domingo, 27 de julho de 2014

EXPEDIÇÃO PERU - UMA AVENTURA NO TERRITÓRIO INCA - A Viagem de ônibus mai longa do Mundo - São Paulo/Lima/Nazca/Cuzco/Machu Picchu.



EXPEDIÇÃO PERU DE NATAL








Santos 15, de dezembro de 2014


Caro Amigo




Bem sabemos que o Caro Amigo, ao ler o nome de nossa nova expedição (Peru de Natal), deve estar pensando que não há nada mais óbvio que peru no Natal, deve até já ter tirado as velhas  assadeiras do fundo o armário, preparando-se para alguma receita mirabolante com a cara bem aborrecida, afinal encarar forno quente num verão deste é, no mínimo, do peru (ah, ah, ah!).

Calma lá! Não é nada disso! É que ouvimos dizer que, no Peru (país), o trenó do Papai Noel, que usa roupas muitos coloridas, tem seu trenó puxado por  lhamas  e alpacas.

Assim, em nossa constante ânsia pela VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluímos que meticulosa investigação, “in locu”, deve ser iniciada imediatamente, a fim de que não reste comprometido o futuro da humanidade. Portanto, e também com o legítimo intuito de cumprirmos nossa honrosa, longa e árdua META dos 100.000.000.000.000.000 Km viajando (acrescentamos alguns zeros porque estava muito fácil ah, ah, ah!), resolvemos colocar, novamente, nossos pés na estrada.

Aproveitaremos a oportunidade para experimentar o Ceviche peruano e rever Machu Picchu, que foi o primeiro destino da CRKTour, em 1981 (é a mais pura verdade, ah, ah ah!), realizado no tão famoso “Trem da Morte”. 

Mas, principalmente, aproveitaremos para rever o gentil povo peruano, que vê a vida de forma tão alegre e colorida.

Mas nada estará completo sem a sua companhia, portanto: Vem com a gente!

Sayo e Claudio



Santos, 16 de dezembro de 2014.

Caro Amigo,

Para que você, que irá nos acompanhar em nossa árdua jornada até os confins da terra, não se perca da caravana, estamos mandando um mapa, com o roteiro da expedição.


Compre seu bilhete, faça as malas (não esqueça o protetor solar, afinal já é quase verão, mas leve também uma capa de chuva, pois, no verão, chove muito em Cusco), pegue o passaporte, avise os familiares, desligue o gás, regue plantas, deixe o gato com o vizinho e as crianças na casa da vó (mas não esqueça de deixar os presentinhos de Natal), não esqueça seu modelinho colorido, afinal, pegue sua garrafa de pisco, alguma coisinha para beliscar, escolha uma poltrona confortável, ligue o computador e VEM COM A GENTE! 

Aproveite para enviar alguma dica para tornar nossa viagem mais interessante. Talvez alguma cidadezinha, que já visitou e achou incrível; um restaurante, que viu em alguma revista de turismo; um lugar que você gostaria de conhecer, mas ainda não teve tempo; ou mesmo o endereço de sua adorável prima peruana, que prepara um pisco sour (sauer) e um ceviche incríveis, pois teremos imenso prazer em visitá-los, conferir e contar tudo, nos mais mínimos e prazerosos detalhes.

Beijos,

Sayo e Claudio

PS – Não esqueça seu modelinho colorido, afinal, não queremos parecer turistas (ah, ah, ah!).



Presidente Epitácio, 19 de dezembro de 2013.

Caro Amigo,

Desde que iniciamos os planos para a viagem ao Peru, lemos que dezembro não era a melhor época para fazê-lo, pois era mês de chuvas, quando, por vezes, estradas eram interrompidas e trens deixavam de funcionar, mas não podíamos nos dar ao luxo de escolher outro mês, já que aproveitávamos as férias escolares e o recesso do Poder Judiciário. Sentimos, então, o peso desse conselho, pois a Rebeca, no guichê da Ormeño, nos estendia a cópia de um jornal de 14/12/13, que noticiava que a Interoceânica permanecia bloqueada em virtude de um deslizamento de terra em Madre de Díos, na rota Puerto Maldonado / Cusco, no Peru. Em conseqüência disso, o ônibus para Lima não sairia naquela quarta-feira, como previsto, mas somente no dia seguinte, no mesmo horário, 15:30 horas.

A empresa oferecia um lugar para que fossem deixadas as bagagens e cada um que se virasse. O que de fato aconteceu é que a empresa faria a viagem com o mesmo ônibus, que já deveria ter chegado do Peru, mas que ficou preso em virtude do problema na estrada peruana. A postura da Ormeño estava totalmente em desacordo com a legislação brasileira, mas não estávamos nada a fim de discutir, portanto mandamos um e-mail para o nosso hotel de Lima, informando a alteração na data da reserva e voltamos para casa da Mamãe, onde uma tarde fofocando, uma pizza e mais umas taças de vinho não fariam mal algum. Pela manhã, nossa primeira providência foi ligar para confirmar a saída do ônibus, tivemos a feliz notícia de que ele já havia chegado e estava passando por revisão e limpeza, com saída garantida para as 15:30 horas.

Às 15:00 horas, do dia 19/12, começou o embarque, aquela conversa de duas malinhas por pessoa não passava de letra morta. A Fabiola, a outra mocinha da Ormeño, até quis fazer alguma objeção quanto ao tamanho de nossa mala de víveres, mas a Rebeca logo veio com um deixa para lá, afinal os peruanos estavam trazendo a casa toda mesmo. Uma hora de atraso para a partida e ainda nos encontrávamos na rodoviária, tentando enfiar a bagagem da turma dentro do ônibus, que foi tomando as poltronas vazia e corredores. Finalmente, partimos.


Nos imaginávamos pelos retões da Rodovia Castelo Branco, quando o ônibus começou a ziguezaguear por estreitas ruas do bairro do Limão. Da janela, observávamos que um dos peruanos, que, aparentemente, era um dos integrantes de um grupo musical, descia para perguntar, com um papelzinho na mão, sobre um suposto endereço. O que estaria acontecendo? E seguíamos pelas estreitas ruas, tendo que chamar os proprietários dos carros mal estacionados, para que removessem seus veículos e pudéssemos passar; fazendo manobras mirabolantes para pode virar à esquerda em alguma ruela; desviando de fios e luminárias.


O Kuc, que já não se agüentava, foi para junto do motorista e para também ajudar a perguntar e manobrar o ônibus. Afinal, em terra de cego, quem tem um olho é rei e ele, além de falar português, falava um espanhol melhor do que o português dos peruanos presentes. Ele se elegeu o interprete da excursão e pronto (ah, ah, ah!). Finalmente descobrimos que o motorista procurava o endereço da empresa Vidrobus, pois um dos vidros laterais havia se quebrado e precisava ser substituído (17:30 horas). Sabe quando pegaríamos a estrada? Nem nós! Da minha janela, no andar superior, observava a nuvem de homens que se juntou em volta do tal vidro, cada um dando sua opinião e arriscando um palpite. Até mulher desceu para palpitar. A coisa não parecia nada boa. Sobe o Kuc para buscar a bolsa, seguramente tiraria umas fotos, já anunciando que não havia vidro para efetuar a troca.

Iniciaram-se as tratativas na fábrica de vidro. O rapazinho do escritório, com rádio na mão e ares de ocupadíssimo, anunciava a falta do vidro no modelo de nosso ônibus, oferecendo a colocação de um vidro menor e a finalização com placa de compensado. A idéia não agradou muito. Ele ia para lá e pra cá, falando no rádio e gesticulando muito, seguia com seu ar pedante. E nada se resolvia. Chega, então, um senhor, um obreiro, que, por sua idade, aparentava ser o real entendido no assunto, e nos sugere a colocação de “contacte”. O rapazinho não gostou muito, estava doido para vender o vidro, diz que não tem “contacte”, faz uns rapa-pés, fala mais um pouco no rádio, cada vez com mais cara e bocas. Finalmente oferece o “contacte”, por quinhentos reais e sem nota fiscal, devendo a colocação ser acertada com o senhor de mais idade. Isso os motoristas não poderiam aceitar, pois tinham que apresentar o recibo à empresa. Em “off”, o senhorzinho nos aconselhou passar fita adesiva larga, várias camadas, que surtiria o mesmo efeito.

Em um segundo foi aparecendo fita de tudo quanto é lado. O Kuc sempre leva aqueles rolos de fita em viagens, para ajudar na plastificação das malas, que sempre fazemos, para evitar que tenhamos que trocá-las a cada viagem; porém eu, pessoalmente, tenho uma péssima impressão de carregar essas fitas, fico imaginando que, qualquer dia, vão achar que somos terroristas e levamos a tal fita para imobilizar nossas vítimas. Afinal, que maluco sai para viajar carregando um troço desses? Pelo jeito o ônibus estava cheio de malucos, ou terroristas, e os que não eram, trataram logo de sair pelo bairro, intencionados a comprar mais das tais fitas (ah, ah, ah!).

A CRKTour entrou com uma fita e a faca para seu corte (porque os outros terroristas são principiantes, não portavam todos os acessórios necessários para a consumação do crime) e, a vinte mãos, o vidro foi “consertado”. Às 18:45, deixávamos o Limão em busca da estrada. Mas o que me (Sayo) preocupava mesmo era que, durante as discussões que envolveram o dilema do vidro, um dos passageiros me contou que a viagem de Lima a São Paulo, que havia chegado naquele dia pela manhã, motivo do atraso de um dia em nossa viagem,  tinha levado, tão-somente, oito dias, em virtude de chuvas e desmoronamentos. Meu Pai do Céu! Oito dias em um ônibus! E eu só tinha preparado logística para quatro!

Bem sabe o Caro Amigo que odiamos reservar os hotéis e os passeios de uma viagem, pois queremos ter a possibilidade de mudar de idéia, alterar nossos roteiros e ficar mais onde bem nos aprouver.  Porém, como estaríamos viajando de ônibus, portanto com locomoção reduzida e tempo escasso, decidimos quebrar uma das regras da CRKTour, e reservar tudo, inclusive comprar as passagens dos ônibus que nos levariam de Lima a Nazca (para sobrevoar as Linhas de Nazca) e de Nazca para Cusco (para a visita a Machu Picchu). Parece que não fizemos bem, pelo andar da carruagem, não chegaríamos a Lima com tempo para conhecê-la, pois teríamos que partir para Nazca no dia 27/12, cedinho. Disse-nos um dos motoristas, que rezássemos para que não chovesse, pois só assim completaríamos a viagem em quatro dias. Não preciso dizer que meu companheiro de viagem já estava procurando seu chapéu de Indiana Jones na mala, se imaginando em meio a torrentes de água barrenta, lá para os lados da Floresta Amazônica Peruana, quem sabe descobrindo alguma primitiva aldeia Inca.
O ônibus seguiu toda a noite, com uma breve parada, no meio da madrugada, somente para abastecer, num horrível posto de gasolina. Aproveitamos para usar o banheiro, que, ao menos, estava em boas condições, bem melhor que o do ônibus, que já pedia uma lavada. Compramos algumas cervejas para acompanhar as sementes que trazíamos, e foi esse nosso jantar. Apesar da TV a bordo, não tivemos filme, pois o acesso ao DVD estava bloqueado pelas malas que não couberam no bagageiro e foram colocadas pelo corredor que levava a cabine do motorista.

Às 07:00 horas, estávamos perto de Campo Grande, por uma estrada estreita mas em boas condições, a pior parte tinha sido vencida durante a noite,  um trecho cheio de buracos e em suposta manutenção.
Aguardemos por uma possível parada para café e banho.
Beijos,
Sayo e Claudio
PS – Não encontramos internet por todo o trajeto até Lima, então o Caro Amigo receberá os relatos da viagem de ônibus vários dias depois; de qualquer modo, enviaremos tudo em ordem cronológica, observe a data em que foram escritos. Tivemos um problema em virtude da atualização de programas em nosso computador, então, para ver o texto com fotos,  abra o arquivo em PDF, que vem anexado ao e-mail.  



Campo Grande ,  20 de dezembro de 2013.

Caro Amigo,

Seguimos por uma região com vegetação nativa de serrado, tudo muito verdinho em virtude das chuvas, raramente uma árvore com flores amarelas, Ipê não é, também não parece Pau Brasil, o nome não sabemos; pequenos espelhos de água, gente tomando banho de rio;  pequenas cidades sem nome; estradinhas de barro vermelho, que conduzem a lugar algum; casinhas de madeira, em cujos terreiros as galinhas ciscam; uma ou outra fazenda de gado; muitos canaviais e plantações de soja; mourões e porteiras, mas nada de menino, nada de ninguém. Damos um pequeno cochilo e, ao abrir os olhos, as cenas se repetem e passam correndo, enquanto nossos olhos, sonolentos, vão se fechando novamente, que vontade de tomar um café quentinho.


A parada para o café foi bem pertinho de Campo Grande, pelo jeito a escolha dos restaurantes é na sorte, não existe uma parada pré-determinada, toda bonita como imaginávamos, a nos esperar. O motorista olha para o restaurante, todos naquele estilo faroeste rudimentar, e se for menos pior, ele encosta para perguntar se estão abertos e dispostos a atender mais de cinqüenta pessoas, já encontramos muitos fechados e o escolhido não foi dos melhores, ao menos pudemos tomar um rápido banho, antes do café, e esticar as pernas.

O céu azul se encheu de volumosas nuvens brancas, que foram escurecendo e caiu uma chuva pesada e rápida, que não amenizou o calor do inicio da tarde, mas alegrou os pássaros, que se puseram a cantar. Pelo caminho, aumentam os pés de piqui e as mangueiras carregadas, se manga fosse vermelha seriam centenas de árvores de Natal ao longo da estrada.

O almoço foi para os lados de Coxim, já passava das 14:30 horas, um  restaurante ao lado de um posto de gasolina. Por quinze reais por pessoa iríamos comemos o que havia sobrado do almoço: costela com mandioca, polenta, arroz, feijão, farofa, carne moída com legumes, carnes assadas na brasa (cupim, costela, pernil, maminha), saladas, manjar (mais parecia papa de maisena) e gelatina.  No geral a cara da comida não estava lá aquelas coisas, tudo já parecia meio seco, fim de restaurante de quilo. Como os donos eram gaúchos e demos um voto de confiança, afinal não queríamos morrer de fome ou passar à bolacha. Finalmente a comida estava até que bem gostosa, tinha um arroz com carne, feito na panela de ferro, que havia grudado no fundo, formando uma casquinha seca, que, na minha (Sayo) casa, de nordestinos, é motivo de desavença, o tal “pegado”, que estava delicioso; a costela ensopada com mandioca derretia; também não fizeram feio a costela na brasa e a maninha. Mas a comida não foi suficiente para todos e, alguns, ficaram no ovo mexido.

Quando finalmente o DVD foi ligado, tivemos uma imensa decepção, pois nada de uma comediazinha água-com-açúcar para alegrar o dia e ajudar o tempo a passar, exibiram sim uma seleção de Rocky, eles tinham todos os seis, nós, afortunadamente, conseguimos assistir somente dois, depois tratamos de desligar o aparato. Mas não demorou muito para o Kuc assumir a gerência do DVD (ele se mete em tudo, mas, infelizmente, não tem o mesmo ânimo para os serviços caseiros ah, ah, ah!) e dar uma melhorada na qualidade das exibições. O resto da tarde, passamos lagarteando e observando a chuva regar toda a vegetação.

Paramos para jantar em Jiaciara, em Mato Grosso, que não teve nada de melhor que o restaurante do almoço, mas possibilitou o banho dos que não tiveram tempo de tomá-lo pela manhã, já que o ônibus está praticamente lotado e, em geral, os banheiros só têm dois chuveiros. Dos cinqüenta e sete tripulantes de nossa aeronave, quase todos os passageiros são peruanos, voltando para casa para passar o Natal em família, sete brasileiros, turistas, e um holandês, aventureiro, que fala bem o espanhol e viaja sozinho. Temos também três crianças que, até o momento, estão se comportando até que bem.

Apesar a chuva insistente, que enlameava tudo e tornava a tarde chata e triste, tivemos um lindo pôr de sol, com coloridos de um arco-íris, talvez influência da própria chuva e do ar sem poluição.

Iniciamos a viagem na Castelo Branco, seguimos pela BR-374, BR-270, BR-267, BR 163, após Cuiabá a BR-070, BR-174 e, finalmente a 364, em Rondônia, onde nos encontramos agora.    Conversando com passageiros experientes no trajeto, descobrimos que os nossos dois motoristas são novos na rota e, por isso, ... vamos parar para o café e para um merecido banho, contamos depois.

Beijos,
Sayo e Claudio
P.S. – Como ainda não nos interamos totalmente da nova ortografia, chatíssimas, e descobrimos que, na fase de transição, por ainda alguns anos, está permite optar por qualquer uma delas, continuamos naquela antiga, que, até agora, ainda labutamos para aprender; parece que os governos não sabem que velho é lento e ficam inventando moda, que até os próprios portugueses estão se recusando a cumprir. Notaram que conseguimos viajar no banco destinado a idosos  (ah, ah, ah!).


Vilhena (RO), 21 de dezembro de 2013.

Caro Amigo,

O café, já mais de 10:00 horas, na parada de Vilhena, foi meio fraco, muita gente para ser atendida e poucos empregados, mas conseguimos comer pão com ovo e tomar suco de laranja, além de um delicioso bolo de milho e um copo de café. Já o banho valeu muito os três reais que custou, pois o banheiro estava limpo e em boas condições, um luxo perto do que víamos encontrando até então.

O dia amanheceu horroroso, cinza e chuvoso, com uma tênue nevoa rondando a vegetação. Só servia para ficar aninhado no banco do ônibus, bem embrulhadinho e imaginando o que será de nós com tanta chuva e motoristas que não conhecem bem o trajeto e não falam português. Eles não são jovens, são dois gordos senhores de meia idade, simpáticos, Juan e Flores, mas notasse que estão inseguros quanto à rota e às paradas.

De tempos em tempos, um rapaz, que os acompanha na cabine e que também é peruano, desce para perguntar algo, inclusive sobre a disponibilidade de comida para que possamos parar. É o Carlos, um pequeno peruano, mas um grande batalhador, que fez curso técnico em edificações, trabalha duro, em construção civil e agora, todo orgulhoso, volta para casa, para passar o Natal com a família e para buscar seu histórico escolar, pois vai cursar engenharia civil no Brasil.

De acordo com o que lemos sobre a viagem, as paradas são poucas, no máximo duas por dia, para que se possa cumprir o programa em 96 horas. Notamos que estávamos parando bastante, confirmaram os peruanos que já fizeram a viagem outras vezes. Continuando nesse passo, só chegaríamos a Lima mais de doze horas depois do previsto, no 24/12, pela manhã, isso se não tivéssemos maiores problemas com a chuva. A conversa começou a circular entre os passageiros, que foram se manifestando contrariados com o atraso.

A Transoceânica, que liga o Atlântico, em São Paulo/Brasil, ao Pacífico, em Lima/Peru, é um sonho antigo de brasileiros, que queriam uma saída no Pacífico para suas exportações, assim como dos peruanos, que poderiam enviar seus produtos pelo Atlântico, encurtando caminhos e evitando os altos custos da travessia do Canal do Panamá. Mas, infelizmente, parece que não foi o resultado atingido, a estrada é pouco usada por brasileiros, pois, em virtude das dificuldades de construção na região dos Andes,  ela resultou, no trecho do Peru, muito cheia de curvas e estreita, inviabilizando a sua utilização por grandes caminhões, com mais de seis eixos, o que, finalmente, torna o envio de mercadorias ao Pacífico caro e difícil, além de muito demorado. Já para os peruanos, a burocracia e altas taxas brasileiras, também inviabiliza a chegada ao Atlântico pela Transoceânica.

Em Rondônia, a estrada não está nada bem, muitos buracos, pista interrompida para conserto e muitos caminhões; assim que a viagem não rendeu quase nada, conseguimos evitar a parada para o almoço, com economia de uma hora. Já o estado (RO), nos pareceu bem melhorzinho (segundo uma Cara Amiga, melhorzinho é um ruim melhoradinho, ah, ah, ah!), afinal já se passaram mais de vinte anos que estivemos por aqui, porém ainda há muito barro por amassar.


Aqui há uma diferença de fuso de duas horas. Perto das seis paramos em um pequeno restaurante para jantar, a comida ainda não estava servida, pelo menos pegaríamos algo fresquinho. Em geral, os restaurantes cobram quinze reais por pessoa para se comer: arroz, feijão, farofa, frango ensopado, costela de boi assada na panela, alguma carne de segunda com batata ou mandioca, bife, e, talvez, alguma salada bem pobrezinha. A comida não costuma ter sal em exagero, mas tem bastante gordura, não é das mais indicadas para estômagos frágeis, o que não é o nosso caso, assim que temos comido e não as achamos da piores, embora bem longe de nossos restaurantes prediletos.
A janela, apesar da chuva forte, seguia bem, mas havia que se pensar na pressão da subida dos Andes, então  foi colocada uma placa de  madeirite, pelo lado interno, em cujo banco foram colocadas várias malas, como mais uma forma de sustentação. Por obra e graça do Divino Espírito Santo, a madeira foi encontrada atrás do restaurante onde jantamos, que também foi encontrado por acaso (Será?).

Terminamos o dia com uma cantata peruana. Agora já todos se tornam mais íntimos e vai rolando uma cumplicidade, já se arriscam até umas brincadeiras.

O dia encerrou-se de forma maravilhosa, com um lindo pôr de sol

E direito até a arco-íris.

Estaria tudo perfeito não fosse que, às três da manhã, fomos acordados de sobressalto ... paramos  para o café, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio    


Assis Brasil (AC), 22 de dezembro de 2013.

Caro Amigo,

É... ! Por mais incrível que possa nos parecer (não estamos seguros se para brasileiro existe algo em que não se possa acreditar, ah, ah, ah!), a travessia do rio Madeira, que dizem apinhado de piranhas,  continua sendo realizada por balsa de particular, a ladainha da construção de uma ponte, parecida com a ladainha da ponte entre Santos e Guarujá, vem sendo rezada a dezenas de anos, porém, em razão do interesse de poucos, nunca chega ao fim. E, assim, às 03:00 horas, tivemos que sair do ônibus e nos alojarmos no desconforto da balsa, cujos poucos bancos de madeira estavam molhados, enquanto cruzávamos o rio. O percurso não leva mais que quinze minutos, mas até que todos descessem, que os veículos entrassem na balsa, que o rio fosse vencido e novamente nos alojássemos no ônibus, lá se foi mais de uma  hora.

Finalmente, no Acre, o Kuc, que foi apelidado de fotógrafo ou Papai Noel, assumiu lugar na cabine como co-piloto (acho que ele nem gostou ah, ah, ah!). Por indicação de um morador local, tomamos um atalho que nos reduziu o caminho em quase 60km, estávamos recuperando um pouco do tempo perdido. O dia amanheceu radiante e sinal de chuva só nas poças formadas nos buracos da estrada, que, no lado brasileiro, não estava das melhores.

A parada para o café e o banho nosso de cada dia foi um relâmpago, mal iniciamos o banho e os homens, entre si, observaram que nos atrasaríamos muito se todos nós fôssemos tomar banho, nos únicos dois chuveiros de água fria dos banheiros, e, depois, ainda tomar café. Assim, quem tomou banho tomou, quem tomou café tomou; quem não fez nada disso dançou. Por sorte, deixávamos nossas sacolas de banho sempre prontas e bem à mão, assim que sempre éramos os primeiros a tomar banho; enquanto um de nós ainda não havia saído do banheiro, o outro já ia pedindo algo para o café; então, banhados, ainda tivemos tempo de comprar um bolinho de mandioca recheado de carne moída para comer no caminho.

Por volta do meio dia estávamos na fronteira do Brasil com o Perú, paramos na Polícia Federal para os trâmites de imigração, um edifício sujo, caindo aos pedaços, em precário estado de conservação, inacreditável que o governo mantenha um edifício em tais condições para pessoas trabalharem e como uma das portas de entrada do país. Ao menos os servidores eram educados e os tramites só não foram mais rápidos porque alguns peruanos haviam excedido o tempo de estadia no país, por esse motivo tivemos que aguardar o preenchimento dos boletos para o pagamento da multa (R$8,28 por dia, até um máximo de R$827,35), que serão pagos quando eles retornarem ao Brasil.

Aproveitamos para jogar um pouco de conversa fora e descobrir como andava a vida por ali. Ficamos sabendo que através daquela fronteira entravam os haitianos, que nossa presidente resolveu apadrinhar, e que, depois de alguns dias hospedados por nossa conta e com papéis feitos, iam para o sul, que está precisando de mão-de-obra, trabalhavam alguns meses e passavam a receber seguro desemprego e a aproveitar as praias brasileiras, não querendo mais trabalhar. Seguramente não são todos, mas nos disseram que uma grande parcela sim, inclusive que prefeituras do sul vinham buscar haitianos para trabalhar, mas se aperceberam de tal prática e desistiram. Nos contaram, ainda, que os senegaleses  tomaram conhecimento da facilidade de entrada pela fronteira de Assis Brasil, onde basta pronunciar a palavra “refúgio” para ser recebido de portas abertas, e também estão usando a rota.

O trâmite do lado peruano foi da mesma forma rápido, trocamos só um pouco de dinheiro, pois a fronteira nunca é um bom lugar, comemos duas empanadas frias, que foram o nosso almoço, pois o motorista pretendia parar mais à frente, em Puerto Maldonado,  imaginávamos que num lugar bem melhor do que a fronteira, afinal não tivemos café-da-manhã  e nem almoço, e já se passavam das duas da tarde. Quatro dos peruanos, já se sentindo em casa, resolveram sair para dar uma voltinha, cansamos de esperar e nada dos bonitinhos, até que os motoristas, autoridades máximas no ônibus, resolveram partir sem eles, que, alguns quilômetros depois e muitos soles (dinheiro peruano), nos alcançaram em um táxi. Ninguém mais se atrasou (ah, ah, ah!).

Sobre Puerto Maldonado não há muito que falar, só lastimar, porque... vamos descer para procurar um banheiro, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio
P.S. – Ando sonhando com um cafezinho quente e cheiroso.


Puerto Maldonado, 23 de dezembro de 2013.

Caro Amigo,

Se o inferno tem filial, seguramente uma delas é Puerto Maldonado, não sabemos se a cidade tem um lado melhor, alguma parte menos lamentável, pois nosso motorista, o Juan, parou em uma avenida de terra batida, com barracas de tábua, sem água encanada ou refrigeração, supostos restaurantes, que nem banheiros tinham para se lavar as mãos; que vendiam uns estranhos sucos expostos em enormes tigelas plásticas, sobre mesas cheias de moscas e poeira da estrada, um dos piores lugares que já vimos (e olha que já vimos coisas por este mundo de meu Deus, ah, ah, ah!). Era uma sucessão desses restaurantes nada simpáticos, para sermos simpáticos, e deveríamos escolher um, caso quiséssemos comer. Eu preferi tomar uma cerveja, pois tinha lido muito sobre os problemas de infecção intestinal em virtude da pouca higiene no Peru, mas o Kuc resolveu encarar um frango assado e sobreviveu, por mais incrível que possa parecer.

Seguimos viagem e, no geral, a cara das pequenas vilas por onde passávamos não melhoravam muito. Os Peruanos se orgulham de dizer que não são favelas, mas são casas muito rudimentares, de adobe, tijolo ou madeira, praticamente sem acabamento, ou com uma rala demão de tinta, só para constar; que exibem um montão de ferragem em seu teto, para que, em um futuro bem longe, possam ser ampliadas. 

Há muita pobreza, mas, apesar de tudo isso, o Peru é um país que se orgulha de seu passado milenar e das civilizações que viveram em suas terras, entre elas chavíns (500 A.C.); paracas, mochicas e nazcas, que ocuparam o litoral; tiahuanacos, às margens do lago Titicaca, no século VI; os Incas, que fundaram Cusco, por volta de 1200. País no qual as populações indígenas conseguiram manter sua identidade, principalmente pela conservação de sua língua e suas tradições, apesar da pouca pacífica “conquista” pelos espanhóis. Chamou-nos a atenção o fato dos peruanos usarem o termo “conquista”, não “descobrimento”, como nós, brasileiros, isso, por si só, já faz uma enorme diferença no modo como um povo vê a si mesmo, eles, corretamente, consideram que sempre existiram como nação e foram submetidos, pela força, a um povo conquistador; na verdade, o que também nos aconteceu.


São línguas oficias do país o espanhol, o quéchua e o aimara (nós só temos o português?). Sua grande diversidade geográfica, com paisagens únicas, é um dos motivos de sua grande procura pelos turistas, principalmente norte-americanos e europeus. Na costa, junto ao Pacífico, se encontra sua região desértica; a Cordilheira dos Andes marca a região de grandes altitudes; e a selva amazônica, que ocupa mais da metade do território do país, dá o tom à terceira região peruana. 
É o terceiro maior país da América do Sul e faz fronteira com a Colômbia, o Brasil, a Bolívia, o Equador, o Chile, sendo banhado, a oeste, pelo Oceano Pacífico. Ademais da excelente culinária do país, elencada como uma das melhores do mundo, que tem no Cebiche, ou Ceviche, e na Chicha Morada seus maiores destaques; o país conserva lindos exemplares da arquitetura colonial,  relíquias pré-colombianas  e  muitos mistérios, esperando os turistas de braços abertos e com um sorriso franco.
Entramos pela Amazônia Peruana num calor infernal, cruzamos os Andes, à noite, com uma temperatura baixíssima, cerca de oito graus e com esse frio chegamos a Cusco, o destino mais conhecido e procurado em todo o país, em virtude da proximidade com o Valle Sagrado e Machu Picchu. Apesar disso, os arredores da rodoviária não era diferente do que tínhamos visto até então, pobreza e sujeira. Estávamos só de passagem na cidade, para desembarque de passageiros, pois nosso destino era Lima. Despedimo-nos dos que partiram, vimos novas caras ocuparem seus lugares, distribuímos alguns brinquedos, observamos vestimentas, saias rodas, chapeis peculiares e chales coloridos, que carregam desde menino até mantimento.  A rodoviária é precária, mal tem banheiro, local para comer... impossível
.

Seguramente, no percurso de ônibus, estamos conhecendo, ou melhor, revendo, um lado do Peru que não é o vendido pela mídia, e não mudou muito desde nossa visita, há trinta anos, mas que é o vivido pelo povo. Disso nós, brasileiros, entendemos bem, principalmente porque quando viajamos, somos freqüentemente indagados sobre o excelente desempenho da economia brasileira, que nos coloca entre um dos destacados países emergentes, é difícil fazê-los acreditar que nossa educação é péssima, além de cara; que o sistema de saúde é um desastre, mesmo pagando-se um plano privado; que a corrupção atinge um dos maiores patamares do mundo; que o povo se endivida comprando a crédito em infinitas parcelas; que os imóveis têm preços absurdos; que comer fora, em grandes cidades, está mais caro que comer na maioria das capitais européias; que o salário mínimo tem um valor vergonhoso; que nossos impostos são bem maiores que dos países desenvolvidos, sem que tenhamos uma contrapartida se quer razoável.

Deixando Cusco, seguimos ladeando montanhas, subindo e descendo, passando por pequenos vales e muitas plantações, onde, aparentemente, o povo, ainda que muito pobre, vive em melhores condições que nas grandes cidades, onde se apinham nas periferias, pois no campo tem seu pequeno pedaço de terra, donde tira seu sustento.  A estrada é muito cheia de curvas e estreita, impossível para grandes caminhões, dificilmente se consegue atingir cinqüenta quilômetros por hora, por toda maior parte do trajeto peruano da Transoceânica.

Já quase dez da manhã e ainda não tínhamos tomado café, os motoristas pararam em frente a uma das tantas mulheres que vendiam comida preparada em uma fogueira no chão, exposta ao tempo, à beira da estrada. Pedaços fumegantes de carne com osso (deve ser o diabo picado, ah, ah, ah!), que eram enfiados em um saco plástico (serviço delivery peruano, e do nordeste do Brasil também, sejamos sinceros, ah, ah, ah!), assim como a salada, e entregues ao cliente. Na panela de milho cozido, todos lavavam a mão, a fim de escolher uma espiga melhor. Preferimos não arriscar.

Paramos para o almoço em um lugar de condições também precárias, que já nos faziam acreditar que as paradas do Brasil eram de luxo, embora nada boas. A comida servida era uma sopa, de entrada, pois os peruanos adoram sopa, não podem ver uma placa indicando caldo de galinha, que já ficam alvoroçados. Como prato principal, ofereciam canja ou arroz com peixe frito. Experimentamos a canja, era a mais cara, então, provavelmente, a menos ruim.

Os locais para banho, no trecho peruano da Transoceânica são desprezíveis, melhor ficar com sua própria sujeira que, ao menos, é sua conhecida ou improvisar com aqueles santos lencinhos umedecidos, portanto, Caro Amigo, se algum dia pensar em se arriscar nessa aventura, leve caixas, e mais caixas, deles. O banheiro do ônibus também se tornou impraticável, pois o serviço de higiene já não é dos melhores e, a essa altura, muita gente já não se sentia bem, quer pelos efeitos da comida, pois eles são verdadeiras avestruzes, comem muito e de um tudo, que se possa ser enfiado em um saquinho plástico sem reclamar; inclusive uma coisa melequenta, de cor suspeita, comprada num carrinho de rua, ainda mais suspeito, que dizem que é quinoa, uma delícia (na opinião deles, não fomos doidos de provar, ah, ah, ah!), assim como bolo, pedaços de queijo, pão.  Andamos até com saudade daquele churrasco grego vendido pelas esquinas em São Paulo (ah, ah, ah!). Como não podemos nos dar ao luxo de passar mal nessa viagem, temos comido, por segurança e amor à vida, as coisas que trouxemos (ah, ah, ah!).
O trecho entre Cusco e Nasca é muito frio e atinge grandes altitudes, chegando a quatro mil metros, atravessa a Cordilheira. Infelizmente não pudemos desfrutar de toda beleza de sua paisagem, pois boa parte dele foi feita à noite, com chuva e os vidros do ônibus muito embasados, acreditamos que na volta tenhamos melhor sorte. Mas tivemos a oportunidade de poder apreciar, as rústicas casinhas dos agricultores, com adornos sobre seus telhados (vamos pesquisar o motivo); seus muros de adobe e telha, que encerram pequenas criações, que ajudam no sustento familiar; a árida vegetação do altiplano, seus lagos e os rebanhos de lhamas, alpacas e carneiros, que por lá vagueiam.


O outro dos motivos do mal estar de muitos dos passageiros é a altitude. Os sintomas mais freqüentes são a dor de cabeça, a falta de ar, os enjôos e o cansaço, alguns chegaram a vomitar.  É conveniente trazer alguma medicação para aliviar tais sintomas, pois se trata de um trecho relativamente longo, no qual não vimos farmácia ou qualquer coisa do gênero.
A partir de Nazca, fomos deixando outros passageiros mais para, finalmente, chegar a Lima, às 6:27 horas, cansados de tanto estar sentados e doidos por um glorioso banho, onde nos despedimos dos sobreviventes.  E assim foram os mais de quatro dias de nossa viagem pela Transoceânica, que liga São Paulo a Lima, Atlântico a Pacífico, uma aventura que só recomendamos aos Caros Amigos mais aventureiros e destemidos, pois é preciso ter muito estômago e bumbum. E o povo ainda diz que eu sou patricinha (ah, ah, ah!). Mas, também, quem mandou casar com um sujeito metido a Indiana Jones, que adorava Perdidos no Espaço e Nacional Kid (não lembro como escreve, afinal lá se vão alguns anos), minha mãe bem que me avisou (ah, ah, ah!). Mas não fique triste não, Caro Amigo, ainda temos o percurso de volta para casa (ah, ah, ah!).

A chegada a Lima não é uma rodoviária, mas sim em uma garagem da Ormeño, no bairro San Isidro. Lógico que o táxi, contratado para dez horas da noite do dia anterior, já não nos esperava. Se nossa reserva de hotel, feita para o dia anterior, ainda perdurava, não tínhamos a menor idéia. Celular não costumamos levar em viagem, os que levaram não tiveram muito sucesso por quase todo percursso.  Wi-fi pelo caminho?  AH, AH, AH ! (notou o Caro Amigo que rimos em letra maiúscula, ah, ah, ah!). 


Beijos,
Sayo e Claudio


Lima/Miraflores, 24 de dezembro de 2014.

Caro Amigo,

Chegamos a San Isidro, um bairro de Lima, ou terminal de ônibus da Ormeño,  como tínhamos um atraso de mais de oito horas, desde o último e-mail que enviamos para o hotel, o táxi, contratado, já não nos esperava, mas não faltavam outros, interessados em arrebanhar passageiros e, finalmente, nos resultou melhor, pois conseguimos negociar  a corrida por um preço cinco soles (sol é a moeda peruana) mais barato. Lembre-se que o Peru é um país de negociação, sempre, sempre peça um desconto, o mais provável é que sempre se consiga algo acima de vinte por cento.
Escolhemos o distrito (espécie de bairro com prefeitura) de Miraflores para nos hospedarmos, pois lemos que é um dos mais aprazíveis e cheios de comodidades para os turistas, não nos decepcionamos nem meio centímetro, pois chegamos a um outro Peru. O bairro é delicioso, cheio de restaurantes, lojas, hotéis, praças, sistemas de segurança, praia; é todo lindinho, limpinho e florido.

Nosso hotel, Hostal Buena Vista (www.hotalbuenavista.com), com diária de sessenta dólares, em um casarão de estilo colonial espanhol, não deixou nada a desejar. Um lindo jardim de entrada, com árvores frutíferas, temperos e flores; pátio de café sob um parreiral, cheio de pequenos cachos de uva; confortáveis saletas para descanso e leitura; decorado com mobília elegante e confortável, lindos quadros e objetos de adorno.

Os empregados são educados, talvez um pouco econômico em palavras, exceto o Leonardo, com quem fizemos nossa reserva; ele é nota 1.000, super gentil e disposto a dar valiosas dicas. O café-da-manhã não é o de um cinco estrelas, mas é bem servido.

Os quartos são austeros, mas contém todo o necessário e, principalmente uma boa cama, mas poderiam ter alguns quadros, penduradores e prateleiras no banheiro.

Cuidado com o último andar, além de muitas escadas, parte delas têm degraus muito estreitos.

Após um reconfortante banho e aquele café quentinho, que andava povoando meus sonhos, caímos no mundo, ou melhor, em nas ruas de Lima. Véspera de Natal, no mundo todo não dá para escolher o que visitar , tem que encarar o que sobrou aberto, nos decidimos por ficar no próprio bairro e, assim, saímos pelas rua de Miraflores (nome de uma batalha) admirando sua belezas.

Trocamos dinheiro com a maior facilidade, em uma filial das filiais da Money Gran (Av. Larco, 1154), que permanecem abertas todos os dias. É possível trocar o dinheiro até nas ruas, com pessoas autorizadas, que vestem um colete da Prefeitura, indicando sua profissão de cambistas.

Entrando em uma ou outra loja, chegamos aos Parques 7 de Junio e Kennedy, na verdade duas praças ligadas, que eles nomeiam de parques, uns primores de bem cuidados e floridos, cheios de gatos gordos e dorminhocos, muito bem cuidados também.  Em seu centro há uma edificação circular, onde são realizadas feirinhas de artesanato.

Numa das laterais do parque fica a Igreja da Virgem Milagrosa, muito sóbria, completamente acinzentada, cor de concreto, com pesadas colunas, cujos capitéis sustentam caras de gorduchos anjos e arcos. No altar, sobre o sacrário, uma imagem de Nossa Senhora das Graças, também parca em colorido, mas com a coroa de estrelas e os raios das mãos iluminados. A sobriedade do interior da igreja é interrompida pelo esfuziante colorido dos vitrais,  que contam a trechos da vida de Jesus; há que se visitá-la durante o dia, para se observar a profundidade e singularidade das cores do vitrais, principalmente do azul cobalto, apesar de Lima ser conhecida por seu céu cinza, sem sol.

Caminhamos até o Mercado Artesanal Índio, na Av. Petit Thouars, 52/55, onde encontramos quarteirões cheios de centros comerciais dedicados à venda de artesanato. É possível comprar de um tudo de pratas, pedras, pinturas, couro, madeira, lã de lhama, camisetas, bolsas, bordados, chapeis; é serviço para mais de um mês, que tivemos que resumir a pequenas compras, já que toda nossa viagem será lombando em ônibus, bateu o arrependimento de não ter vindo de ônibus, de carro poderíamos levar o Peru (ah, ah, ah!).

Como a vontade de comer, mais que a fome, foi chegando, resolvemos que era hora de descobrir o que é que o Ceviche (ou Cebiche) tem. Voltamos ao Parque Kennedy, e nos sentamos no simpático “Café de La Paz” (Calle Lima, 351).


Provamos o Ceviche Misto, com polvo, lula, camarão, vieira e pescado tudo em abundante suco de limão, com muita cebola roxa fininha, em uma grande concha, algo de grandotes grãos de milho e grossas rodelas de abóbora.  Temos que admitir que a coisa é mesmo deliciosa, de babar, ainda mais quando acompanhado de uma Cusqueña ou uma taça de vinho.

E para não dizer que só se come ceviche no Peru, provamos uma Ronda Marinha, uma porção de salada e mandioca frita, rodeadas por conchas com vieiras gratinadas e camarão refogado, também um deslumbre.

Um passeio até o Shopping Larcomar, no Parque Alfredo Salazar, no fim da Avenida José Larco, em uma falésia, à beira mar. Um shopping a céu aberto, com elegantes lojas e bons restaurantes, com vista para o oceano Pacífico, que estava meio acinzentado, reflexo do nublado dia.

Nos restava resolver o que faríamos na ceia de Natal, pois indagamos em vários restaurantes e todos fechariam no fim da tarde. Essa é uma data complicada quando se está viajando, quase tudo fecha, pois todos querem passá-la em família, e o pobre turista é obrigado a ficar só, sem ter o que fazer. Finalmente decidimos que seria melhor... estamos mortos de cansados, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio

Lima/praias 25 de dezembro de 2013.

Caro Amigo,

Decidimos, então, que fazer uma ceia no próprio hotel seria a melhor opção, passamos no mercado e compramos vinho, queijos, frios, tomate e abacate (para uma pequena salada) e um tamal com carne de porco, aquela espécie de pamonha salgada com recheio, que já lhe explicamos quando estivemos em Bogotá e em Salta, parece que é um prato comido por toda América do Sul, com mudanças no nome e pequenas alterações no preparo.

Fomos à Missa do Galo na Igreja de Nossa Senhora Milagrosa, levamos nosso pequeno presépio peruano, que ficou exposto junto a todos os demais, nos pés do altar, durante toda a cerimônia para, ao final, receber as bênçãos.

Voltando ao hotel, preparamos nossa pequena ceia, abrimos um bom vinho peruano (é eles também produzem) e nos sentamos em uma das confortáveis saletas, à espera do nascimento do Menino Jesus e dos milhares de fogos de artifícios em comemoração, um lindo e brilhante costume peruano.

Dia de Natal, quase  tudo fechado, optamos pela praia. Fomos descendo pela Avenida Malta e chegamos ao Pacífico, por um passeio gramado, cheio de palmeiras, edifícios elegantes e muito sol, um calorão. Até o mar estava mais bonito, verde esmeralda degradê, nem parecia o acinzentado do dia anterior. É praia de predregulho, água muito gelada, mas, ainda assim, lotada de surfistas e postulantes ao cargo.

O grande problema de ir a praia é que há o longo caminho de volta, morro acima, como não tínhamos nada para fazer mesmo, subimos e fomos percorrendo os parques (praças), que vão se sucedendo, ao longo da orla, no topo das falésias, aqui denominadas de malecon. Assim passamos pelo Parque Intihuatana;  o do Amor, com poesias escritas em mosaico; o Antonio Raimondi, um investigador e geográfico, onde se pode saltar de pára-pente; o El Faro de La Marina, com um farol, lógico; o Ilzhak Rabin, com pista de bicicross e skate; o Maria Reiche, arqueóloga e matemática alemã, estudiosa da Linha de Nazca; Parque Miguel Grau. Encerramos o passeio aqui, quilômetros de andada e uma fome sem tamanho.

Há que se ressaltar que todos os parques são impecáveis, com cachorródromo, equipamentos de ginástica, brinquedos infantis, muitas flores, bancos, banheiros, pessoal de segurança e limpeza. Miraflores é, com toda certeza, o bairro para se ficar em Lima.

Já que não tivemos ceia de Natal, teríamos um almoço especial, no El Señorio de Sulco (www.senoriodesulco.com), um excelente restaurante de comida peruana,  com vista panorâmica para um dos parque e o mar. Como já havíamos lido muito sobre o Arroz de Pato, uma das iguarias locais, decidimos que era chegada a hora de apreciá-lo. Brindou-nos um arroz feito com cenoura e ervilha, com toques de um molho escuro, com especiarias e ervas, entre elas um toque de gengibre, cominho e coentro, largamente utilizadas no país; molho no qual  o pato certamente foi cozido vagarosamente; acompanhou o arroz, como não poderia deixar de ser,  um pedaço da própria ave e uma porção generosa de seu molho. Delicioso!

O Kuc, já rendido aos encantos do ceviche, experimentou o de pato.  Com suculentos pedaço envoltos em azeite, muita cebola,  um purê ralo, um molho bem temperado e mandioca. À parte, cebola roxa, em lascas finas,  em caldo de limão. Ele amou de paixão, assim como a Chicha Morada, um refresco, que parece um suco de uva, mas é feito de milho negro.

A pimenta (ají) é muito apreciada pelo peruanos, não tem qualquer similaridade com aquele vidrinho de Tabasco, que vem tomando conta das mesas brasileiras; foi-nos servido um singular trio, pimenta pura, com coentro e com, uma saborosa surpresa, amendoim, uma combinação que jamais pensamos em fazer, que se harmoniza perfeitamente como natal e panetone, vinho e queijo, cerveja e pipoca, infância e sorvete.  Nos disse Willian, nosso garçom, que o restaurante tem um prato de inverso, que vem acompanhado de dezoito tipos de molho de pimenta diferentes, por isso a culinária peruana vem se destacando no mundo. Ainda estamos engatinhando na suprema arte de combinar sabores! A sobremesa, que não serve para aqueles estranhos paladares que  apreciam doce com pouco açúcar, foi uma mistura de pedaços de nozes, passas e coco, em calda caramelizada de açúcar e canela, com uma bola de sorvete de coco. Por sorte, tínhamos quilômetros a caminhar de volta ao hotel, que nos ajudariam a nos redimirmos do pecado da gula (ah, ah, ah!).

Resolvemos terminar o dia com uma excursão noturna, da Mirabus, naqueles ônibus de dois andares. Com a parte superior aberta,  que incluía visita ao Parque La Reserva, com suas fontes, o centro histórico e um lanche no Hotel Sheraton,  pelo preço de sessenta e cinco soles por pessoa, que equivaleria a, praticamente, igual valor em real, um passeio de três horas e meia. Bem sabe o Caro Amigo que não gostamos de excursões organizadas, mas como já havíamos perdido, com o atraso do ônibus, um dia e meio de nossa estada em Lima, pensamos que seria uma boa opção. Ledo engano! Nem de graça aceite tal passeio, quem o presentear com ele é um de seus piores inimigos.

Na visitação do centro histórico, não descemos do ônibus, as ruas são ruidosas e não se escutavam bem as explicações, só não foi de todo perdida porque a beleza das praças de Armas e San Martim iluminadas dispensavam qualquer comentário.

O lanche, no hotel, foram ridículos dois micro sanduíches, um quase invisível pedaço de bolo e um ter que optar por um pequeno copo de suco, café ou chá, tudo no mesmo sistema de campo de concentração, com o tal guia determinando onde cada um deveria sentar.

Não que roteiro não mereça a visita, muito pelo contrário, acontece que a tal excursão no permite que isso realmente seja visto. O guia era um rapaz insuportavelmente, mal humorado e grosseiro, que queria nos manter em um regime de campo de concentração, em duas filas como um bando de idiotas, durante a visitação ao parque. Nos confortamos com a idéia de que ele seja o nosso “bruxo malvado”; como bem sabe o Caro Amigo,  nossa teoria é que toda viagem tem um, assim que estamos livres dessa figura a nos rondar por todo o resto dessa empreita.  

O Parque de la Reserva (www.parquedelasreserva.com.pe) é sensacional e deve ser visto à noite, para apreciar o melhor do Circuito Mágico das Águas, quando suas doze fontes estão iluminadas, com espetáculos de luz e som. A entrada custa só quatro soles, e um táxi, a partir de Miraflores, não deve custar mais de vinte soles, sendo possível ir de ônibus, quanto ainda está claro, voltando de táxi, pois, à noite, as redondezas não parecem muito simpáticas. Ele entrará para o Guiness Book como o maior parque de fontes interativas do mundo. São necessárias, pelo menos, duas horas, para ver tudo, nós estivemos no parque somente quarenta minutos e vimos as fontes: Mágica, de Las Tradiciones, Laberinto del Ensueño, Tunel de las Sorpresas, de la Ilusión.

A de la Fantasia, essa imperdível, com projeções em  nuvem de água, que ocorrem três vezes na noite (07:15, 08:15 e 09:30), similar a que já descrevemos ao Caro Amigo, quando de nossa visita Misiones, na Argentina. Porém, a peruana, é muito mais sofisticada e rica em detalhes, com flores se abrindo, bailarinas dançando e, para terminar de emocionar, El Cóndor Pasa é tocado, a obra, declarada patrimônio cultural peruano, que completa seu centenário, provavelmente povoou a juventude de todos os nossos contemporâneos, assim como a nossa, como um símbolo de luta, ou melhor, talvez de inconformismo, com sistemas ditatoriais e opressores, vividos na América do Sul, era um fio  de ligação entre jovens latino-americanos sonhadores e sem dinheiro no banco.

De qualquer modo, fomos dormir muito satisfeitos com nosso dia de Natal, embora sem presente de Papai Noel, ou melhor, com um presentão: saudáveis e alegres. Em virtude do atraso de um dia e meio do ônibus, tivemos  fazer uma difícil escolha... estamos podres, contamos amanhã.

Beijos,
Sayo e Claudio

Centro de Lima, 26 de dezembro de 2013.

Caro Amigo,

Foi este o único dia útil que nos restou para conhecer tudo o que ainda restava da enorme Lima, então teríamos que escolher, com todo o cuidado, o que seria o mais viável. Embora amemos museus, decidimos que vê-los mau e porcamente, perdendo tempo vital para nos deslocarmos até eles, seria uma opção fatal e nos deixaria frustrados.
Então, levantamos cedo, tomamos café e rumamos, decididos a conhecer o centro histórico da cidade, declarado Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO.  Tomamos Metropolitano, pertinho do hotel, sistema expresso de ônibus, que transita por um corredor exclusivo, uma artéria principal, que corta a cidade, como se fosse uma linha de metrô a céu aberto. Mesmo sistema usado em Bogotá e Curitiba, onde funciona muito bem, como em Lima, mas totalmente diferente da maluquice que estão fazendo em São Paulo, onde estão transformando todas as ruas da cidade em corredores de ônibus. 

Desembarcamos na estação Jiron de La Unión, perto da Plaza de Armas, local de fundação da cidade , em 1535, pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro, e da proclamação da república do Peru, em 1821, por José de San Martin. Coração pulsante da cidade, onde se encontram o Palácio Presidencial, a Catedral, o Palácio Municipal, o Clube da União e o Palácio Arquiepiscopal.  No centro da praça, alguns senhores, usando colete indicativo, dão informações turísticas e mapas da cidade, gentileza do governo.

A praça é ocupado por primorosos jardins, cuidados com todo o esmero, e pela população, que desfruta sua beleza. A limpeza, o policiamento e a boa conservação dela, e dos seus edifícios coloniais que a circundam, é algo admirável. Aliás, nesses quesitos, a cidade chamou nossa atenção, principalmente se fizermos uma comparação com as demais capitais sul-americanas que conhecemos, muito mais ricas, e se considerarmos os diversos incêndios e terremoto (1748) que submeteram a cidade, em virtude de condições climáticas e geográficas. Lima é, sem sobra de dúvida, a capital sul-americana que consideramos, atualmente, a mais indicada e preparada para o turismo, o que nos obriga a lembrar que a pobreza não é sinônimo de todas as misérias e desgraças do mundo, e a observar que os peruanos estão investindo no turismo, um bem inesgotável, para vencê-la. 

Na Catedral é, hoje, mais um museu, onde só se realizam missas em datas comemorativas. Ela foi reconstruída em 1756, logo em sua entrada, em uma capela de finos mosaicos, estão os restos mortais de Pizarro, que fundou a cidade com o nome inicial de Ciudad de los Reyes.

Chamaram nossa atenção as pinturas e esculturas de escolas peruanas; o delicado trabalho de entalhe do Coro; o presépio em estilo espanhol, com a Virgem envolta em rendas e pratas, um luxo que, embora seja irreal não é menos lindo.  Linda também a Capela de Nossa Senhora da Evangelização, em estilo rococó, azul com folheação a ouro.

Passamos para o Palácio Municipal, construído em 1939, com fachada estilo neo-clássico, decoração francesa e entrada de mármore. Em pouco mais de quinze minutos, é possível fazer uma visita guiada gratuita por ele, conhecendo, inclusive, sua biblioteca de cedro e o salão onde foi assinada a Ata da Independência.


Às 11:45, há que se estar em frente ao Palácio do Governo,  residência oficial do Presidente da República, cuja reconstrução atual data de 1921, após ser destruído por um incêndio; para assistir à troca de guarda, que ocorre diariamente, com toda pompa e circunstância, com direito a marcha e banda (ou será fanfarra? Não sabemos da diferença, esperamos resposta de algum Caro Amigo), traje de gala (lindo! Branco e vermelho, pensar que, até agora,  só pensaríamos no Canadá ao ver a utilização dessas duas cores como símbolo, jamais em nossos simpáticos vizinhos. Temos muito a aprender, ah, ah, ah!). Aos sábados, é possível fazer uma visita guiada ao palácio, que deve ser agendada com antecedência ali mesmo. Aos domingos, a troca de guarda é feita com cavalos.

Deixamos a Plaza de Armas pela rua Jiron de La Unión, para observar a arquitetura de seus pequenos palacetes, transformados em lojas. Nela conhecemos a Igreja de La Merced, construção de 1536, em estilo barroco, e El Dotorcito, uma imagem do Menino Jesus, que cura todos os males.

Passamos pela Igreja de Santo Domingo, onde se encontram os crânios de Santa Rosa de Lima e San Martin de Porres, santos peruanos.
Paramos na Casa da Gastronomia Peruana, um museu, para conhecer um pouquinho mais dos hábitos alimentares do país.

Chegamos à Praça San Martin, tão preciosa como a anterior, em cujo centro encontramos a estátua do libertador em seu cavalo. Ela é ladeada por charmosos e brancos edifícios coloniais, sob as arcadas dos quais encontramos lojas e restaurantes, além de um pouquinho de sombra, para cansados andarilhos.

Nos dirigimos ao Congresso, que pode ser visitado às segundas, terças e sextas-feiras. Ao seu lado, visitamos o Museo de La Inquisición, edifício no qual, até 1820, funcionou o tribunal de inquisição peruana. Aprendemos que foi o Papa Lucio III o criador dos tribunais de inquisição, quando reinavam, em Espanha, de Fernando e Isabel. No Peru, foram instaurados 1474 processos, com 32 mortes.

Caminhando pelo centro histórico de Lima é muito fácil observar a beleza arquitetônica de muitos edifícios, janelas e portas finamente trabalhadas, além de elegantes exemplares de varandas fechadas, estilo mudejar (já comentamos na viagem do Caminho de Santiago), uma solução para que as mulheres mulçumanas pudessem observar a rua, sem serem vistas por olhos curiosos.

Ainda tivemos forças para caminhar até o Mercado Central, mas não recomendamos que o Caro Amigo o faça, pois é horrível. Pretendíamos conhecer o Polvos Azules, um centro comercial que nos recomendaram, algo como a Twenty Five Street, mas eu (Sayo) já não podia dar um passo.
O jeito foi voltar para casa (hotel), nos preparamos para um merecido jantar, após deixarmos as malas prontinhas, pois, na manhã seguinte, partiríamos em busca de um dos mais enigmáticos mistérios do Peru. Já que quase não pode ser observado de terra firme, todos se perguntam o que teria levado uma civilização a realizar, pacienciosamente, tão detalhados ... hora do café, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio
Nazca, 27 de dezembro de 2013.
Caro Amigo,
Nos perguntávamos, o que teria levado uma civilização a realizar, pacienciosamente, tão detalhados desenhos, provavelmente iniciados em época anterior a Cristo, que, praticamente só poderiam ser vistos, em sua riqueza de detalhes, através de sobrevôo? Era o que queríamos descobrir.
Como teríamos somente um dia e meio na cidade e estávamos em período de Festas, decidimos comprar as passagens de ônibus, Lima/Nazca e Nazca/Cusco, pela internet, uma prática que não nos é muito usual. A empresa é a Cruz Del Sur (www.cruzdelsur.com.pe), que oferece melhor serviço que a Ormeño, que nos trouxe do Brasil, ônibus confortáveis, com serviço de bordo, saindo de seu próprio terminal.

Agora voltando a Nazca durante o dia, pudemos observar melhor a estrada que beira o Pacífico, Nos arredores da capital, o visual não é nada bonito, um misto de favelas e deserto, céu acinzentado, escuro areião, o mar sem qualquer atrativo, supostos esdrúxulos condomínios, lixões e granjas de criação de galinha, um dos pratos prediletos da população, “Pollerías” (restaurantes de frango) são encontradas a cada esquina. Nos lembrou Ilha Comprida piorada, uma ocupação desordenada de algo que nunca prestou. Uma estranha neblina, ou poluição, tomava conta do ar.

Gradativamente, a paisagem mudou, embora a aridez e as imensas dunas de areia escura permanecessem, surgiram alguns elegantes condomínios, com casas estilo mediterrâneo e palmeiras, até o céu parece que começou a ser pintado de azul e a vida parecia começar a voltar. Mesmo assim, de quando em quando, algo estranho, feio e completamente fora do lugar, surgia e interrompia a paisagem.

E assim foram se alternando as belas paisagens e as cenas estranhas deste estranho e cheio de diversidades país, chamado Peru; até que, finalmente, vai sobrando o mar azul contido pelas dunas e longas faixas de areia, deixando o estranho de importar.

Atravessamos parte da famosa estrada Panamericana, tendo a cordilheira ao fundo, uma paisagem compensadora. 

Optamos pelo Hotel Alegría (www.hotelalegria.net), em frente ao terminal rodoviário da Cruz Del Sur, fizemos a reserva ainda no Brasil, pois tivemos boas referências dele e a sua agência de viagens nos providenciou a reserva para o sobrevôo das Linhas de Nazca e Palpa, que tem valor tabelado. O hotel não é nenhuma coisa de outro mundo, o café é fraco, mas tem uma piscina e um jardim legais. A diária é meio salgada, 80 dólares, mas acabaram nos dando um desconto, pois só ficamos um dia e meio.

As linhas de Nazca e Palpa são dois conjuntos de enormes figuras estilizadas, geométricas, humanas, de animais e plantas, que, por vezes, atingem mais de 300 metros e foram escavadas nas planícies rochosas do deserto peruano. Descobriu-se que elas foram feitas pela civilização Nazca, que viveu na região, aproximadamente, entre 300 a.C. e 800 d.C, pois foram encontradas cerâmicas produzidas por eles, que repetiam os desenhos das Linhas. Mas ainda restam grandes mistérios em torno delas, sobre como teriam sido feitas e com que finalidade.

Na ânsia de descobrir um pouco mais sobre o mistério que envolve o tema, anualmente, mais de 200 mil turistas chegam à cidade de Nazca. Em 1994, a UNESCO declarou as figuras Patrimônio da Humanidade. Estudos comprovam que sua conservação deu-se em virtude do clima desértico, com chuvas de uma hora ao ano e umidade noturna, que consolida as rochas ao terreno natural, além do vento constante, que não deixa que a areia se acumule em seus sulcos.

A maior estudiosa das Linhas foi Maria Reiche, que afirmava tratar-se de um calendário astronômico e agrícola. Há quem afirme ser um sistema de sinalização para extraterrestres. Outros dizem que serviriam para rituais e cerimônias. E pesquisas mais recentes afirmam serem um sistema de sinalização para localização de pontos de água.
Na noite que chegamos, fomos até o planetário, no Hotel Lineas de Nazca, assistir a projeções sobre o assunto. Foram vinte reais, por pessoa, jogados fora; poderíamos ter lido tudo na internet, poupando-nos da total falta de graça do rapaz que faz a projeção. A cidade não tem atrativos e é cara, conseqüência do grade afluxo de turistas.
Quanto ao sobrevôo, que custa duzentos dólares por pessoa, por uma hora de vôo sobre as duas Linhas, o Caro Amigo deve refletir profundamente antes de se decidir e lembre-se de fazer o vôo muito cedo, antes das nove da manhã, tome um café muito leve e compre caixa de lenço de papel, leve um pouquinho de álcool para cheirar ou limão (ajuda no enjôo, ah, ah, ah!). Trata-se de um avião minúsculo, para seis pessoas, incluindo piloto e co-piloto. 

Voar somente é moleza, mas acontece que há passageiros no lado esquerdo e direito do avião, então, para que todos vejam os desenhos, o avião faz piruetas e curvas radicais, quem tem um leve medo de voar ou enjoa, mesmo sem facilidade, deve pensar muito bem se vai gastar esse dinheiro.  Eu e o japonês, que  foi com a gente, agüentamos a coisa, mas o Kuc se acabou, vou poupar o Caro Amigo da descrição do ocorrido, mas pense no pior.

Resumindo, segue o mapa da Linha de Nazca:

E da Linha de Palpa:

Sobrevoamos todas as figuras, veja algumas fotos:

Aranha

Colibri

Macaco

Astronauta
Para quem não tem estômago para a coisa ou não quer gastar muito, é possível observar a figura do Lagarto de um mirante, com trinta e cinco metros de altura, colocado, por Maira Reiche, no Km 419, da rodovia Panamericana.


Também é possível sobrevoar somente a Linha de Nazca, por meia hora, a um custo de oitenta dólares.  Nas imediações da cidade há o Cemitério Chauchilla e o Aqueduto de Cantalloc, que podem ser visitado com excursões.
No meio da tarde, o Kuc já recuperado, aproveitou a piscina do hotel e saiu pela cidade dando uma de Papai Noel, pois ainda nos restavam brinquedos a distribuir. Os peruanos são muito receptivos e gentis, fazem questão de demonstrar sua gratidão, por convite dos moradores, ele chegou a visitar uma das humildes casas, de adobe (barro), com chão batido. Eles não cansam de dizer que adoram os brasileiros e desejam que vençamos a Copa.

Jantamos, num simpático restaurantes, o Mamashana (mamachana@hotmail.com), meu prato era uma mistura de arroz e quinua, com recheio de camarões.

Já o Kuc experimentou um conjunto de iguarias peruanas, com ceviche de corvina; carne salteada com tomate e cebola; batata em molho a base de creme de leite uma espécie de pimentão amarelo; ají de galinha, um creme a base de milho com galinha desfiada) e arroz.

Às 21:00, deixamos o hotel e cruzamos a rua, para a terminal da Cruz Del Sur, tomar um ônibus com destino a Cusco.

 Ao embarcarmos, não pode o Caro Amigo imaginar qual não foi nossa surpresa, pois muita gente já nos havia comentado sobre a .... estamos atrasados para pegar o trem, contamos depois
Beijos,
Sayo e Claudio


Cuzco, 29 de dezembro de 2013.
Muita gente já nos havia comentado que a Cruz Del Sur tinha ótimos serviços, um verdadeiro luxo, ficamos boquiabertos ao encontrarmos enormes poltronas, parecidas com as de primeira classe dos aviões, com televisões individuais, com opção de livros, jogos, filmes, internet, música e radio.

 Assim que sentamos, a rodomoça nos trouxe cobertores e travesseiros, o jantar (é jantamos de novo, ah, ah, ah!) e refrigerante (não gostamos muito desse último, ah, ah, ah!).

O trecho Nazca/Cusco foi percorrido, quase todo, à noite, mas, pela manhã, pudemos observar que as áridas e nuas montanhas, poeirentas e secas, foram substituídas por verdes montanhas ao pés das quais, de quando em quando, corria apressado algum rio, e vez por outra, aparecia alguma casa de agricultor, estávamos na verde região dos Andes.

A viagem foi ótima, mas chegada a Cusco não foi muito animadora, chovia muito e fazia um frio terrível. Em verdade já tínhamos muito presentes essas possibilidades, já que a cidade é sempre fria e estávamos em período chuvoso, mas a gente sempre espera encontrar o diabo menos feio do que pintam, não foi o caso (ah, ah, ah!).
Nos hospedamos no Hotal Mallqui, na Calle Nueva Alta, 444 (www.cuzco.net/mallqui ou www.hostal-mallqui.com), um antigo casarão colonial com pátio interno, não muito longe da Plaza de Armas, ponto central da cidade; Conseguimos um preço legal, quarenta dólares a diária, fazendo a reserva pelo Booking. Ele não tem grandes luxos, mas é simpático, assim como os empregados, muito prestativos.
 O café da manhã satisfatório, sempre há chá de coca disponível, para ajudar com a altitude e tem um bom supermercado perto. Porém a internet não é legal, não tem água quente na pia do banheiro e as poucas quadras são em subida, que, embora não tenha grande inclinação, podem significar algum incômodo em virtude da altitude.
Cusco está localizada na Cordilheira do Andes, a mais de três mil e trezentos metros de altitude, onde transtornos provenientes dessa altitude, como dor de cabeça, dificuldade para respirar, enjôo e cansaço são comuns, é o que eles chamam “soroche”. Algumas xícaras de chá de coca, ou mesmo a bala dela, podem ajudar; mas o melhor mesmo é dar ao corpo um período de adaptação, descansando um pouco. Mas, como bem sabe o Caro Amigo, na CRKTour não tem horário de descanso, então tomamos um banho e saímos para chuva, pois a cidade estava bombando, apesar do domingo, tudo estava aberto e gente para todo lado. Desistimos de ir à cidade Pisac, para a famosa feira dominical, pois nos informaram que já era tarde e não valeria o esforço.
A cidade, a mais antiga do continente americano, cujo nome significa o umbigo da terra, é a capital histórica do Peru, declarada, pela UNESCO, Patrimônio da Humanidade, é conhecida como a mais linda do país, isso não vamos negar, pois ela tem uma beleza ímpar. Discute-se a sua precisa data de fundação, a maioria acredita que foi no século XII, pelo inca Manco Capac. Sendo que a arquitetura sofreu forte influência dos conquistadores espanhóis, que assentaram suas construções sobre os perfeitos muros de pedras, encaixadas como um quebra-cabeça, do que foi a capital do Império dos Incas.
Fomos direto para a Plaza de Armas, adornada por floridos jardins, com uma estátua do Inca Pachacutec ao centro, e rodeada por emblemáticos exemplares do barroco; tendo, em segundo plano, as encostas da cidade, forrada de casinhas, algo que tem que ser visto ao cair noite, quando tudo vai se iluminado, como se fosse um lindo presépio.
Ao seu redor da praça, edifícios com arcadas e varandas fechadas, entalhadas em cedro, são ocupados por restaurantes e lojas, onde as pessoas entravam e saiam, no maior burburinho, comprando ou somente aproveitando para admirar cardápios e os coloridos artesanatos, que enchiam as vitrines dando um tom ainda mais alegre a todo o cenário da praça. Não fosse a chuva e o frio, tudo estaria perfeito.
Ainda na praça, a Catedral e a Igreja Companhia de Jesus. Visitamos a segunda, a um preço aproximado de dez reais por pessoa, para apreciar, entre suas belas imagens, rico trabalho de entalhes e folheação a ouro, um famoso quadro do casamento do sobrinho de Santo Inácio de Loyola com uma princesa Inca, uma tentativa de unir os dois impérios.
Seguimos caminhando pelas ruas, que, além do ruído das pessoas, têm um constante buzinar, típico do Peru, pois os motoristas amam utilizar o instrumento de um modo assustado, parece que soa a música aos seus ouvidos. E assim, meio sem destino certo, fomos parar na Plazoneta San Blas, aos pés de sua fonte, reduto de artesãos famosos da cidade, já sem chuva.
Acabamos a noite jantando no Restaurante Café de La Paz (Calle Triunfo 370), uma filial do que já havíamos conhecido em Lima.
Nada melhor que começar com uma Sopa Criolla (carne picadinha, macarrão cabelo de anjo e caldo bem temperadinho) para espantar o frio.
 Não é comum, no país, que os restaurantes servirem couvert ou mesmo pão. Aliás, o pão é muito sem graça, dos piores que já comemos.
Meu prato principal foi Rocoto Relleno a La Arequipa
E o Kuc comeu Lomo de Alpaca a La Pimiento.
Assim, fomos para nossa cama quentinha, pois, no dia seguinte, nos esperava um longo dia, teríamos que nos levantar às cinco da manhã para visitar o destino mais procurado do Peru que, como o Caro Amigo bem sabe, é ... estamos quebrados, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio


Águas Calientes, 30 de dezembro de 2013.
Caro Amigo,
É iremos à maravilhosa cidade perdida dos Incas, Machu Picchu. Quando decidimos revê-la e iniciamos nossas pesquisas, descobrimos milhões de conselhos, dicas e modos inusitados de chegar até lá, pois é um passeio caro.
Iniciamos fazendo os cálculos para irmos por conta própria, então necessitaríamos de um táxi de ida e volta a Poroy, pois o trem não sai mais de Cusco, a cerca de 20Km (20 dólares). Precisaríamos compra, pela internet, os bilhetes do trem, ida e volta (www.perurail.com), são três as categorias oferecidas, Hiram Bengnham, o mais luxuoso, Vistadome, intermediário, e Expedition, que seria o menos luxuoso, mas que é excelente, oferece até um lanchinho e tem teto de vidro também; fizemos um simulado e nos custaria, o mais barato disponível para a data, 272 dólares.
Teríamos que comprar os ingressos para Machu Picchu pela internet (www.machupicchu.gob.pe), pois agora há limite de número de visitantes e é arriscado ir sem ter comprado as entradas, pelo preço de 100 dólares. Necessitaríamos comprar as passagens do ônibus de Águas Calientes, onde para o trem, para Machu Picchu, ida e volta, cerca de 15 dólares. E, finalmente, teríamos que contratar um guia na entrada do parque, a fim de aproveitarmos melhor o passeio, mais ou menos pelo preço de uns dólares. Resumo da história, nos custaria cerca de 440 dólares, o casal, mais todo o trabalho que demandaria.
Procuramos, então, alguma empresa que nos vendesse o passeio no Brasil, encontramos uma empresa que nos ofereceu o tour (http://www.cuscoviaje.com/noticias.item.8/machupicchu-en-1-dia-en-cusco-peru.html), por 560 dólares o casal.
Dizem que do Valle Sagrado, de Ollantaytambo, o trem para Machu Picchu sai muito mais barato. Fizemos um simulado no site da Peru Rail e a economia seria de 30 dólares. Uma economia que nos custaria muita mão de obra, pois teríamos que ir ao terminal de vans (na Calle Pavitos com Avenida Grau) e, então, tomar uma até Ollantaytambo, cerca de 90 Km. Ou fazer o Tour ao Valle Sagrado, casando o horário com o da saía do trem, e deixar o tour antes do final, não conhecendo Chinchero, o que também não nos pareceu interessante. Talvez, em outra época do ano, a diferença de valores seja mais significativa para compensar o trabalho; mas, tínhamos que avaliar que viajaríamos em um período dos menos recomendados, dezembro, período de muitas chuvas, o que significaria um grande risco para viagem organizada por conta própria e que demandasse utilização de vários meios de transportes, principalmente porque as rodovias peruanas têm péssima fama.
Existem, ainda, a possibilidade de fazer a Trilha do Inca, caminhando quatro dias. Os endereços abaixo dão boas dicas de como fazer a viagem por conta, pensamos que cada um deve analisar todas as possibilidades e escolher o que lhe for mais conveniente:
Em contato com o nosso hotel (www.amaruhostal.com/mallqui/ ) de Cusco, recebemos a oferta do passeio a 502,00 dólares, o casal, só teríamos que mandar cópia de nosso passaporte, para a compra das entradas em Machu Picchu e fazer o depósito prévio de 200 dólares, West Union, através do Banco do Brasil. Foi a nossa opção. Imaginamos que o Caro Amigo deve estar cansado de tanto falatório e pouca ação, é que quisemos deixar tudo bem explicadinho, nos seus mínimos detalhes, para que se, por acaso, o Caro Amigo decida verificar tudo pessoalmente possa contar com informações mais precisas possíveis, lembrando sempre que não se deve confiar em tudo que se lê, pois em tudo haverá um toque pessoal do escritor (ah, ah, ah!).

Assim, depois de tudo isso, nessa fria madrugada, levantamos sonolentos, às 05:00 horas, colocamos roupas confortáveis e quentes, tomamos um café reforçado, agarramos nossas mochilas, com água, um lanchinho, capa de chuva, guarda-chuva, protetor solar, repelente, chapéu, máquina fotográfica e mais algumas bugigangas. É importante que o Caro Amigo se lembre que, por estar em altitude mais baixa (2.400m),  Machu Picchu tende a ser mais quente que Cusco, portanto não esqueça de levar também algo leve. Às 06:30 a excursão passou pelo nosso hotel.
Os noventa quilômetros de trem são vencidos em cerca de três horas, por um agradável panorama, que inclui espetaculares de pequenas cidades, campos e, principalmente, do La Verônica, um pico nevado.
Na chegada, uma confusão de pessoas e agências procurando seus clientes, pois, em geral, elas os deixam na estação de trem em Poroy, para que seu pessoal, de Águas Calientes, cidade mais próxima de Machu Picchu, as receba. Há quem vá para essa última cidade, para passar uma noite e visitar Machu Picchu bem cedo, para ver nascer do sol e aproveitar a cidade ainda sem muitos turistas. É uma boa opção, embora Águas Calientes não tenha tantos atrativos e o artesanato não tenha bom preço.
Pouco mais de vinte minutos de ônibus e chegamos à entrada da tão esperada Machu Picchu, onde o Caro Amigo não deve se esquecer de usar o banheiro e comprar algo que tenha esquecido, pois no interior do parque não há nada além da maravilhosa cidade perdida, que deixaremos para mostrar no final dessa expedição, pois as estamos muito atrasados em virtude da falta de internet durante o percurso de ônibus.
Então passemos para o próximo passeio que é... é hora de levantar, um longo e frio dia nos espera.
Beijos,
Sayo e Claudio

Cusco/City Tour, 31 de dezembro de 2013.
Caro Amigo,
O dia estava radiante, apesar de ainda muito frio. Nossa manhã estava livre, pois faríamos um city tour à tarde, contratado através do hotel, pelo preço de 13 dólares por pessoa. Resolvemos, então, aproveitar a manhã para pesquisar um local mais barato para comprar aquelas dezenas de milhões de coisinhas imprescindíveis para as mulheres e que os homens, sempre insensíveis, chamam supérfluo; pois acontece que, nas lojas, os preços não nos pareceram muito tentadores, principalmente porque percebemos que nenhum artigo porta seu preço, ele é dado de acordo com a cara do freguês, que sempre deve pechinchar.
Por indicação da mocinha do hotel, fomos ao Mercado San Pedro, na Rua Santa Clara, uma Torre de Babel, um verdadeiro pandemônio, principalmente por ser véspera de Ano Novo, quando todos resolveram sair para comprar seu último item amarelo, sem o qual ninguém, ninguém mesmo, pode entrar o Ano Novo. Lógico que compramos os nossos.
O Mercado fica em um enorme galpão e, ao seu redor, havia, naquele dia, uma desordenada feira, que só não era tão desordenada quanto o interior do próprio mercado.
Não tem nada daquilo de setor disso ou daquilo, a coisa corre na total informalidade e desordem. Dá pra comprar de um tudo, de “cuy” (o porquinho da índia que eles comem) a banhos perfumados. Até costureira tem.
Já quanto a tomar o tal caldinho, que a mocinha do hotel recomendou, preferimos declinar, ainda não era hora de nos juntarmos ao Senhor (ah, ah, ah!), pois a higiene do local, para ser bonzinho, é muitíssimo questionável. Nos contentamos em conferir o preço do artesanato.
No inicio da tarde, já com a temperatura mais agradável, iniciamos, vivos, nosso city tour com o Sr. Beto, na Catedral, na Plaza de Armas. A chegada até ele foi um pouco tumultuada, pois, pelo que pudemos perceber, trilhões de tours se iniciam no mesmo horário e com o mesmo roteiro. Então, alguém transporta o cliente até a entrada da Catedral e o deixa esperando, junto com centenas de outros clientes, até que um outro alguém  virá, falando em um radinho e gritando seu nome que, apesar de falar javanês, terá que entendê-lo em peruano. Feito isso, o pobre e infeliz cliente, após algum tempo de espera, se tudo der certo, será levado ao seu guia, já dentro da igreja.
A entrada da Catedral custa em torno de 35 reais, dizem que é para ajudar na sua restauração (?).  Ela é realmente majestosa, o que justifica os, praticamente, dois séculos, entre XVI e XVII, que tardaram sua construção e decoração em estilo predominantemente barroco. Ela tem forma de cruz, com doze capelas na parte central e foi edificada sobre as fundações do que foi o templo inca ao deus Viracochacom; está consagrada a Nossa Senhora da Conceição, cujo altar maior, todo laminado de prata, é o mais rico da cidade. A grande maioria dos trabalhos foi finamente realizada por mestiços, que aprenderam com espanhóis, destaca-se Marcos Zapata nas pinturas; assim que é possível encontrar muitas obras conciliando costumes incas, como é o caso da Santa Ceia, na qual são servidas frutas regionais e “cuy”.
Além de toda a riqueza em ouro e prata de que é adornada a Catedral, destacam-se a imagem do Senhor dos Temblores, enegrecido pelas fumaça das velas, e a Cruz original trazida pelos conquistadores. Infelizmente, não pudemos tirar fotos em seu interior e o city tour é um pouco rápido para que se possa observar tudo com detalhes, mas a Catedral, como igreja que é, está aberta das 06:00 às 09:30, para realização de missas e orações, assim o Caro Amigo pode retornar rezar um pouquinho e observá-la melhor.
Seguimos caminhando pelas ruas da cidade, apreciando o maravilhoso trabalho de encaixe de pedras realizado pelos incas, sobre os quais os espanhóis construíram a cidade colonial, até chegar a  Qorikancha, na Calle Arrayan, esquina com Avenida el Sol, um antigo conjunto de templos inca, sobre os quais foi construído o Convento de Santo Domingo, onde é possível observar claramente o contraste entre as perfeitas paredes incas e as espanholas.
Os primeiros construíam seus edifício com uma pequena inclinação (13 graus), com nichos vazios e  janelas e portas em forma de trapézio, justamente para torná-las resistentes a terremotos. Na parte externa, é possível ver uma interessante parede curva e um calendário em pedra. A entrada custa cerca de 10 reais.
Cusco é conhecida como a Capital Arqueológica da América; então, nada mais justo que conhecer algumas de suas ruínas. Aqui o city tour deixou o centro da cidade e partimos, de ônibus, para as outras três visitas. Para realizá-las é preciso comprar um “Boleto Turístico”, total, cerca de 130 reais, ou parcial, cerca de 70 reais; trata-se de um bilhete que permite a entrada à 16 pontos turísticos da cidade, inclusive ruínas, pois não é possível comprá-las de forma individual, um bom modo de arrecadar dinheiro, pois, dificilmente, o turista terá tempo de visitar tudo, mas terá que desembolsar uma boa grana.
 Aparentemente, os pontos, que podem ser visitados com o boleto, sofrem alteração, pois lemos relatos que indicam alguns locais distintos; ele pode ser adquirido na entrada de qualquer dos locais que exigem sua utilização. Compramos o boleto completo, valido por dez dias.
Nos dirigimos para Saqsaywaman, imponente santuário, construído para homenagear os deuses, por volta do ano 1.400, com pedras de 60 a 120 toneladas. Vista do alto tem a forma da cabeça de um puma, cujo corpo é a cidade de Cusco.
Em 1535, foi o local de refúgio dos incas que guerreavam contra os espanhóis, foi o ponto de resistência índio. É possível chegar caminhando por 1 hora, desde a Praça de Armas e para ingressar usa-se o boleto turístico, assim como as seguintes ruínas.
Puka Pukara, que significa forte vermelho, pela cor de suas pedras, era um local de descanso de viajantes. Hoje só restam suas fundações porque foi construído com pedras pequenas, que não resistiram à ação do tempo e dos terremotos.
O City tour segue para Tambomachay, um templo à água, a 3.800m de altitude, com fontes jorram uma água pura e rica em minerais, cuja origem é desconhecida.
Qenqo, a 4km da cidade,  foi templo, onde se realizavam festas e sacrifícios, que, geralmente, eram de animais, mas, em casos de catástrofes, eram sacrificadas belas e puras crianças de até 14 anos, pois a cultura inca acreditava que a morte era só uma passagem para outra vida.
Através um sistema de canalização para o sangue dos sacrifícios, o sacerdote realizava previsões.  Possui também um anfiteatro, uma praça para as comemorações. Assim, terminamos nosso passeio, um pouco corrido, pois as atrações merecem todo um dia de visita.
Voltamos para o hotel, justo com tempo para um rápido banho, antes de partirmos, com nossos acessórios amarelos pois, em estando em Roma, há que se agir como os romanos, para a busca de um restaurante para a ceia de Ano Novo. Como não reservamos nada, não encontramos vaga naqueles maravilhosos, com varanda de cedro entalhado e vista para praça. Acabamos comendo em um já nosso conhecido, o....... Comemos filé ao molho de figo e vinho do porto com risoto de quinua, uma combinação deliciosa.
E filé de alpaca com tamal, batatas douradas, tomate e cebola.
E para apimentar  mais  a vida, que já andava um pouco tediosa, pedimos um pouco rocoto.
Não dispensamos a sobremesa, afinal, ainda não tínhamos provado muitos doces no Peru, ela estava gostosa, mas não maravilhosa.
Agora era assistir a partida do velho ano na ... está na hora do jantar, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio

Cuzco, 01 de janeiro de 2014.
Caro Amigo,
Hoje o dia amanheceu cruel, um frio desolador, dizem que por volta de 5 graus, tudo cinza, preguiçoso, sem vida. Aparentemente a enorme festa de passagem de ano na Praça de Armas deixou todos arrasados.
Não dá para descrever a balburdia que se instaurou na praça. A prefeitura montou um palanque, em frente à Catedral, de onde um conjunto animava o que já estava pegando fogo. Era gente usando assessório amarelo para todo lado, numa animação total.
Fome também ninguém passava, pois ambulantes vendendo espetinhos, caldos, milho e seu mais lá o que estavam por todo canto. Assim como vendedores de bebida e de fogos de artifício, porque a prefeitura não realiza uma queima oficial, mas, para compensar  o povo sai ponto fogo em tudo, uma balburdia.
Quando chega a meia noite, a praça explode, o céu se enche de cor, sobra beijo e abraço para todo lado e, de repente, não conseguimos entender o porquê, sai todo mundo correndo em volta da praça em ritmo alucinante. Visto isso, fomos para cama.
Mas voltando ao horroroso primeiro dia do ano, tem uma coisa muito boa na cidade, para o comércio não tem dia, assim que, diferentemente da maioria das cidades que conhecemos, teríamos muito para fazer naquele feriado.
Nossa primeira parada foi no Convento de La Merced, na Calle Mantas, cuja edificação, similarmente a muitas das igrejas que visitamos no país, é feita com pesadas e sóbrias pedras de granito; guardando todas sua suntuosidade para as capelas e altares, com finos entalhes em cedro, pó de ouro e imagens vestidas com finos brocados, rendas e bordados.
Assim encontramos Nossa Senhora, vestida com as cores do Peru, branco e vermelho, e adornada por jóias preciosas, incrustadas de pedras preciosas e pérolas.
Apreciamos ver a população levando suas imagens do Menino Jesus, nos mais variados trajes, alguns andinos, outros de pequeno príncipe ou camisolões bordados, em suas cestinhas, para receberem benções. O mais lindinho é o Menino Jesus do Espinho, sentadinho em uma cadeira, com uma das perninhas sobre o joelho, olhando um enorme espinho na planta de seu pé.

Na Avenida el Sol, o Centro Artesanal Cusco já estava com boa parte de suas lojas abertas. É um bom local para compras, onde se pode encontrar tudo de típico, como brincos e anéis de prata incrustados com pedras, cerâmicas, bordados, pashiminas, gorros, cachecóis, bolsas, mantas, camisetas, calças, tudo muito colorido e alegre, ao bom estilo local, afinal a bandeira de Cusco é composta, simplesmente, de sete listas com as cores do arco-íris.  Talvez seja um dos melhores locais, em termos de preço, juntamente com o Mercado San Pedro.
Mas a grande verdade é que, como nenhuma mercadoria tem preço, o vendedor o determina de acordo com a cara e simpatia do freguês, que sempre deve pechinchar.
Existem algumas coisas muito características na cidade e, talvez, de todo o Peru, uma delas são as crianças ou senhoras de cara gorducha e inocente, com seus trajes típicos, saia rodada, toda bordada, blusa e casaquinho cheios de detalhes coloridos e seus mirabolantes chapéus, carregando pequenos ovinos, com a cabeça enfeitada, ou llamas, oferecendo-se para tirar fotos por 1 sol. Dá vontade de tirar com todas, para ter guardada, para sempre, suas bonitas figuras. Pretinho básico? Nem pensar! Estamos no Peru!
O modo como carregam as coisas também é muito peculiar, uma manta listada muito colorida, atada aos ombros, dentro da qual transportam mercadorias e crianças. Fabricante de carrinho de bebê morre de fome por aqui (ah, ah, ah!)
O táxi é muito barato, por 5 reais se vai para pontos mais distantes da cidade, como a rodoviária, para o aeroporto são 7 reais. Eles têm uma decoração bem peculiar, com santinhos pendurados, que ficam balançando, panos forrando o painel, luzes, flores e frases, em dourado, invocando a proteção do Senhor. A grande maioria deles está caindo aos pedaços; no início dá até medo de entrar e sair todo sujo, depois a gente acostuma e passa até a barganhar o preço, que deve ser acertado com antecedência.
Outra característica de Cusco é que chove quase todos os dias, não importa que esteja um sol escaldante, com céu azul de brigadeiro, nunca ouse, Cara Amiga, sair sem capa ou guarda-chuva, sob pena de acabar com sua chapinha (ah, ah, ah!). Como excepcionalmente não choveu no primeiro dia do ano, o passamos  xereteando lojas e ateliers, pois a escola cusquenha de pintura tem um estilo que nos agrada e pretendíamos levar um exemplar para casa, preferencialmente com aquelas espetaculares molduras entalhadas.
Jantamos no restaurante do Hotel Sol Plaza Inn (www.solplazainn.com), uma boa opção de hospedagem, com preços razoáveis, 68 dólares o casal, bem no coração da cidade, grudado na Plaza de Armas. Ele chama-se Uchuruta.
Eu arrisquei o Menu Turístico, pela bagatela de 12 reais, que oferece opção de 4 entradas, 4 pratos principais e um suco de limão.  
Já o Kuc comeu Alpaca a La Parrilla.
A comida estava boa, não excepcional, e o vinho tinha excelente preço. Mas o quitute, que encheu nosso dia de alegria, comemos foi no almoço, quando decidimos conhecer um dos minúsculos restaurantes, com mezanino, da Calle Pampa del Castillo,  lembraram-nos os de Bogotá, onde comem os cusquenhos, conforme nos informou o no guia do city tour, Sr. Beto. O Claudio jamais perderia um Chicharón, é só falar o nome e ele já baba. Seguramente o Caro Amigo não tem a mínima idéia do que se trata e nem vai ficar sabendo agora, pois temos que dormir, o dia amanhã será longo, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio

Valle Sagrado, 02 de janeiro de 2013.
Caro Amigo,

É ... o almoço de ontem foi bem à nordestina. Comemos no restaurante Chicharroneria Los Mundialistas, o  chicharón de mesmo nome, composto de grandes pedaços de carne de porco bem fritinhos, crocante; batata frita inteira; muitos grãos do enorme milho branco; um pedaço de queijo; cebola roxa, hortelã e um pequeno tamal (espécie de pamonha). Tudo regado a muito aji, aquela deliciosa pimenta. Nos esbaldamos.
Entre Cusco e Machu Picchu existe um vale fértil, no qual cada monte tem seu nome e é considerado, pelo povo, um presente dos deuses. Conhecemos o Valle Sagrado através de uma excursão guiada, um dos passeios que mais apreciamos nesta viagem. Pois, além da beleza natural da região, o dia estava magnífico e nosso guia, Aldo, era excelente, ensinou-nos, a cada ruína e cidade que visitávamos, aspectos que nos fizeram entender melhor o modo de pensar e agir da civilização inca.
Logo na partida, ficamos sabendo que os incas, uma confederação de povos, dominara o vale, no século XII, com a intenção de se estenderem sobre a selva, vizinha à região andina, a fim de controlar a agricultura, a coca e as frutas da floresta. Assim eles foram fundando as cidades sobre o vale, para tomar posse do território e dinamizar a agricultura que era tão abundante que, além de alimentar toda a população, era usada como moeda de troca.
Para interligar suas cidades, os incas construíram 35.000 Km de caminhos calçados com pedras, que dispunham de locais de repouso e alimentação, que integravam  a  população e  estimulavam o comércio. Caminhos que são utilizados até hoje pela população, continuando a cumprir seu papel, sendo que 6.000km foram declarados Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.
Os incas foram se estendendo sobre o vale do rio Vilcanota e construindo seus terraços, plataformas, para evitar a erosão e otimizar o cultivo agrícola.
Pisac, a 30km de Cusco, foi uma das primeiras cidades construída pelos incas e sobre suas fundações os espanhóis edificaram, posteriormente, uma cidade com características coloniais.  Está a 3.000m de altitude, é produtora do melhor milho branco do país e de destacado artesanato, realizado por índios e campesinos, realmente artesãos.
O mercado de artesanato é permanente e estende-se por quarteirões da graciosa cidade, que merece, pelo menos, um dia para percorrer suas ruelas coloridas pelo trabalho dos artesãos indígenas e experimentar as iguarias locais, como as empanadas.
As construções são de adobe, num tom rosado, muitas transformadas em elegantes hotéis.
As ruínas de Pisac são construções de pedra sobre as montanhas, tendo todo um silencioso vale aos seus pés, pois os incas preferiam aproveitar as terras férteis dos vales para produção agrícola.  Eles viviam, em média 75 anos, não tinham propriedade privada ou dinheiro, viviam em pequenos quartos familiares, preocupando-se com o bem-estar da comunidade. Os mortos eram enterrados em posição fetal para economizar espaço e os objetos, que os acompanhavam, eram oferendas aos deuses.
Eles não conheciam a roda ou o ferro, cortavam e poliam as enormes pedras de granito com outras pedras mais duras, como a hematita e o quartzo; muitas de suas construções utilizam o barro para junção das pedras, não o encaixe em forma de quebra-cabeça, sendo possível reconhecer que são de origem inca pela pequena inclinação de suas paredes. As ruínas arqueológicas de Pisac são algo impressionantemente mágico, que nada deve a Macchu Picchu.
Deixamos Pisac pelo fértil vale do rio Urubanba, onde, ao lado das casinhas, apareceram frondosos pomares com cerejeiras, nêsperas, ameixas, maças e outras frutas.
Nosso passeio custou 30 dólares por pessoa, a entrada para os sítios arqueológicos era com o boleto turístico, e incluía um almoço no Restaurante Tunupa (www.tunuparestaurant.com), situado a 78Km de Cusco,  num casarão colonial, situado em meio a um florido jardim, à beira do rio Urubamba.
 Almoçamos na varanda, observando o rio passar e escutando música nativa, tocada por um grupo localizado no jardim, em frente.
Era um serviço de Buffet, que incluía muitos pratos típicos, como carpaccio de alpaca, ceviche, causa (espécie de cuscuz) recheada, truta, e, ainda saladas diversas, massas, carnes e aves.
Além de sobremesas, como saladas de fruta tortas, bolos, mazamorra (espécie de gelatina a base de milho). Somos um pouco reticentes quanto a comida de Buffet, pois, geralmente, não nos parece tão bem preparada quanto à  La Carte, mas, nesse caso, o restaurante nos pareceu perfeito e agradável, assim que algum detalhe ou outro da comida nem foi notado. O preço só inclui água e refrigerante, demais bebidas são pagas a parte. O tour sem o almoço custa 16 dólares.

A parada seguinte foi em Olantaytambo, a 2.800m de altitude, uma das principais e mais antigas cidades incas que, politicamente, governava Machu Picchu, a segunda zona arqueológica mais visitada do Valle.

Entre suas ruínas observamos armazéns, dependurados nas encostas das montanhas, utilizados para armazenamento de grãos e construídos com uma brilhante técnica que não permitia que a temperatura subisse acima de 16 graus ou baixasse de 5 graus, propiciando uma perfeita conservação das sementes, que não estavam sujeitas a ação do calor e da umidade, garantindo, assim, a qualidade das espécies.

As pedras, pesando toneladas, para construção da cidade, foram transportadas por rampas, em troncos que eram rolados sobre outros troncos. Por uma escadaria, ou pelas laterais delas, de forma menos exaustiva, chega-se ao topo, de onde é possível observar todo o vale, a cidade e o local de onde as pedras eram trazidas.
Na entrada também há uma feira de artesanato local, não muito diferente de todas as que já visitamos na região. Aqui, muita gente deixa o passeio, para seguir para Macchu Picchu, pois dizem que o trem é bem mais barato, mas  perdem o restante da excursão.

Chinchero esta a 3.800m de altitude e chega-se a ela atravessando típicas paisagens andinas, com a visão de impressionantes picos nevados, como La Veronica, pequenos lagos cristalinos e rebanhos de ovelhas e carneiros pastando, vez por outra, algum porco ou burrico.

Seguem-se as construções de adobe e seu tom rosado, e surgem os agricultores cuidando de plantações que desenham o terreno, enquanto suas crianças fazem arte ao redor.

Restam aqui, como em quase todas as zonas arqueológicas incas, a confirmação da utilização de terraços para conter a erosão, onde sementes eram estudadas e desenvolvidas, como em um laboratório para realização de trabalho científico.
Assim voltamos para casa, quase sem fome depois daquele delicioso almoço, mas sem querer abrir mão de nosso jantar de despedida da viagem (pelo menos é o que pensávamos na ocasião), que foi no Restaurante Café Bagdad (garysalzar58@hotmail.com), onde comemos:
QuinotoAnticucho de Corazón
Até às aventuras que nos aguardam no dia de amanhã!
Beijos,
Sayo e Claudio
P.S. – Ao sairmos do Brasil, uma Cara Amiga, Fátima, nos indagou sobre um suposto caminho que integrava o Valle Sagrado a São Vicente, que se chamaria Peabiru, conversando com Aldo, soubemos que realmente foram descobertos trechos desse caminho, por quatro brasileiros, reconhecidos pela UNESCO. O caminho sairia do Peru, atravessando Potosi, na Bolívia, e continuando por Mato Grosso do Sul. Porém ainda não se sabe seu traçado completo e se ele foi totalmente construído pelos incas, ou se cada civilização, de cada país, construiu sua parte.



Cuzco, 03 de janeiro de 2014.

Caro Amigo,

Embarcaríamos, às 15:00 horas, desta sexta-feira, rumo à São Paulo, novamente de ônibus, pela Ormeño. Aproveitamos a manhã para as últimas compras. Estávamos apaixonados pela pintura cusquenha, principalmente, pelas suas molduras entalhadas e aproveitamos realizar nosso sonho e comprar um quadro, teríamos um pouco de trabalho para carregá-lo, mas certamente apreciar a imagem de Nossa Senhora em tão espetacular trabalho de artesanato renderia-nos muito prazer.
Mais uns presentinhos de última hora e, para fechar tudo com chave de ouro, um “Adobo” , no los Mundialistas, onde já havíamos comido o Chicharón, trata-se  de um suculento caldo com enormes pedaços de carne de porco e cebolas inteiras. Feito isso, voltamos ao hotel, pegamos as malas e rumamos para o Terminal Terrestre, ou seja, rodoviária.

A senhora, Nely, não estava com a cara muito boa, e foi logo dizendo que em virtude de desabamento a partida estava atrasada, que o ônibus somente sairia à noite e, o bem pior, que as nossas poltronas haviam sido vendidas em Lima porque, pasme o Caro Amigo, a empresa não tem controle do que é vendido no Brasil. Que conversinha para boi dormir. Não preciso dizer que o Kuc ficou “p”, pois esteve namorando por mais de um mês as primeiras poltronas, bem de frente à janela panorâmica sobre a cabine do motorista, ligou várias vezes para rodoviária e foi comprar as passagens com mais de um mês de antecedência.
A pobre da mulher até que nos ofereceu lugar no leito, muito mais caro. A pobre não conhece meu aventureiro companheiro, o Caro Amigo acha que ele ia trocar a vista panorâmica de toda a estrada, de onde poderia tirar mil fotos (mesmo que tivesse que lavar o vidro do ônibus a cada parada, ah, ah, ah!), por uma poltrona de primeira classe de avião, num compartimento lacrado, no primeiro piso do ônibus, com vidro escurecido. Só posso dizer: Ah, ah, ah! Ela só poderia estar doida. Conversa vai, conversa vem, como a Sra. Nely parecia não muito interessada em resolver nosso problema e, inclusive, passou a nos tratar de modo não muito adequado,  preferimos  chamar um dos policiais, que estavam pelo local (nisso o Peru é bom, tem policial para todo lado). Resumo da história, ficou decidido que, quando o ônibus chegasse de Lima, ela falaria com os passageiros que estavam em nossos lugares.

Mas, para sermos bem sinceros, temos que confessar que ficar um pouquinho mais em Cusco não era nada mal, pois ainda tínhamos alguns lugares para visitar com nosso Boleto Turístico (ah, ah, ah!). Deixamos as malas com a Ormeño e fomos para o Museu Arqueológico Qorikancha, na Avenida el Sol, que não é lá aquelas coisas.

Como a temperatura caiu muito e chovia cântaros, voltamos ao hotel, pois ficar na rodoviária é impossível. Aproveitamos para mandar um e-mail para a Ormeño, já apresentando nossas reclamações, inclusive referentes aos atrasos e condições de limpeza do veículo em nossa primeira viagem.
Às 18:30, estávamos novamente frente a Sra. Nely, que nos informou que o embarque seria à 19:30. Saímos fazendo hora, encontramos outro brasileiro, que iria no mesmo ônibus, o Marcos, que é um feliz professor de português em Cusco, e ficamos batendo papo. Ao voltarmos para o embarque, outra novidade, o guichê da Ormeño estava em pé de guerra, abarrotado de passageiros reclamando, a maior muvuca, pois o ônibus, que já havia chegado de Lima com seus passageiros, não partiria naquela noite, em virtude do desabamento, pois teríamos que fazer um transbordo, atravessado um trecho em veículo menor e o ônibus, que nos pegaria, após o transbordo, ainda não havia chegado do Brasil em Puerto Maldonado, portanto somente partiríamos no dia seguinte, à noite.    

Pedimos o livro de reclamações e a mulher nada de querer entregá-lo, alegando a todo tempo que a empresa não tinha qualquer obrigação, pois posto se tratar de problema originado pelas chuvas. Recorremos à polícia, uma vez mais, e fizemos nossa reclamação por escrito, na presença dos dois guardas que permaneceram no local, no meio do empurra-empurra dos insatisfeitos passageiros.  A confusão foi tanta que até a Sutran compareceu ao local exigindo providências da empresa, principalmente quanto aos turistas.

Só nos foi oferecida, aos passageiros, a possibilidade de dormir no ônibus; de qualquer modo, ela não passava de simples empregada e somente iríamos pleitear qualquer coisa, se fosse o caso, no Brasil.  Então, fomos obrigados (ah, ah, ah!) a voltar para o hotel, para aproveitarmos mais um dia em Cusco, que delícia. E eu fui obrigada a agüentar o Kuc reclamado que isso nunca nos acontece quando estamos na Europa. Também não se pode querer tudo (ah, ah, ah!).

Decidimos dormir no hotel, para aproveitar melhor o dia seguinte.  Rimos muito com o rapazinho da recepção, que nos fez a diária ao mesmo preço do Booking, acabamos comendo uma pizza e tomando um vinho por ali mesmo, pois o clima estava cruel. Assim fomos dormir, fazendo os planos para mais um dia na linda Cusco que, com as graças do bom Deus, seria maravilhoso.

Beijos,
Sayo e Claudio







Cusco, 04 de janeiro de 2014.  Pachakuteq Inka Yupanki

Caro Amigo,

Nossas preces foram atendidas, o sábado amanheceu maravilhoso, sol, céu azul e até uma temperatura mais morninha. Retornamos para o hotel somente com nossa mala de mão, nas quais tínhamos roupas leves, pois a previsão inicial é que teríamos somente doze horas de frio, se o ônibus tivesse partido de acordo com o programado. As outras malas ficaram na rodoviária, pois estavam lacradas e não queríamos ter que abri-las. Assim que, um dia, mais quente era tudo que precisávamos.

Após o café, enviamos outro e-mail para Ormeño reiterando nossas reclamações e afirmando a culpabilidade da empresa no ocorrido, posto que poderiam realizar a viagem por outra estrada e/ou em transporte menor, mas eles não se dispunham a fazê-lo, pois na verdade somente existem dois ônibus na rota, um que vai e outro que vem.  Ou deveriam, ao menos, a fornecer condições dignas de permanência aos passageiros, muitos deles idosos e expostos à baixa temperatura da cidade.  E, antes dos merecidos passeios que programamos, decidimos passar na rodoviária.

Encontramos a Sra. Nely mais atrapalhada que nunca, mas bem mais educada e afável. Nos informou que estava descartada a ida a Puerto Maldonado pela estrada que viemos, pois estava totalmente interrompida, e que estavam estudando a possibilidade de irmos a Juliaca, ao sul, no estado de Puno, e, então subirmos para Puerto Maldonado. Fez algumas ligações e, após, informou que nada estava decidido, porque na estrada de Puno a Maldonado também ocorreram desabamentos, e informou que, de qualquer modo, só partiríamos às 20:00 horas. Deixamos um cartão do hotel, para algum recado e caímos no mundo. Nossa primeira parada foi, bem nas proximidades da rodoviária, no Monumento ao Pachakuteq Inka Yupanki, um dos mais renomados governantes incas e melhores estadistas de todos os tempos, que se preocupou com o manejo criativo do espaço e otimização do processo produtivo; converteu as numerosas fontes de água em um complexo sistema hidráulico, que permitiu o alto desenvolvimento da agricultura e ganaderia, atividades básicas do homem andino, cuja cultura se baseava na conexão equilibrada com a natureza. Ele viveu 125 anos, entre os séculos XV e XVI, e integrou os vários povos através de alianças, formando a grande confederação de povos incas, sua presença continua vigente na cultura como um ícone da identidade andina e peruana.

Trata-se de um monumento em forma de obelisco, em cujo interior aprendemos tudo que relatamos ao Caro Amigo, vale a pena uma visita, embora um pouco afastado do centro, inclusive para observar a cidade do seu topo. Sua entrada é com o boleto turístico.

Partimos para o Museu de Arte Popular, na Avenida el Sol, no edifício da Municipalidad, perto da Plaza de Armas, outra visita que também apreciamos muito, principalmente por um filme que conta a história de Cusco e das principais cidades do Valle Sagrado.  O museu tem coleção de fotos antigas da cidade, vitrines com bonecos representando cenas da vida cotidiana, em seus trajes típicos, e uma exposição de presépios.

Paramos para comer no Restaurante Los Balcones (www.   ), um menu turístico de 15 reais por pessoa, pois nosso sois estavam por um fio,  não queríamos trocar mais dinheiro e não costumamos usar cartão de crédito no exterior, exceto em caso de emergência. Nosso almoço foi um suco de limão e um chá, uma sopa creme de aspargos, outra de tomate, um espaguete à bolonhesa e um omelete.


Não foi nenhum manjar dos deuses, mas estava bem satisfatório e quentinho, além de tratar-se de um restaurante agradável, com uma ótima vista para a Plaza de Armas.

Como o Caro Amigo pode observar, é possível fazer uma viagem econômica, freqüentando locais legais.
Como desabou uma chuva enorme, decidimos voltar para o hotel, afinal não queríamos ensopar as poucas roupas de que dispúnhamos, já que esperávamos, ansiosos (ah, ah, ah!), um atraso de mais um dia, para podermos conhecer mais três lugares de nosso boleto turístico; assim restaria um único dos dezesseis indicados no boleto, Fomos chegando, quase 16:00 horas e recebemos o recado, passado às 12:30 horas, da Sra. Nely, informando que deveríamos estar no terminal terrestre as 15:00 horas para embarque para Juliaca, foi um banho de água mais fria que a da chuva, lá fora. Foi-se o sonho de mais um dia em Cusco e, ainda, estávamos uma hora atrasados.

Agarramos as mochilinhas, nos enfiamos num táxi e fomos para rodoviária. Eu tinha certeza que o ônibus não havia partido, pois estivemos com a Sra. Nely até meio dia, nada havia de concreto e o pessoal, que dormiu no ônibus, estava todo passeando pela cidade. Como é que, em duas horas e meia, ela conseguiria ligar para os peruanos, que tinham voltado para casa, e localizar os que saíram para passear ? Mas o Kuc estava puto! Chegamos na rodoviária e adivinhe?... O ônibus continuava ancorado no local, os guardas da entrada do embarque já até nos conheciam, nem precisávamos mais apresentar o bilhete (ah, ah, ah!).

A Nely, que até perdeu o senhora, estávamos até ficando amigos, veio cheia das explicações de que finalmente partiríamos às 22:00 horas (e o tal telefonema?), para Juliaca, ao sul, no estado de Puno, perto do Lago Titicaca, onde faríamos o transbordo para um  ônibus menor e mais alto, voltando ao norte, para Porto Maldonado, por uma outra estrada, na qual também ocorreram desmoronamentos, mais tinha condições para passagem de veículo menor.

Restávamos rir e decidir o que fazer no resto do dia. O show de danças típicas, no Centro Cosco de Arte Nativo, na Avenida el Sol, caiu-nos perfeitamente. Às 18:30, aguardávamos, na porta, pelo espetáculo que se iniciaria em trinta minutos. A entrada foi com o boleto turístico e ainda tivemos a oportunidade de visitar seu pequeno museu de trajes. Tudo perfeito!


Às 20:00 horas, nos restava tempo para o jantar de despedida. Escolhemos o Restaurante Valentina, na mesma avenida (www.  ). Uma pequena apresentação musical, um suculento file de Alpaca e espaguete à Alfredo com camarões, tudo bem rapidinho e delicioso.


Voltamos à rodoviária e, finalmente, próximo à meia noite, partimos.


Acabamos ficando no leito para, na troca de ônibus recebermos nossas respectivas poltronas, afinal nada havia para ver durante a noite. Mal amanhecia quando chegamos a Juliaca, uma visão do ... estamos morrendo de sono, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio 





Juliaca, 05 de janeiro de 2014.

Caro Amigo,

É ... uma visão daquilo mesmo que o Caro Amigo pensou. Certamente Deus não criou nada pior do que a cidade de Juliaca, local onde o infortúnio nos trouxe, para trocarmos de ônibus, por um menor, que pudesse atravessar as áreas atingidas pelo desmoronamento e chegar a Porto Maldonado que, um dia, desinformados, achamos que era o pior lugar do mundo, ainda não conhecíamos Juliaca (ah, ah, ah!).

No quiche da Ormeño, naquela deplorável rodoviária, o Sr. Manoel,  esposo da Nely (o família para sofrer, ah, ah, ah!), atendia, delicadamente, aos impacientes passageiros com destino ao Brasil.


Tudo era poeira, lama ou estava quebrado. Para onde se lançasse o olhar, nada havia de alentador.

 Fomos à Plaza de Armas, a Igreja de Santa Catalina que, num passado muito longínquo, deve ter sido um primor, mas agora jaz no quase total abandono. Como era domingo, a igreja estava cheia de fiéis e, a sua volta, imagens do Menino Jesus e suas roupinhas eram vendidas.


A cidade era mal cuidada, feia e suja. Não achamos um lugar onde pudéssemos nos atrever a comer algo, acabamos tomando papinha de bebê fria, nossa saída para situações extremas, é melhor que morrer de fome ou, no caso, pegar uma infecção intestinal. Eu já tenho know how nas mirabolantes viagens de meu digníssimo marido (ah, ah, ah!).

Ao menos ele matou a vontade de andar de Tuck-Tuck, aquele minúsculo carro que parece de brinquedo.


Como tudo que é ruim pode ser piorado, às 10:00 horas, daquele fatídico dia,  fomos transferidos para um ônibus tão deplorável quanto a cidade, não passava de um veículo de transportar bóias-frias, todo acabado e tão sujo quanto.

A ocupação dos bancos foi por ordem de entrada, pois não havia bilhete para aquele ônibus e foram vendidas passagens a outros passageiros interessados; sentamos na 03 e 04, pois o Sr. Manoel estava ciente de que éramos uns chatos. O motorista um doido, não tirava a mão da buzina, mas, pelo menos, era bom de volante. 

Para salvar nosso dia, a estrada tinha uma paisagem muito agradável, com largas planícies, onde pastavam carneiros e lhamas, algumas pequenas lagoas, vegetação rasteira, que também forrava as montanhas, tudo como que coberto por um tapete verde musgo.

Cor que, igualmente, tinham as rústicas casas, feitas de adobe e cobertas por palha. No rádio o som monótono de música regional em quéchua, completava a preguiçosa paisagem.

O ônibus seguia vagarosamente pelas curvas que rodeiam as montanhas com picos, por vezes, ainda nevados. O calorzinho vai se transformando em frio, as casinhas vão sumindo e vão restando as encostas verdes, pontilhadas por brancas pedras e rebanhos.

No alto das montanhas já pedregosas, entre picos nevados, surgem os profundos cânions, largo e imensos paredões de pedra e casas do mesmo material, com cobertura plástica, onde vivem, rusticamente, pastores.

A estrada, uma sucessão de estreitas curvas que vão descendo entre os paredões rochosos. Ousamos pensar que tenha até valido à pena conhecer Juliaca, só para chegar até ali.

O Indiana (ah, ah, ah!) vibrava, principalmente quando, nas curvas à beira de penhascos, o co-piloto descia para se assegurar que não vinha ninguém na outra mão. Lá, bem no alto, o motorista para o ônibus na vista, calça-o com uma pedra e desce para fazer sua oferenda de um litro de vinho a alguma divindade.
Ou quando, nas curvas mais fechadas, o ônibus debruçava sua cara bem sobre o penhasco e as mulheres, amedrontadas, gritavam o nome do Senhor. Finalmente ele tinha realizado seu sonho transbordo, mais um carimbo em sua carteirinha. Onde é que eu fui amarrar meu burro ? (ah, ah, ah!).
O violento rio nos seguia, transformando-se em espuma branca ao bater, furiosamente, nas pedras de seu leito. Cachoeiras escorriam, deixando seu longo rastro branco.

As plantações de coca e de milho surgiram, ocupando pequenas áreas daquele relevo tão acidentado. Um ou outro sítio arqueológico; uma ou outra pequena cidade, com grande movimento, apesar do fim de tarde de domingo.
Realmente ocorreram muitos e perigosos desmoronamentos, passamos por vários deles e por vários trechos invadidos pelas águas, que brotam das montanhas, formando pequenos rios a interromper a estrada.


Depois de 12 horas sacolejando e passando por altitudes de mais de 4.000 metros, chegamos a Puerto Maldonado. Dessa vez, paramos na rodoviária escura e deserta. Ao fundo, a visão do paraíso, o garboso ônibus da Ormeño, lembramos da história do Bode Russo (ah, ah, ah!). O Kuc foi logo se adiantando, correu até lá, bateu no vidro e saiu pulando de alegria. Eram os mesmo motoristas de nossa vinda, nossos velhos conhecidos (ah, ah, ah!).

Na rodoviária, apesar do chuveiro com água fria, tomei um merecido banho e tirei toda a poeira de Juliaca, pois não queria levar de lá nem mesmo a poeira e, nunca imaginei que o faria, agradeci ao bom Deus por aquele glorioso banho frio. Falo pela minha pessoa, pois, seguramente, meu companheiro já está doidinho para voltar, e só aparecer um mais doido para lhe fazer companhia (ah, ah, ah!). Mas para comer não deu não.
Embargamos e partimos. O Caro Amigo deve estar se perguntando qual terá sido o resultado do dilema de nossas poltronas vendidas pela segunda vez?  Apesar de... está na hora do almoço, contamos depois.

Beijos,
Sayo e Claudio





Rio Branco, 06 de janeiro de 2013.

Caro Amigo,

Apesar de nossa boa educação, não é preciso dizer que pulamos nas nossas devidas poltronas, que compramos com muita antecedência. Os segundos compradores até que quiseram protestar, mas o Juan, um dos motoristas, foi enfático, não havia discussão, os lugares eram nossos, compramos primeiro. Eles receberam confortáveis poltronas na primeira classe, no leito. É...  quem tem padrinho não morre pagão (ah, ah, ah!). Mas afinal, era o justo mesmo, inclusive porque eles iriam descer em Rio Branco, para que fazer-nos mudar de lugar no meio da viagem. 

Amanhecia quando chegamos à fronteira. A imigração do Peru abriria às 07:00 horas. Comemos algo, andamos um pouco e, pontualmente, fizemos nossa saída.


Atente, Caro Amigo, quando for repetir essa feita, pois uma família de amigos, Ana Paula, Dora e Balbino, os Ferreira Souza, muito simpáticos e solícitos,  que, coincidentemente, viajaram conosco na vinda do Brasil, tiveram que pagar multa por permanência no Peru, pois, quando da entrada no país, o rapazinho da imigração deu-lhes, como prazo de permanência,  a data indicada na passagem de volta, ou seja, a data que sairiam de Lima. Ora! Seria impossível sair de Lima por via terrestre e chegar, no mesmo dia, à fronteira, inclusive porque, em virtude dos desabamentos, ficamos praticamente dois dias parados. A multa não é cara, um dólar por dia, mas é um transtorno ter que ir até a agência bancária, esperar que ela abra, como foi nosso caso, pois o horário bancário se inicia às 09:00 horas; para, então, retornar à imigração. Portanto, informe sempre que ficará os três meses permitidos, pois o Caro Amigo nunca saberá quando conseguirá sair do Peru (ah, ah, ah!).

Em nossa fronteira, mesmo problema, uma peruana deveria pagar a multa, a coisa foi mais rápida porque a multa pode ser paga em casas lotéricas. Mas tivemos que descer todas as malas e passar por um escâner, algumas foram abertas, para constatação de seu conteúdo, nada de grave foi encontrado, somente algumas frutas. 

Continuando, passamos em Brasiléia e vimos um acampamento dos haitianos, um mar de gente numa grande casa com quintal. Eles também eram vistos perambulando pela cidade, visão similar a que encontramos em várias cidades européias, ocupadas por imigrantes ilegais, que nada têm para fazer e lotam as praças.

Às 05:00 da tarde, vagávamos famintos, pois os motoristas, que fizeram sua viagem inaugural conosco, quando viemos para o Peru, ainda, não estavam interados de restaurantes onde parar. Na rodoviária de Rio Branco, a mocinha da única lanchonete e/ou restaurante, informou que não tinha autorização para servir antes das 06:30. Por um lampejo de sorte, lancei um olhar para um pequeno mercadinho, onde avistei uma pequena estufa, cheia de salgadinhos.

Infelizmente só comprei oito, sob os protestos do Kuc, que ainda sonha em comer uma costela de boi, mas ele esqueceu-se que, além da escassez de restaurantes da região, era segunda-feira, o dia dos restaurantes fecharem. Ao final, não consegui comê-los sem dividi-los com a idosa senhora e os dois jovens peruanos ao nosso lado, além dos dois motoristas. Aquele bolinho que eu pretendia comer, afinal era meu aniversário, ficou na vontade. Para frente, estrada e mais estrada.   

De repente, um posto de gasolina com restaurante, na cidade de Novo Contrato - AC, paramos para o jantar. Melhor comer um pouco mais agora, pois não se sabe quando será a próxima parada em que se encontre refeição para quarenta pessoas.

Diferentemente de vinda, quando a maioria dos peruanos, já radicados no Brasil, voltava ao seu país para passar o Natal em família, e nos ensinavam coisas sobre o seu país. Agora, a maioria deles nunca esteve no Brasil, iriam tentar a sorte ou visitar parentes e amigos, era a nossa vez, então, de lhes ensinar algumas coisas, inclusive a diferença de comida por quilo, PF e marmitex, uma coisa tão óbvia para nós (ah, ah, ah!).

Sobre aquela tal travessia de balsa?  Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece e,  acreditamos, na segunda a gente é rei, como em terra de cego. Assim, por volta da meia noite conduzimos o pessoal, explicamos do que se tratava e, no tempo livre, pois a coisa levou quase duas horas, em virtude da chegada de um caminhão tanque que, por transportar inflamável, tinha prioridade e atravessava sozinho, aproveitamos para colher algumas das mangas que lotavam os vários pés existentes no local.
Na outra margem do Madeira, pulamos na cama (poltrona) e dormimos regiamente o resto da noite, só escutando o barulhinho da chuva, que alagava Rondônia.

Beijos,
Sayo e Claudio





Porto Velho, 07 de janeiro de 2014.

Caro Amigo,

A água tomava conta de tudo. Olhando para a lateral da pista eram poças e poças de uma água marrom. E a chuva não passava.

A estrada por vezes boa, por vezes uma infinita sucessão de buracos, enormes poças de água que não se podia imaginar a profundidade.

Como o batedor de nossa primeira viagem, o Carlos, ainda estava em férias no Peru, o Indiana, que quase não gosta, acumulou diversas funções. Ele era o batedor que, quando parávamos, corria para inspecionar o local e constatar se o restaurante tinha condições de banho e de servir comida para quarenta pessoas. Era também o encarregado do DVD e o tradutor, que auxiliava os motoristas nos postos da Policia Federal, balanças ou posto de gasolina.

Seguíamos ensinando algumas palavrinhas básicas em português aos peruanos; dando-lhes conselhos de como proceder no Brasil, principalmente na rodoviária e em grandes aglomerações; verificávamos o melhor local para parada para os que não se destinavam a São Paulo, que desceria no caminho.

Os Ferreira Souza, com alguma experiência médica, cuidavam de aconselhar os peruanos que se encontravam com algum pequeno problema de saúde, pois, fatalmente, em uma longa viagem, como a nossa, as pessoas adoecem Os bebês, tínhamos dois no ônibus, até que não deram trabalho, mas sentiam a falta de fraldas descartáveis, a irregularidade de banho e o confinamento. 

E todos fomos trabalhando como tradutores, quando, nas paradas, surgia alguma dificuldade, pois afinal de “enchufe” para tomada há uma grande diferença. Por mais que se diga que português e espanhol são línguas muitos parecidas, a coisa, na realidade, não é bem assim e, ademais, ainda existe a profunda diferença de costumes e, para essa, serão precisos muitos anos para vencer.

Uma delas é a que, no Brasil, os motoristas comem de graça, nos locais de parada para refeições. Juan e Flores não o sabiam; assim, em todas as paradas, nós conversávamos com os proprietários para que eles recebessem o benefício, afinal eram uns heróis, que não só dirigiam, mas consertavam as coisas que iam se quebrando, lavavam o banheiro, limpavam o ônibus (mais ou menos, ah, ah, ah!) e até procuravam mercados para que as mães, sem experiência em longas viagens, comprassem fralda para seus filhos. Seguiam sempre tranqüilos, risonhos, apesar de não saberem quando voltarão para casa, pois, com os desmoronamentos, provavelmente farão viagens somente entre São Paulo e Puerto Maldonado, por um longo período.

Tudo por um pequeno salário, tão pequeno quanto será... hora do jantar, contamos depois.

Beijos,
Sayo e Claudio



Alvorada (MS), 08 de janeiro de 2014.

Caro Amigo

Tão pequeno quanto será o miserável salário que muitos dos peruanos, que nos acompanhavam, receberão em trabalhos escravos, que farão no Brasil, em confecções, a exemplo do que vem acontecendo com os bolivianos. Uma vergonha para nós, brasileiros, para qual o governo vem fechando os olhos por anos.

Uma situação degradante para eles, que se vêem obrigados a abandonar suas casas, muitas vezes deixar suas família, para submeterem-se a qualquer sorte de trabalho que lhes é oferecida,  em virtude da total e desesperadora falta de condições de sobrevivência em seus países.  Observe-se que eles não vêm pedir asilo e lotar praças sem nada fazer. Eles vêm vender o único bem que ainda lhes resta, sua força de trabalho, enquanto inescrupulosos tratam de explorá-los e negar-lhes os direitos mínimos garantidos aos trabalhadores brasileiros.

O biótipo do peruano, exceto do que vive na capital, onde já houve uma enorme miscigenação, é muito similar ao do índio brasileiro, pele morena clara, estatura média/baixa, cabelo preto liso, olhos amendoados. O que, por si só, muito provavelmente, lhe representa um fator de discriminação quando da busca de emprego aqui; além do fato de que, por terem visto de turista, estarão trabalhando ilegalmente, mas um trunfo para os exploradores.

E, em meio a tais conflitos, a chuva foi ficando para trás e sol chegando junto com Mato Grosso e a quarta-feira.

 Nos acostumávamos, dia a dia,  à rotina do ônibus, a admirar a beleza da paisagem, tão verde, a tirar muitas fotos e longos e reparadores cochilos. Entre tais cochilos, muitas risadas, ao lembrar de certas passagens dessa viagem, que, afinal, nos resultou muito peculiar e divertida.

E foi chegando um preguiça de voltar a rotina de nossas vidas, afinal estava até gostoso o nada ter que fazer por todos esses dias de viagem, só olhar, escrever, escrever, escrever(pobrezinho do Caro Amigo que terá que ler tudo isso, ah, ah, ah!) e dormir; isso meu companheiro também fazia com maestria, descansou de todas as suas aventuras, afinal, como Dom Quixote, já não é tão jovem, há que sentir o cansaço da estrada, por menos que queira admitir  e, muito principalmente, há que por a mente a maquinar novas aventuras (ah, ah, ah!).

E tudo transcorreu na mais completa tranqüilidade até a nossa chegada a São Paulo, já no dia 09/01/14, às 12:00 horas.

Beijos,
Sayo e Claudio





Santos, 10 de janeiro de 2014.

Caro Amigo,

Conhecer Machu Picchu (montanha velha em quéchua), sem ter escutado esse pouquinho de história que compartilhamos com o Caro Amigo, seria um pecado, pois, para apreciá-la devidamente, há que se conhecer as circunstâncias e ideais que envolveram sua construção e perpetuação, assim como conhecer as perspectivas e anseios de seus idealizadores; que permeiam, até hoje, apesar dos conquistadores, o modo de ser do povo andino, os peruanos.

Então, em 30/12/13, fizemos nossa visita a Cidade Perdida dos Incas, declarada Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade pela UNESCO e escolhida como uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno.

A cidade, a 2.400m de altitude, está quase sempre envolta em neblina, tem um ar fantasmal, assim como sua própria história, envolta em profundos mistérios. O império inca teve catorze imperadores e seu grande auge ocorreu entre os anos 1430 e 1525. Pachakutec foi o grande idealizador dessa cidade que é a máxima expressão da arquitetura imperial inca.

A cidade divide-se, à grosso modo, em setor agrícola, composto por vários terraços, para conter a erosão,  com engenhoso sistema de irrigação, nos quais se cultivava milho, mandioca, batata-doce, quinua e coca, cujas folhas eram usadas para rituais.

A zona urbana, composta por com um observatório astronômico, três praças e um complexo de casas.

No setor sagrado estão os Templos Inti Watana, das Três Janelas e do Sol.

Em muitas partes da cidade, já tão envolta em mistérios, encontram-se referências a três importantes divindades incas: o condor, no ar, que representa habilidade; o puma, na terra, que indica força; e a serpente, sob a terra, representando sabedoria.

A sua localização foi escolhida em virtude da grande disponibilidade de água e da matéria prima necessária para construção, as pedras, bem aos pés da Huyna Picchu (montanha nova), que também pode ser visitada, por quem tiver preparo físico, pois a caminhada, para subir ao topo da montanha, é íngreme, acidentada e leva mais de uma hora.

 Calcula-se que a sua construção, no engenhoso sistema de pedras perfeitamente encaixadas,  para moradia de 500 a 700 pessoas, levou entre 50 e 80 anos. Acredita-se que foi abandonada oito anos depois da chegada dos espanhóis, em 1540, sem que se saiba exatamente o motivo.

As edificações foram construídas em pedra com os tetos de palha, motivo pelo qual nada sobrou deles, após 400 anos em que a cidade esteve abandonada, perdida e tomada pelo mato, já que os espanhóis nunca puseram seus pés nela, ou lançaram seus olhos sobre sua imensa riqueza, tudo foi mantido em segredo pelos nativos.

Acredita-se que Machu Picchu destinava-se a morada de intelectuais, estudiosos e sacerdotes, pessoas de inteligência bem dotada, seria um centro de estudos. Alguns defendem que tenha sido o local de repouso do imperador inca. Há, ainda, místicos que acreditam ser um local de contato entre incas e extraterrestres.  Fato é que o local era suntuosamente adornado por riquíssimos objetos de outro e prata, um luxo oferecido a poucos.

A cidade não podia ser vista do vale, um dos motivos para somente ter sido encontrada em 1911, por um arqueólogo norte-americano, Hiram Bingham, com ajuda de um menino quéchua, pois os moradores locais já sabiam da existência das ruínas. De posse da correta localização de Macchu Picchu, dizem que ele a saqueado por anos, levando para os Estados Unidos todos os objetos de valor encontrados no local. Objetos que, hoje, se encontram em um museu particular de sua família. Infelizmente, o governo peruano da época, nada fez, apesar dos protestos ocorridos em várias cidades.

Machu Pucchu foi encontrado intacto, capaz de fornecer informações preciosas sobre a cultura inca, já que as demais cidades foram quase que totalmente destruídas ou muito modificadas pelos conquistadores espanhóis, que edificaram suas construções sobre as dos incas.

O local é fantástico e mistérios a serem desvendados estão em cada pedacinho dele, mas, em nossas mentes, a grande interrogação, o grande mistério, que permaneceu sem qualquer resposta, é como os conquistadores, os invasores espanhóis, e uma seqüência de governos desastrosos conseguiram destruir a grandiosidade e o brilhantismo do povo inca, reduzindo seus descendentes à condição de quase miserabilidade que vimos por muitos locais do país.

E aí, lembramos de algo que lemos, recentemente, em nossa viagem para Santiago do Chile, em um cartaz, dentro do metrô: ”Al cumprir 3 años un niño de una família rica ha oído 33 milhones de palabras, el de uma família pobre, 11 milhones. ¿Cómo revertiremos la diferencia? Cambia el mundo”. Ou seja, ao completar três anos, uma criança de uma família rica escutou 33 milhões de palavras, a de uma família pobre, 11 milhões. Como reverteremos essa diferença? Mude o mundo. 
E percebemos, uma vez mais,  que foi na negativa à educação que muitos de nós, latino-americanos,  fomos  por eles transformados  em pobres e ignorantes. Foi exatamente no momento em que nossos bisavós, avós e pais, muitos deles migrantes e imigrantes, deixaram de ter palavras para nos transmitirem sua cultura e foram obrigados a aceitar o pouco que lhes era dado, como se fosse tudo que mereciam. Foi exatamente nesse momento que deixamos de ser ricos; no momento em que abandonamos nosso ecológico prato de folha de bananeira por um prato de lata de goiabada, resto que alguém abastado já não queria e descartou, sobra!
Uma vez mais, como sempre acontece, com a graça do bom Deus, tivemos o imenso prazer de visitar lindos lugares, rever queridos amigos e conhecer pessoas admiráveis, como já contamos ao Caro Amigo, que cruzaram o nosso caminho e contribuíram para tornar nossas vidas ainda mais felizes; além de contar com a excelente companhia do Caro Amigo, lógico!
Obrigado por escolher nossa empresa para sua viagem (ah, ah, ah!)

Hasta la vista!

Beijos,
Sayo e Claudio



PS : Caso você não seja tão aventureiro quanto nós, viaje junto com a Record, por meio do link abaixo.









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