurrar. Cavamos (por sorte havíamos comprado umas tigelas, nos serviram de pá), cavamos e cavamos, encontramos bandas de pneu de caminhão com a qual calçamos a rodas. E, Antes de empurramos, recomendei a Claudio que, se o carro desatolasse, seguisse, pois iramos a pé. O carro saiu e, pouco a frente, Claudio, o desobediente, parou para comemorar tirar foto, lavar a mão e para que entrássemos.

Poucos metros depois, adivinhe... o carro atolou novamente. Começamos a cavar e cavar, empurrar e empurrar, as rodas do carro patinavam na areia. Fomos buscar as bandas de pneu de caminhão. Cavamos, cavamos, colocamos as bandas em baixo dos pneus traseiros, empurramos e empurramos. A caminhonete movia-se milímetros, os pneus patinavam e novamente cavar e empurrar. Já trabalhávamos há mais de uma hora, e todos sentiam-se mal. Em determinado momento, Silvia desmaiou (cremos que nunca mais viajará pela CRKTour) conseguimos reanimá-la com água no rosto, Pepsi e água com açúcar. Então, uma mão a menos para o trabalho. Continuamos os três, sem muito progresso.
 Passadas quase duas horas, resolvemos tentar a terceira solução, pedir ajuda a algum cristão caridoso que passasse pela estrada. Silvia, já refeita (na medida do possível), caminhou até a pista, tão logo fez um sinal, parou um veículo argentino, muito antigo, com cinco rapazes, que imediatamente lhe deram água, folhas de coca para mascar (melhora os efeitos da altitude) e já desciam para empurrar, quando um veículo chileno novinho, um Mitsubishi/Pajero, de uma família, que se dirigia ao Brasil para surfar por um mês, prontamente parou e dirigiu-se ao nosso encontro. Em minutos, já estavam esvaziando um pouco nossos pneus, deitando no chão para engatar um cabo de aço em nossa caminhonete e, em um piscar de olhos, estávamos fora do atoleiro. E, em mais prontamente ainda, tiraram um equipamento de seu veículo e encheram nossos pneus novamente. Um grande VIVA à gentileza dos chilenos e aos novos amigos, Christian e Claudia. Despedimo-nos, marcando um novo encontro, agora no Brasil, para meados de janeiro.
Por incrível que pareça, a aduana chilena está localizada já em San Pedro de Atacama, há 167 km da fronteira da Argentina, e é um verdadeiro calvário.  Um calor infernal, longas filas, descer todas as malas, revista milimétrica no carro. Também sobrevivemos.

San Pedro de Atacama é uma cidade insólita, surrealista ... mas temos que parar para tirar mais alguma centenas de fotos (acho que vai demorar), contamos depois.

Beijos

Sayo e Claudio

PS – Esqueci de contar que, enquanto sofríamos para tirar o carro do atoleiro, Claudio (o proprietário da tal CRKTout, empresa de viagens de procedência muito duvidosa), ainda achava tempo para divertir-se fotografando tudo. Afinal, na hora de empurrar ele estava confortavelmente sentado no banco do motorista. Acho que nem eu viajo mais por ela (ah, ah, ah!)


San Pedro de Atacama, 30 de dezembro de 2009.

Caro Amigo,
Realmente a cidade é insólita, surrealista. Se de um lado é um dos destinos turísticos mais procurados do Chile, talvez até figure entre os mais procurados do mundo, por seu deserto, mais alto e seco do mundo, a 2.440m acima do mar; lugar inóspito, onde praticamente nunca chove. Redemoinhos de areia formados pelo vento povoam o horizonte. Nossos olhos, pele e boca estão sempre secos; nariz ardendo, ás vezes sangra,  pés cheios de areia. 
Apesar do constante fluxo de turistas de todas as partes do mundo, a cidade que é um pequeno oásis no meio do deserto e aos pés da Cordilheira de La Sal, parece parada no tempo, possui pouco mais de meia dúzia de ruas de terra, pois, onde havia algum calçamento, a terra, trazida pelo vento, tratou de retomar seu lugar; construções térreas de adobe e barro, em tom marrom acinzentado, sem qualquer acabamento; uma pracinha, com sua igreja; dias quentíssimos e noites geladas; hotéis muito simples, com pouco mais que a cama, um banho quente (que depende do horário) e um ventilador; restaurantes, com suas mesas rústicas, servem o jantar em meio a fogueiras, em seus pátios internos, para aquecer o ambiente; cães vagando pela cidade, ou dormindo na entrada de algum armazém. Aparentemente há uma precariedade de conforto, que lembra uma pequena cidade do nordeste do Brasil, a intenção parece ser essa. 
Pela rua se vê de um tudo: Indianas Jones, bichos grilo, hyppies, ex-hyppies, famílias com avós e crianças, músicos frustrados, grupos de formandos, ingleses austeros, australianos loucos, americanos estranhos, japoneses ainda mais estranhos, aventureiros verdadeiros, falsos aventureiros, turistas verdadeiros, gente com pose do que pensa ser turista, gente disfarçada de turista, croatas, uruguaios, brasileiros, brasileiros e brasileiros, realmente a grande maioria é de brasileiros, que se encaixam em todas as outras categorias. Parece que, a exemplo do que ocorreu em Buenos Aires, hoje conhecida como Brasil Aires, San Pedro de Atacama passará a ser São Paulo de Atacama.

Mas o que toda essa gente vem fazer em um lugar tão estranho, uma cidade que não é particularmente atraente? Era o que nos perguntávamos, então saímos para descobrir.

Inicialmente há que se dizer que todo lugar é circundado por lindos cumes de vulcões extintos, cor de terra, que contrasta com o azul do céu. Aqui e ali um tom mais esbranquiçado, puro sal ou um tom amarelo ocre, cor da pouca vegetação existente.

Fomos às Lagunas Cejas que, como todas as lagoas da região, é de um azul marinho profundo no centro, que evolui para um azul turquesa nas extremidades, contornada pelo que parece ser uma espuma branca, que na verdade é sal. Sua densidade de sal é maior que a do Mar Morto, não há como afundar, tudo bóia. Ojos Del Salar são dois poços redondinhos, cheios de água azul e doce, separados por uma estreita faixa de terra.
No Valle de Muerte é um grande canion de sal, gesso e argila, onde a chuva e o vento produziram forma e brilhos minerais. São enormes paredões de pedra dos mais diversos tamanhos, onde sal e terra se misturam, e dunas de areia fininha, onde a moçada pratica sandboard, dizem que o nome vem da aridez do local.

O Valle de La Luna é um dos destinos mais procurados, é uma depressão rodeada por pequenos cerros, uma grande extensão de terra, areia avermelhada, crateras e dunas, onde aparecem grandes formações rochosas peculiares, produzidas pelo ventos, em milhares de anos, como Las Tres Marías.
O sal branco cobre boa parte do solo, o que dá ao local o ar lunar que originou o nome. Realmente um dos lugares mais lindos que já vimos, assistir o pôr-do-sol na cratera central, quando o céu adquiri cores fantásticas, vermelho, azul amarelo, turquesa, e os picos andinos também se tingem, os corpos se tornam pequenos pontos negros contra o céu, é realmente imperdível.
As Lagunas Miñisques e Laguna Miscanti, são lagoas altiplânicas que se formaram, há milhares de anos, em virtude de erupções vulcânicas.
Estão a cerca de 4.000m de altitude, aos pés da cordilheira, têm o mesmo azul e sal branco, que destacam o amarelo ocre da vegetação e o cume dos vulcões, que as rodeiam. No caminho cruzamos com um assustado zorro andino (parece uma raposinha), que tentava achar seu caminho em meio a turistas deslumbrados e suas máquinas fotográficas mirabolantes.
Atravessamos a minúscula Socaire, cidade considerada mirador do Salar do Atacama, pois sua posição elevada permite uma impressionante vista dele, em toda magnitude e beleza; sua igrejinha é um mimo, pedra coberta com palha, ao seu lado a pequena torre do sino, também de pedra.
 
Passamos, ainda, pela pequena cidade de Toconao com suas construções em pedra vulcânica branca, a laparita, extraída de uma cratera na região; onde visitamos a Quebrada de Jere que, escondida entre enormes paredões de pedra, é um estreito e verde pomar, cortado por um pequeno veio de água. 


A Laguna Chaxa além da beleza azul com bordas brancas das outras, é moradia de flamingos, elegantes bailarinos, de pernas muito compridas, brancos, um leve toque negro nas pontas das asas e róseo no pescoço, e de algumas outras pequenas aves, como o Chorlo de La Puna e a gaivota andina. À volta dela, por quilômetros, o Salar Atacama, uma mistura de sal petrificado, quase cristalizado, com terra, não aquela coisa branquinha que imaginávamos.
El Tatio e seus gêiseres dividem opiniões, há os que odeiam e há os que adoram, dizem que é uma das principais atrações locais, preferi não arriscar (Sayo), porém os outros três destemidos foram. Saíram do hotel às 04:00 horas da manhã; sacolejaram por 90km, à temperatura -5° (isso mesmo: menos 5 graus), até chegar ao local, que está a 4.300m de altitude, com gente passando mal e vomitando no caminho. Tudo isso para ver esguichos cíclicos de água, de várias intensidades, saindo da terra em meio a vapores, fenômeno que tem origem vulcânica, lembrando o funcionamento de uma panela de pressão; existem piscinas naturais termais com cheiro de enxofre, porém nenhuma estrutura (tem que trocar de roupa atrás da pedra, no frio).
O passeio também incluiu uma visita ao pequeno povoado de Machuca, a 4.000m, praticamente desabitado, que começa a ser repovoado graças a projetos turísticos. O Caro Amigo decide se quer ir ou fica comigo no hotel, cuidando da beleza (ah, ah, ah!)  
Hora de relaxar! As Termas de Puritana, também escondidas entre enormes paredões de pedra, são um complexo de 7 piscinas naturais de água mineral medicinal,  à temperatura de 33,5°, ao ar livre, ligadas por passarelas de madeira, que serpenteiam entre uma vegetação típica da zona (parecida com grandes moitas de capim). Sensacional, imperdível!
Um dia antes de nossa partida de San Pedro de Atacama, enquanto tomávamos uma cerveja e esperávamos o jantar (que demorava uma vida), discutíamos nosso retorno à Argentina, se arriscaríamos uma estrada de terra que cruzava por lindas paisagens, mas que diziam em condições questionáveis; já imaginando que Silvia e Kresimir estavam loucos por nos ver pelas costas, quando, entre uma cerveja e outra (e nada de comida), Kresimir nos propôs uma alteração no roteiro original (parece que, apesar de tudo, não estavam tão insatisfeitos com a CRKTour), que decidimos aceitar.
Esperamos, sinceramente, que o Caro Amigo não se aborreça, afinal, já com saudades de casa e com a mala cheia de roupas sujas, possivelmente já planejava as compras no Paraguai. Mas sabe para onde vamos?... conto depois, estou cansada de escrever, vou tirar um cochilo enquanto  Claudio dirigi, não demora muito chegaremos ao nosso novo destino.

Beijos,

Sayo e Claudio


Antofagasta, 01 de janeiro de 2010.

Caro Amigo,

É a pura verdade, resolvemos passar a entrada do ano olhando para o Pacífico, então deixamos San Pedro de Atacama em direção a ele. Uma pequena extensão no roteiro original, somente uns 300km (e a estrada é boa, não tem atoleiro), mas que não causará qualquer prejuízo monetário ao Caro Amigo, cliente assíduo da CRKTour (ah, ah, ah!).  

Bem vindo à expedição agora denominada: “Expedição Trópico de Capricórnio”. Que saiu do Trópico de Capricórnio em São Paulo, passando novamente por ele em Antofagasta, Chile, e cujo destino é: contamos quando soubermos.  
Antofagasta não é uma grande cidade, fica espremida entre o mar, de azul igual ao das lagoas e de espuma branquinha, e parte das centenas de quilômetros do Deserto do Atacama, que pode ser visto de quase todos os pontos da cidade e que, diferentemente do que vemos nos filmes, é composto por terra seca, cor de terra mesmo, onde nada nasce, e cuja monotonia é quebrada por cerros, céu azul e diferentes tons da terra. 
Antofagasta não é uma cidade especialmente bonita, para falar a verdade tem poucos atrativos, a população não parece muito amistosa e tem muito cachorrinho vivendo na rua (odiei). O primeiro, sem qualquer dúvida é o mar azul, nosso hotel está em frente a ele. A Praça Colon é linda, pencas de primaveras coloridas, coreto, caramanchões, palmeiras e muitos bancos, trabalho precioso em clima tão árido. Tem um calçadão de 7km a beira mar e um Balneário Municipal.
La Portada, 16k a noroeste, é um enorme portal de rocha dentro, do mar, com 43m de altura e 70m de largura. Localizada em uma praia rochosa com enormes paredões de areia desgastados pela erosão.
Resolvemos passar o Ano Novo no hotel, que parece nosso, está vazio, talvez a população prefira cidades menores, já que Antofagasta é capital da província e figura entre as maiores do país, embora não seja lá tão grande. Afinal, nossa enorme varanda estava em frente ao Pacífico e próxima ao Balneário Municipal, onde seria a queima de fogos. Fomos ao mercado, compramos vinho, mariscos, palta para salada (é um abacate pequenino, muito gostoso em salada de frutos do mar), azeitonas recheadas com amêndoas, salame, lingüiça defumada, queijo e mais um montão de coisas gostosas.

O Ano Novo chegou de forma muito agradável, entre um bom vinho chileno, petiscos ainda melhores, agradável conversa com os amigos Silvia e Kresimir, meia hora de fogos e um capuccino para encerrar a noite.

Esquecemos de contar que quando chegávamos a Antofagasta, encontramos alguns brasileiros e, conversa vai, conversa vem, nos contaram que a cidade não era muito interessante, mas que não poderíamos deixar de dar uma esticadinha (400km) a um local muito legal, que unia beleza natural e compras. Como bem sabe o Caro Amigo, não podemos ouvir Ave Maria sem rezar, então, a despeito da opinião dos clientes da CRKTour (afinal somos os donos para que?), resolvemos seguir o conselho, mudar novamente o roteiro original da  viagem e dar um pulinho até... hora do café e de partir, contamos depois.
Beijos,

Sayo e Claudio

PS – A Corrida Dakar, antiga Paris-Dakar, partirá de Antofagasta, dia 10/01/10, e percorrerá o Deserto do Atacama, já estamos pensando em ficar pó aqui para participar (ah, ah, ah!).    


 Iquique, 02 de janeiro de 2010.

Caro Amigo,

Você nunca ouviu falar de Iquique? Nem nós! Mas acontece que um pessoal de Curitiba, que encontramos quando chegávamos a Antofagasta, nos deu a indicação de lindas praias e boas compras, nos pareceu o mapa das Minas do Rei Salomão, então seguimos mais 400km. 
Iquique também fica na beira do Pacífico. A estrada corre entre mar e deserto, um grande contraste. De um lado o mar azul marinho derrama suas águas em pequenas baias, penínsulas, rochas escuras, às vezes brancas, penhascos, produzindo uma espuma branquinha e piscinas naturais. Do outro, terra, pedras, montanhas, cânions, desfiladeiros, cerros, mas tudo de pura terra ou da cor dela, nenhuma árvore ou sobra de coisa vivente.
 De quando em quando, uma minúscula presença humana, oito ou dez casas, que madeira, quase barracos, de mineiros ou coletores de alga, por vezes já abandonadas, ou algum estranho cemitério.
 Aqui e ali, algum campista resolve fincar bandeira e desafiar a força das águas e aridez do deserto. Muito lindo.

Já a cidade é totalmente diferente do que encontramos até então. A orla é super urbanizada, com altos e modernos edifícios, um enorme calçadão com balneários, praças com palmeiras e cactos, parque temáticos, parques infantis, cassino, quiosques, areia, água azul e fria.
A parte antiga da cidade, em torno da Praça Prat, é algo bastante divertido, com suas construções do século XIX.
Os edifícios e casas são completamente de madeira, uns pintados e outros em cor natural, bem ao estilo faroeste, compridos alpendres com pequenas colunas torneadas de madeira, de onde, a qualquer instante, surgiram mocinhos, com suas armas em punho, a procura de algum malvado e feio bandido.
Na praça, dois pequenos bondes e as coberturas de ferro dos bancos lembram a época das diligências puxadas por cavalos; uma interessante torre de relógio; artesãos, músicos e hippies.

Quanto às compras, O Zofri são mais de 400 lojas, que vendem mais ou menos as mesmas coisas que o Paraguai, porém é uma coisa bem organizada, um enorme shopping, com estacionamento, praça de alimentação e segurança. Realmente muito agradável para fazer compras baratas de maneira cômoda, longe do forte calor. Porém é conveniente ir pela manhã, pois no período da tarde fica lotado. Para que as coisas não passagem em brancas nuvens, fomos obrigados a fazer umas comprinhas.
O Chile tem uma variedade bem maior de frutos do mar que o Brasil. Umas coisas de cores muito estranhas, como preto, coral e roxo; de formas também muito mais estranhas; e de nomes mais estranhos ainda, almejas, chollos, nachas, locros. Provamos todos, mas não conseguimos matar nossa vontade de comer polvo, em todos os restaurantes que fomos havia acabado.
Hora de iniciar a viagem de volta. Uma paradinha para visitar o Salitre Santiago Humberstone, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, uma importante e imponente cidade que nasceu para abrigar os trabalhadores de uma fabrica de extração e beneficiamento de salitre. Hoje uma cidade de faroeste fantasma. 
Também procurávamos por termas, onde nos refrescaríamos das agruras do deserto, fomos a Mamiña, Matilla e Pica e só o que podemos dizer é que a última, embora no meio do deserto, tem grandes pomares de laranja e manga, mais ou menos o que fizeram em Israel; mas, na dúvida, melhor riscá-las de seu mapa e jamais, em tempo algum, Caríssimo Amigo, aceite qualquer convite para visitá-las.
Às 4 da tarde, cansados e com fome, pois não encontramos onde fazer nosso picnic, seguimos os mais de 300km que nos separavam de Calama, onde pretendíamos dormir para, na manhã seguinte, bem cedo, partirmos de volta à Argentina, cerca de 700 km atravessando a Cordilheira dos Andes novamente. Boa noite!’   

Beijos,

Sayo e Claudio

PS- Este ano o Chile comemora seus 200 anos de Independência.
        


Cafayate, 07 de janeiro de 2010.

Caro Amigo,

Dormimos em Calama, em um hotel perto da praça principal da cidade, que não tem muitos atrativos, porém nosso hotel fez valer a pena a paradinha. Um casarão de madeira, estilo faroeste, muito bem conservado, com mobília da família e muitas fotos, um pátio interno decorado com cactos.  
Como bem pode ver o Caro Amigo, viemos parar em Cafayate, um pouco ao Sul de Salta, Argentina, mas ainda na mesma província, mas não sem antes sofrermos mais de quatro horas de imigração e aduana, metade na fronteira  do Chile, outra na da Argentina.
É inconcebível que países ainda mantenham situação tão precária em suas fronteiras: filas intermináveis em baixo de sol e chuva, sem banheiro, nenhum cartaz de explicação ou qualquer pessoa que pudesse dar alguma informação. E o resultando foi uma insatisfação geral, quase um motim, “buzinaço”, como os argentinos são muito contestadores, para nossa sorte, os empregados tiveram um pouco mais de presteza no atendimento. Mesmo assim, foram mais de quatro horas.
Então nossos planos de fazer o trajeto de Calama até Cafayate, cerca de 1.000 Km, no mesmo dia foi por água a baixo, dormimos uma noite em Salta, onde deixamos Silvia e Kresimir, ele seguiu para Croacia e ela, no dia seguinte, nos reencontrou em Cafayate.

A cidade é badaladíssima, tem turista para todo lado, muitas pousadas, porém a maioria com quartos muito pequenos, campings, bons restaurantes, milhões de lojinhas, uma linda praça com uma igreja estilo colonial espanhol.
Mas são duas as coisas que realmente atraem os turistas para esse paraíso, as estradas turísticas, entre elas a Ruta 68, que vai a Salta, que fizemos no início da viagem, e a Ruta 40, no trecho até San Antonio de los Cobres (a cidade do viaduto). Dizem que a segunda, no trecho de Cachi a San Antonio de los Cobre está em péssimo estado, como tem chovido muito na região e já temos antecedentes criminais, resolvemos fazer somente a primeira parte dela, que também está terrível, pois é de terra, cheia de costelas de vaca.

Tudo isso vale a pena porque ela passa literalmente no meio de várias quebradas, a das Flechas é a principal, é possível descer do carro e colocar a mãos e perceber que é algo como areia, mas ligada por alguma substância, que não a faz perder as propriedades de textura, mas a torna mais compacta. 
São formações incríveis em forma e tamanho e, entre elas, um minúsculo povoado, quatro ou cinco casas, de adobe róseo, com enormes colunas circulares na frente; algumas casas abandonadas, provavelmente na época do terremoto que assolou a região; e sempre uma pequenina, recém pintada, em geral de branco, e bem cuidada igrejinha.
Vegetação quase não há, exceto de alguma grande fazenda em estilo colonial espanhol. Voltar para casa, no final da tarde, assistindo o pôr-do-sol, deixamos ao encargo do Caro Amigo imaginar o que é.
A outra coisa que atrai os turistas a Cafayate são as lindas bodegas, enormes casarões de fazenda, com seus pátios internos repletos de flores, suas pesadas vigas de madeira e balcões; em meio a infinitos parreirais.
Dá para ficar um mês e cada dia provar vinho em umas das bodegas. Há vinhos tintos, brancos e roses, das mais diversas uvas Tanat, Carmeniere, Cabernet Savignon, Malbec, Merlot etc.
Mas o mais interessante (ou será delicioso?) é que são os únicos produtores de uma uva de sabor único, cultivada a 1.660 m de altitude, que produz um delicioso vinho branco chamado Torrontés, que lembra o sabor do vinho produzido em Tokaj, na Hungria, que visitamos em julho/09, são produzidos vinhos com diferentes teores de açúcar, dependendo do grau de maturação em que a uva é colhida.

Temos que confessar que compramos algumas muitas garrafas do tal vinho, não diremos quantas porque o pessoal da alfândega pode querer passar lá em casa e confiscar algumas (ah, ah, ah!); mas o Caro Amigo está convidado a ir até lá e experimentar um pouquinho, junto com um queijinho de cabra e uns mariscos enlatados que também trouxemos (ah, ah, ah!). 
Comemorei meu aniversário (Sayo) entre essas lindas paisagens e deliciosos vinhos, adivinhe quantas primaveras?... Mas isso acho que não vou contar depois não.

Beijos,

Sayo e Claudio


Resistência, 08 de janeiro de 2010.
Caro Amigo,
Com pesar informamos que, em virtude da escassez de tempo, tivemos que iniciar a viagem de volta ao lar, portanto San Miguel de Tucuman, Santiago Del Estero, San Fernando Del Valle de Catamarca e outras coisinhas mais ficarão para a próxima viagem a Argentina. Mas não se preocupe, Caro Amigo, reservamos um tempinho, e um lugarzinho no carro, para as comprinhas básicas no Paraguai.

Saímos de Cafayate cedo, tínhamos que rodar mais de 1.000km para dormir em Resistência. Descemos no sentido de San Miguel de Tucuman, uma serra terrível para quem tem pressa (nosso caso), mais maravilhosa para que quem curtir as férias (teremos que voltar para conferir), a paisagem mudou drasticamente, da aridez para a vegetação exuberante, cortada por rios, cidades elegantes, algo que faz lembrar Campos do Jordão em sofisticação.
O restante do percurso foi tranqüilo, embora as estradas não estejam muito boas.
Chegamos a Resistência quase nove da noite, mortos de fome, mas tranqüilos porque já tínhamos reserva naquele hotel agradável, que contamos no início da viagem.
Para matar a fome, arriscamos novamente o Restaurante Don Abel (aquele do Bife de Chorizo duro), estava lotado, ocupamos a última mesa vazia e a cada instante chegava gente procurando uma mesa. Repeti o mesmo pedido, Bife de Chorizo com Salsa Roquefort, que resultou um dos mais deliciosos que já comi, inesquecível, dá água na boca lembrar.
Realmente o restaurante merece o título de melhor da cidade. Nossa comida de despedida da Argentina foi inesquecível, comemos até ficar tristes. Era o que pensávamos, mas que mudaria no dia seguinte.
Pela manhã, últimas compras na Argentina, alguns alfajores, doces de leite, patê de azeitonas, blusinhas. Despedimo-nos do dono do hotel, que também é o dono da gráfica ao lado, e que já havia se tornado nosso amigo, já até arriscava algumas palavras em português; e seguimos. Próxima parada: Foz do Iguaçu/Brasil.   
Não sei se o Caro Amigo se lembra do Gauchito Gil,  foi um soldado que desertou do exercito por não querer matar seus irmãos, durante a guerra civil Argentina; para sobreviver passou a roubar os ricos e dar aos pobres; antes de ser morto, pelos soldados, alegou ser inocente e ter filhos, o que de nada adiantou; quando o soldado que o matou chegou a sua casa encontrou seu filho enfermo, retornou ao local de morte de Gauchito Gil, onde levantou uma cruz e pediu por seu filho, que foi salvo; pouco depois de sua morte chegam ordens informando que ele era inocente . Atualmente, ele é um santo popular muito querido em todo o país; nas estradas, são colocadas capelinhas vermelhas, dos mais diversos tamanhos, repletas de bandeiras da mesma cor, velas e imagens do Gauchito Gil, que lembra a figura de um gaucho do sul do Brasil, que tem um lenço vermelho no pescoço.

No caminho para Resistência, dia 07/01, notamos que algumas casas, que estavam ao longo da estrada, estavam enfeitadas com bandeiras e bexigas vermelhas; e que algumas pessoas limpavam capelinhas do Gauchito Gil. Quando chegávamos ao hotel, uma romaria de cavaleiros e carroças, trazendo bandeiras vermelhas, atravessava a avenida. Esquecemos de perguntar ao pessoal do hotel o que estava acontecendo.

Às 13:00 horas, estávamos na Ruta 12, em direção a Foz, e observávamos que diversas casas se encontravam em festa, muitas pessoas reunidas para o almoço, muitas bandeiras vermelhas e capelinhas do Gauchito Gil muito bem decoradas e limpas. Num determinado momento Claudio não resistiu, parou o carro e disse que ia tirar umas fotos e perguntar o que estava acontecendo, não teve o menor pudor em atrapalhar o almoço do pessoal, numa enorme mesa posta ao lado da casa, embaixo de árvores, a poucos metros da estrada. Uma senhora, muito gentil, o acompanhou até a capelinha e... Já escrevemos muito por hoje, achamos que o Caro Amigo está cansado de ler, contamos depois.

Beijos,
Sayo e Claudio



Puerto Iguazu, 10 de janeiro de 2010

Caro Amigo,
Então a gentil senhora acompanhou Claudio até a capelinha; disse-lhe que dia 08/01 é o dia do Gauchito Gil e que seus devotos o comemoram com grandes festas; deu-lhe um papel com os dados históricos do santo, que na verdade não é canonizado, para ler. Silvia e eu, que pensava como ele era cara-de-pau (garanto que o Caro Amigo que o conhece pensa o mesmo), observávamos tudo do carro. Ela, então, animou-se a ir atrás dele e saber um pouco mais, afinal é uruguaia e seu espanhol é, sem sobra de qualquer dúvida, muito superior ao portunhol dele. Então volta Claudio, seguido por Silvia, saltitando de alegria, com uma imagem do Gauchito Gil e um santinho de papel, com a oração, na mão. Ganhou da senhora como lembrança. Que grande gentileza!
Resolvemos retribuí-la, mas já não tínhamos nenhum guaraná do Brasil, então nos decidimos por uma das milhares de garrafas de vinho que trazíamos. Claudio foi levar e sai com a gentil senhora para os fundos da casa. O tempo passava e nada do Claudio voltar. Nós, no carro, imaginávamos o que teria acontecido dessa vez. Aí vem ele, dando cambalhotas de alegria, que com um enorme pedaço de costelas e batatas doces assadas a um modo muito argentino, fogo no chão, pegando fogo, envoltos em papel toalha. Parecia o Fred Flintstones agarrado a um enorme e suculento osso. Depois há quem queira falar sobre os argentinos! Tudo mentira! Eles são maravilhosos! E nós, que já sentíamos uma pontinha de fome, nos apressamos em encontrar uma sombrinha para fazer nosso picnic. E como estava a costela? Melhor que o Bife de Chorizo da noite anterior, despedida ainda melhor.
Rodamos os cerca de 700km até a fronteira, mas na hora da despedida, não conseguimos, como amamos a Argentina, resolvemos ficar mais um pouquinho e, ao invés de ir para Foz do Iguaçu, resolvemos ficar em Puerto Iguazu, lado argentino da fronteira. A cidade estava lotada de turistas, depois de muito procurar, encontramos um hotel, em uma linda área verde, como um parque, com camping, chalés, apartamentos, piscina; os quartos poderiam estar mais lindos e arrumados, mas, ainda assim, o local era agradável.
Visitamos as Cataratas do lado brasileiro, um bem organizado e bonito parque, que comemora 71 anos, com quatis e seus bebes caminhando por todos os lados; as cachoeiras, devido às chuvas, estavam exuberantes. No lado argentino, fomos a La Aripuca, A Arapuca em português, nome que os índios guaranis dão a uma armadilha para pequenos animais; um projeto ecológico, uma gigantesca arapuca, feita com árvores centenárias, que tenda alertar a população para os perigos do desmatamento indiscriminado para a utilização da terra para agricultura, para plantação de erva mate e pinus, para as fábricas de papel. E principalmente, muito principalmente mesmo, comemos mais um montão de Bifes de Chorizo.
A ida ao Paraguai foi outra grande aventura. Ir de carro? Nem pensar! Há o risco de não voltar você nem o carro e as filas para travessia são intermináveis. Ir de lotação partindo do hotel? Ficaríamos presos a horário. Ir de ônibus de linha regular? Além de ser complicado descobrir qual, com o calor que fazia, dentro de um ônibus abafado, morreríamos sufocados pelo calor ou com o odor. Então optamos por ir de carro até as proximidades da fronteira, na ponte, deixá-lo em um estacionamento e seguir caminhando.
O sol era abrasador e ainda havia o calor emitido pelos milhares de motores dos carros e motos; buzinas e gritos para todos os lados; poeira; gente caminhando para lá e para cá; gente descendo enormes fardos com corda para o rio, onde era pego e passado para o Brasil, por trás do edifício da Receita Federal Brasileira; gente abrindo, para revista, porta-malas, sacolas e bolsas; policiais federais e agentes da receita federal. Uma verdadeira filial do inferno, encontramos Judas, Hitler, ACM  e mais um montão de anjinhos.
Ciudad Del Leste, a cidade paraguaia da fronteira, outra filial do inferno, tem tudo que já contamos acima e muito mais. A avenida virou um enorme camelódromo, onde não transita carro, são cinco ou seis corredores de bugigangas, roupas de origem duvidosa; para atravessá-la há que se encontrar uma pequena passagem em meio àquela bagunça, e nem pense em olhar alguma coisa, o indivíduo gruda no seu pé e só larga morto. Mas ainda tem os camelôs que caminham vendendo as coisas, enfiam cuecas CK (Será?), meias Adidas (?),  e sutiãs, não sei que marca, na sua cara, se você piscar eles abrem sua bolsa, pegam o dinheiro e te devolvem o troco, então, Caro Amigo, nem respire; dizem que eles têm até Pen-Drive de 1.000GB, que já vem com suas fotos de viagem dentro, mas isso o Caro Amigo terá que vir conferir sozinho. Ainda tem chinês, coreano, turco, árabe, provavelmente paraguaio, lojas e lojinhas, galerias, magazines, que vendem tudo quando é tranqueira, além de eletrônicos. É uma 25 de Março e arredores elevada à centésima potência, mas sem o charmoso Mercado Municipal de São Paulo nas proximidades, então você vai acabar tendo que comer um jesus-me-chama qualquer. Não esqueça o problema dos trombadinhas.  
Os eletrônicos estavam com os preços bons, mas, teoricamente, em virtude do preço, quase nada pode passar pela fronteira brasileira; não achamos que os preços das outras coisas estivessem assim tão bons, mas mesmo assim, compramos mais um montão de tranqueiras.

Seguimos para dormir em Curitiba, um delicioso jantar Scavollo (não deixe de passar quando estiver por lá, vale a pena) antes de voltar para casa.

Beijos,

Sayo e Claudio     

PS -  Segue a oração:

 Oración AL Gauchito Gil

!Oh! !Gauchuti Gil!...

Te pido humildemente se cumpla por tu intermédio ante Dios el milagro que te pido y te prometo que cumpliré mi pomessa, y ante Dios te haré ver y te brindaré mi fiel agradecimiento y demonstracion de fé en Dios  y en vos, Gauchito Gil.

Amén


Santos, 12 de janeiro de 2010.
Caro Amigo,
Na pequena cidade de Tilcara,no norte da Argentina, no pequeno restaurante de um cantor nativo do local, ......, que hoje divulga sua música em Paris, onde vive parte do ano; entre músicas e conversas, ele nos disse que esperava que sua música fosse a real expressão da cultura de seu povo e não uma caricatura.
E o que é uma caricatura? É uma imitação da realidade, na qual se enfatiza qualidades ou defeitos, para torná-la mais ou menos agradável, divertida, e que, como imitação que é, não é a verdade.

Então, quando ele procurava não fazer de sua música uma caricatura, pensamos que, na verdade, buscava mostrá-la simplesmente como ela é, sem máscara, e não algo que somente busque agradar os ouvidos de quem ouve e caminhe longe da realidade. E com isso viemos ....cismando......  pelo caminho, pensando na.vida. e  sobre o que ela tem de melhor: ela mesma. E não parte dela ou uma caricatura dela.
Todos sabem que a vida é muito mais que um trabalho, uma viagem, uma festa, um evento, um momento. Nós mesmos somos muito mais que uma simples parte de nosso corpo; somos o todo, não uma de suas partes. Não podemos, nem devemos, resumir nosso todo a uma parte e nossa vida a uma ocorrência, sob pena de fazer de nós mesmos uma caricatura reduzida da divindade que somos. Nossa grandiosidade está em nossa mente e em nosso coração.

Uma vez disse Mario Covas que se Deus nos deu o principal, não podemos reclamar dos acessórios, se recebemos o dom da vida, todo o resto é acessório.

Tudo que cultivamos e regamos cresce, está em nós decidir o que crescerá.

 Na viagem também tivemos o imenso prazer de reencontrar velhos amigos, Silvia e Kresimir, e de fazer novos, como já lhe contamos. E conhecer muitas outras pessoas admiráveis, que cruzaram o nosso caminho e contribuíram para tornar nossas vidas ainda mais felizes.

Hasta la vista!

Sayo e Cláudio

PS – Não fomos doidos de mergulhar nas Cataratas, mais não deixamos passar em branco os Bifes de Chorizo e as comprinhas no Paraguai, fizemos até umas em Iquique, sem falar nos vinhos. Quanto ao Papai Noel? Ele estava é preparando as renas para o Dakar no Deserto do Atacama e mandou lembranças (ah, ah, ah!).

                          




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