Santos, 26 de maio de 2013.
Caro Amigo,
Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2011
Dom Quixote - Epílogo
Naquele dia, D. Quixote acordou em sobressalto.
Sonhara com moinhos de vento, batalhas, caminhos poeirentos de
lança em riste, sempre na companhia do seu fiel vizinho do fundo da rua, Sancho
Pança.
Esfregou os olhos, cego pelo raiar da manhã. Dois tímidos raios de
sol rasgavam a janela e aqueciam a penumbra do quarto. Estava atrasado.
Os combates – ditavam as boas regras da cavalaria – deveriam
sempre dar-se inicio ao alvorecer da manhã.
Tentou sair da cama em silêncio.
- Quixote… onde vais a esta hora da manhã?
- Ahhh… Dulcimeia, minha querida… acordei-te… dorme, meu amor… ia
simplesmente buscar um copo de água…
- Quixote… conheço esse teu ar… é o ar de quem estava a pensar
levantar-se.
- Não, não, claro que não, que ideia…
- Quixote !
O tom não admitia réplica.
- Bem… talvez estivesse a pensar… levantar-me um pouquinho, sim…
mas só um pouquinho…
- Isso já eu sabia… mas porque insistes tu nisso? Quantas vezes já
falámos nós sobre esse assunto?
- Mas, querida…
- Não, Quixote, não… não insistas. Eu é que ouço depois a mulher
do Sancho Pança a queixar-se, que o marido chega todo cansado a casa, que tu o
obrigas a correr atrás do teu cavalo e sei lá que mais…
- Dulcineia, meu amor, mas eu…
- Não, Quixote… mil vezes não. Volta imediatamente para a cama.
Ele olhou desconsolado para a porta entreaberta do quarto.
- E se for só um passeio pequenino? – ainda tentou – talvez só até
ao moinho…
- Quixote !
Aquilo soou como uma ordem.
- Sim, meu amor…
- Quixote… que idade pensas que tens? Vinte anos?
- Não…
- Pois claro que não… tinhas vinte anos quando nos conhecemos e
sim… nessa altura podias fazer tudo isso, lutar contra os teus moinhos de
vento… até o teu vizinho Sancho Pança – que nunca foi magro – ainda conseguia
correr… mas agora, Quixote… não crês que já é hora de descansares?
-Mas… Dulcineia, meu amor…
- Quixote… tens oitenta anos, querido… vá, vem para a cama…
- Dulcineia… mas que queres tu que eu faça? A minha pobre cabeça
ainda não percebeu a idade que o corpo tem…
Dulcineia sorria.
Esperou que ele se deitasse novamente e ajeitou-lhe as pontas do
lençol.
- Pronto, meu Quixote, assim ficas mais quentinho, dorme mais um
pouco, ainda é muito cedo… eu depois chamo-te, está bem?
Dom Quixote acenou-lhe um sim e fechou os olhos. Adormeceria de
novo e em sonhos recordaria de novo os moinhos da sua juventude, as batalhas
passadas e aquele dia de sol, numa tarde de verão em que conhecera Dulcineia, a
sua amada.
Santos, 27 de maio de 2013.
Caro Amigo,
É ... também ouvimos dizer que Dom
Quijote (ou Quixote) hoje está velho e, embora seu coração de menino ainda o impulsione
seguir, a alçar vôos, a guerrear com seus moinhos de vento, em companhia de seu
fiel escudeiro, Sancho Pança; Dulcinéia, a voz de sua consciência, teima em
pregar seus pés ao chão, ao duro e frio chão, para onde a própria vida, um dia,
se encarregará de levar a todos nós
Assim, em nossa constante ânsia pela
VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluímos que meticulosa investigação,
“in locu”, deve ser iniciada imediatamente, a fim de que não reste comprometido
o futuro da humanidade. Portanto, e também com o legítimo intuito de cumprirmos
nossa honrosa, longa e árdua META dos zilhões de quilômetros viajando,
resolvemos colocar, novamente, nossos pés na estrada.
Aproveitaremos a oportunidade para comer
mais um bacalhauzinho lá por Portugal, quem sabe regado a vinho do Dão; para
assistir a um show de dança flamenca e comer uma “paella marinera”, lá pelo sul
da Espanha; e, muito principalmente, para participar do casamento de amigos
muito queridos, lá na França. Tudo muito chato, não é?
Mas nada estará completo sem a sua
deliciosa companhia, portanto: Vem com a gente!
Sayo e Claudio
Santos, 28 de maio de 2013.
Caro Amigo,
Para que você, que irá nos acompanhar
em nossa árdua jornada até os confins da terra, não se perca da caravana, estamos
mandando um mapa, com o roteiro da expedição.
Compre seu bilhete, faça as malas
(não esqueça o protetor solar e o maiô, já que o corpinho não está permitindo
biquíni, afinal é quase verão e iremos pegar umas praias portuguesas), pegue o
passaporte, avise os familiares, desligue o gás, regue plantas, deixe o gato
com o vizinho, prepare o bolinho de bacalhau, abra um vinho branco geladinho
(talvez seja melhor um cálice de Porto com pastel de Belém), desligue o celular,
escolha uma poltrona confortável, ligue o computador e VEM COM A GENTE!
Aproveite para enviar alguma dica
para tornar nossa viagem ainda mais interessante. Talvez alguma cidadezinha,
que já visitou e achou incrível; um restaurante, que viu em alguma revista de
turismo; um lugar que você gostaria de conhecer, mas ainda não teve tempo; ou
mesmo o endereço de sua adorável prima portuguesa, que faz que faz uns docinhos conventuais de comer
rezando, pois teremos imenso prazer em visitá-las, conferir os quitutes e
contar tudo, nos mais mínimos e prazerosos detalhes.
Beijos,
Sayo e Claudio
Lisboa, 01 de junho de 2013.
Caro Amigo,
Partimos de Guarulhos em direção à BH
(o nome carinhoso de Belo Horizonte), estranho, né? Também achamos, mas nos
valeu uma economia de 400 dólares, partir para Lisboa desde BH, pois como os
preços do aeroporto de Guarulhos são astronômicos, as empresas aéreas estão
preferindo sair de outras cidades. Não se esqueça de observar isso em sua
próxima viagem, perde-se algumas horinhas, é um pouco mais cansativo, mas a
economia é legal, nos valeu cerca de 1/3 do valor do carro que usaremos na
viagem.
O vôo TAP não teve grandes novidades,
saiu no horário, a comida não teve nada de excepcional, estava até um pouquinho
salgada; mas também, servir arrumadinho de carne seca no avião é algo arriscado.
Saímos pontualmente no horário e assim também chegamos a Lisboa, um final de
manhã de sábado, ensolarada e quente.
Sem muita demora já estávamos
arrumando as malas dentro do nosso carro, um Peageout, 207 SW, uma espécie de perua,
pois com a crise na Europa, não conseguimos fazer leasing com a Renault e, tão
pouco, conseguimos o carro mais econômico da Peageout, quase ficamos foi sem
carro.
Mas valeu à pena, pois conseguimos,
por um pouco mais, um carro com porta-malas maior, que acomodou, confortavelmente,
nossas três boas malas, uma das quais só será aberta no final da viagem, Pois
são presentes para nossos amigos franceses e para o casamento. E, de quebra,
ainda recebemos um teto envidraçado, para admirar melhor o cenário durante a
viagem.
Até pegarmos o carro, ainda não
havíamos decidido que caminho seguir, seguramente não ficaríamos em Lisboa,
onde já estivemos algumas vezes, nossa dúvida era se seguiríamos em direção a
Aveiros, onde interrompemos a viagem passada, ou se iríamos para Sintra.
Rapidamente optamos pela segunda e pedimos o auxilio do senhor, que nos
entregou o carro, já nosso conhecido do ano passado, para programarmos o GPS,
afinal, o carro já vinha com um embutido no painel, seria nossa primeira
experiência com essa máquina mirabolante. Nem bem ele fez a programação e, na
primeira esquina, resolvemos, antes de seguir para Sintra, comer um pastelzinho
de Belém.
A cidade estava calma, sem trânsito,
as praças cheias de gente desfilando suas bermudas, recheadas de pernas
branquíssimas, pelo sol e, em cada uma delas, uma festa, com brinquedos
infantis, feirinhas de bugigangas e muito comes-e-bebes; descobrimos que o
motivo de todo o alvoroço era a comemoração do Dia da Criança. As pequenas
lojas abertas, cheias de gente bisbilhotando; alguns lendo jornal em pequenos
cafés; uma divina tarde de sábado, não fosse aquela portuguesinha, que mora
dentro do tal GPS, romper a harmonia reinando ao ficar repetindo, com aquela
voz chata, faça isso, faça aquilo, enlouquecida com nossa mudança de planos.
Isso lá são férias? Acho (Sayo) que prefiro o velho e bom mapa que, ao menos, é
mudo e obediente, como todo marido deveria ser (ah, ah, ah!). Vamos ver qual
será a opinião do Kuc... ele adora modernidades!
Como sempre, encontramos o Pastel de
Belém maravilhoso, aquela massa morna, super crocante, que lembra uma massa
folheada e faz croc-croc a cada mordida, recheada de um creme de sabor muito
delicado, tudo polvilhado com açúcar impalpável e canela; se acompanhado de um
cálice de vinho do Porto consegue ficar ainda melhor. Dessa vez, aproveitamos
para provar também o pastel de bacalhau (o nosso bolinho de bacalhau) do famoso
“Pastéis de Belém”, que vem com uma casquinha muito morena e rija, que
contrasta de modo muito interessante com seu interior, amarelinho e macio,
muito bom, mas poderia ser servido mais quente.
Sintra fica em uma região serrana,
muito próxima a Lisboa. Uma linda paisagem, onde a estrada estréia serpenteia
por bosque de árvores frondosas, pedras cobertas de musgos e elegantes
palacetes que, embora já não estejam em seus áureos tempos, ainda guardam muito
de sua imponência. Com a chegada da noite, a temperatura cai terrivelmente;
encontramos um hotel bem charmoso, com proprietários muito simpáticos, que nos
deram um bom desconto, pois os preços locais, por tratar-se de cidade muito
procurada por turistas, é um pouco salgado.
Depois de um delicioso banho e com
roupas mais quentinhas, saímos para cumprir mais uma meta... jantar um
suculento bacalhau, claro! Afinal estamos em Portugal e há que se fazer como os
portugueses.
Beijos,
Sayo e Claudio
Sintra, 03 de junho de 2013.
Caro Amigo,
É ... acabamos ficando um pouco mais
em Sintra. Nosso hotel, já no moderno conceito de boutique hotel, estava tão
aconchegante, e a cidade tão cheia de coisas interessantes, que acabamos ficando.
E lá vai nosso primeiro atraso da viagem, vislumbramos não cumprir nossas
metas, já que Sintra nem estava no nosso roteiro, pois já a havíamos visitado,
há bons quinze anos. Mas prometemos não perder nem os moinhos de vento, nem o
casamento.
E por falar em rever locais já
conhecidos, temos nos apercebido da grande diferença que enxergamos, agora mais
velhos, nos locais que conhecemos mais jovens. Locais históricos, como o caso de
Sintra, pouco ou nada mudam ao longo de vários anos, uma restauração aqui,
outra ali, mas nada que altere sua essência. Já não podemos dizer o mesmo dos
olhos com que os olhamos, da maior atenção que damos a cada detalhe, de como o
novo e completamente impecável já não nos parece tão bonito, do quão importante
passou a ser conhecer um pouquinho mais da história que cerca o local.
Aprendemos a ver a beleza no que, talvez, tenha perdido seu viço, mas que guarda, em
seus traços, a essência do belo.
Depois de um delicioso “pequeno
almoço” (café da manhã em Portugal), com direito a um expresso à beira da piscina,
caímos no mundo; pois já que a cidade foi declarada Patrimônio da Humanidade
pela UNESCO, assim como suas serras, e escolhida para construção de castelos de
verão de reis e duques, além de muitos lindos chalets de ricos e famosos,
espalhados pelos bosques e encostas, havia muito por fazer.
Existe um bilhete único no valor de
trinta e quatro euros, que inclui os principais pontos de visitação da cidade,
mas houve um mal entendido entre nós e a mocinha do guichê (até parece que não
falamos português! Ah, ah, ah!), que acabava de iniciar seu dia de trabalho, e
parecia mais perdida que nós, que acabou nos vendendo um de trinta e dois
euros, que não incluía o Chalet da Condessa. De qualquer modo, o Caro Amigo
fica ciente de que poderá comprá-lo e, o mais importante, usá-lo durante um
mês, outro detalhe que não nos foi informado, nem está escrito nos cartazes e
bilhetes, mas que faz toda diferença, pois nos danamos de andar, sem parar nem
para comer, a fim de cumprir o roteiro do dia (ao menos pudemos nos esbaldar no
bacalhau do jantar, já que gastamos muitas calorias).
O romantismo trouxe um estilo
arquitetônico no qual as casas passaram a ter menor tamanho, visando uma maior
interação e intimidade familiar; janelas e portas aumentaram de tamanho, a fim
de possibilitar maior ventilação e iluminação, com vistas a uma vida mais sã;
aparecem os sistemas de aquecimento central, água encanada e o quarto de banho,
visando uma maior comodidade; os móveis, principalmente sofás e camas, deixam
as paredes dos aposentos e se espalham por ele de forma mais harmoniosa; surgem
os ambientes masculinos e femininos, como sala de jogos, biblioteca, sala de
leitura e de trabalhos manuais; é também a época da vida ao ar livre, dos
bailes suntuosos, com troca de olhares e código de leque
Por ordem de excelência, o Palácio da
Pena é imperdível, construído por D. Fernando II, no século XIX, o primeiro
edifício com água encanada de Portugal e o melhor exemplar de arquitetura
romântica do país. Ele é realmente lindo, está mobiliado de forma primorosa.
Outro item imperdível, embora pobre
de mobiliário, é o Castelo de Montesserrate, muito rico em detalhes arquitetônicos,
num estilo eclético, que harmoniza o romântico, da época, traços góticos e modejar (do qual falamos no ano passado), de influência
mourisca. Francis Cook, um abastado comerciante inglês, o mandou construir o
pequeno castelo como casa de verão, em 1856.
Ele, assim como o anterior, é cercado
por um enorme parque, local para uma boa caminhada ou cenário para um gostoso
piquenique.
No pequeno centro da cidade,
localiza-se o Palácio Nacional de Sintra, que tem raízes árabes, que teve seu
início de construção no século XIV, é interessante, mas não imperdível.
O que de melhor posso (Sayo)
aconselhar sobre o Castelo dos Mouros é que o veja de longe, é de onde ele é
mais fotogênico. Claro que o Kuc, seguramente, dará outro conselho, que o Caro
Amigo o escale pedra por pedra, degrau por degrau, que pague todos os seus
pecados. Não vi muita serventia, a não ser para a dieta, em conhecê-lo
pessoalmente, pode até lembrar as Muralhas da China, mas nem de longe tem toda
sua fama. A bonita vista que proporciona pode ser igualmente vista de muitos
outros lugares da região.
Quanto ao Convento dos Capachos, ou
Convento da Cortiça, pela ampla utilização desse material para revestir suas
frias paredes de pedra, também é algo dispensável, o local está quase em ruínas.
Edificado em 1560, pelos Franciscanos, é um conjunto de minúsculas selas,
igreja e outros pequenos cômodos, parte deles escavados em rochas, que
demonstram a extrema pobreza em que viviam os padres.
Hoje, ainda pela manhã, fomos ao
Chalet da Condessa d’Edla, a segunda esposa de D. Fernando II, o que construiu
o Palácio da Pena. Provavelmente a construção foi feita para satisfazer os
gostos da Condessa, pois tem uma decoração berrante, que nos pareceu de muito
mau gosto, quase grotesca, em nada lembra a elegância do Palácio. Os jardins do
entorno são famosos por abrigarem espécies botânicas dos quatro cantos do mundo
colecionadas pelo casal.
Despedimo-nos, com muitos abraços, de
João e Maria, nossos senhorios, e partimos. Já em Alcobaça, ao chegarmos ao
hotel, percebemos que o Kuc esqueceu... estamos morrendo de fome, o dia foi
puxado, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio
Óbidos, 03 de junho de 2013.
No caminho para Alcobaça, paramos
para conhecer Óbidos, um pequeno vilarejo, construído no século XIV encerrado
entre pesadas muralhas, famoso pela Ginja, um licor feito de uma espécie de
cereja, que tem o gosto um pouco amargo, e é vendido em cada esquina, em garrafas
ou copinhos de chocolate, para beber na hora.
A cidadezinha é graciosa, cheia de
lojinhas que vende, além da Ginja, muitas peças de cerâmica. Ruas estreitas,
feitas de pedrinhas já muito polidas pelos pés dos turistas, ladeadas por
casarios assobradados, lembrando a arquitetura de algumas cidades da Bahia ou
Paraty.
Chama a atenção os vasos presos às
fachadas por anéis de ferro e as trepadeiras, que brotam de pequenas cavidades
feitas na calçada, defronte das casas, e que enchem suas fachadas de vida e
cor.
Chegando a Alcobaça, quando
entrávamos no hotel, que fica bem em frente ao Monastério de Santa Maria de
Alcobaça, a maior igreja do país, declarada Patrimônio da Humanidade pela
UNESCO, o Kuc se apercebeu que havia esquecido seu passaporte o hotel de
Sintra. Lembramos da vez que ele esqueceu todo o dinheiro no hotel, lá na Romênia,
pelo menos agora só teríamos que voltar pouco mais de cem quilômetros, seria moleza
(ah, ah, ah!).
E por falar no Monastério de Santa
Maria de Alcobaça, é nessa igreja que estão enterrados de Dom Pedro I (de
Portugal), filho e herdeiro de Dom Afonso IV, e Inês de Castro, aquela Inês de
“agora Inês é morta”. Contam que, nos meados dos 1300, Pedro, que vivia nas
imediações do rio Mondego, em Coimbra, em virtude de acordos políticos, casou-se
com Constança Manuel, filha dos reinos de Aragão, Castela e Leão; mas veio a
apaixonar-se perdidamente por Inês de Castro, a dama de companhia de sua esposa,
e foi correspondido. Sabendo do romance, que se tornou um escândalo na corte, o
rei manda exilar Inês em Castela, mas o casal segue se correspondendo
apaixonadamente. Com a morte de Constança, o príncipe trás de volta sua amada,
para um palácio perto do mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, e o casal passa a
se encontrar na Fonte dos Amores, que até hoje jorra, na Quinta das Lágrimas,
onde está instalado um hotel, que pode ser visitado pelos turistas. Pedro torna-se amigo dos irmãos de Inês,
Álvaro e Fernando, e, novamente, a política volta a ditar o destino do casal,
pois o rei, D. Afonso IV, vê perigo nessa relação, tanto pela possibilidade de
desagradar Castela, como pela de os irmãos virem a causar algum mal a seu neto
legítimo, filho de Pedro e Constança, a fim de colocar um bastardo, filho de
Inês, no trono de Portugal. Aconselhado por três de
seus conselheiros – Pedro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco –
decide-se pela morte de Inês, que se consuma em 7 de janeiro de 1355, quando os
três a encontram só, pois Pedro havia saído para caçar, e a degolaram impiedosamente,
enterrado seu corpo na igreja de Santa Clara. Pedro
ficou louco de dor e num arrobo de cólera, levanta um exército contra o pai,
que revida, sendo a paz restabelecida após a intervenção de Dona Beatriz, a
rainha mãe. Mas nada consola o coração do pobre Pedro que, com a morte do pai,
dois anos depois, é coroado rei e, como primeiro ato, consegue por as mãos em
dois dos assassinos de sua amada, Pedro Coelho e Álvaro Gonçalves, o terceiro
foge, e os manda matar arrancando-lhes os corações, um pelas costas e outro
pelo peito, é o que contam. E não satisfeito... o Caro Amigo já deve estar
cansado de tantas intrigas palacianas, deve até já conhecer a tal história,
voltemos à viagem.
Felizmente, o Kuc ficou íntimo da
moça que mora dentro do GPS, a Maria, vai para todo lado de braço com ela,
então voltamos a Sintra num piscar de olhos. Já que perdi minha função de
co-piloto, dedico-me, agora, somente à elaboração do roteiro e à escrita, penso
que, se ele arrumar uma máquina que faça malas, acabará me deixando em casa
(ah, ah, ah!). Outra “comodidade” de nosso carro é o teto de vidro, para mim
está mais para “incomodidade”, já que não sou muito fã de sol, enfim ... deixo
o Kuc divertir-se um pouco com o novo brinquedo e aproveitar o delicioso verão.
No caminho de volta para Alcobaça, já
com o passaporte na mão, paramos novamente em Óbidos, agora para jantar. A
cidade que, durante o dia vibrava, agora estava quase sem vida. Escolhemos o
restaurante e, para nossa surpresa, o bacalhau havia acabado, já não cumpriríamos
a meta de comê-lo todos os dias, restou-nos o polvo, que estava de chupar-se os
dedos.
Beijos,
Sayo e Claudio
Tomar, 05 de junho de 2013.
Escolhemos a cidade Alcobaça como
base, para conhecer os arredores, que pontilhado de interessantes cidadezinhas.
Após o café, saímos para linda manhã de sol, há que aproveitá-la bem, pois a
meteorologia prevê queda de dez graus na temperatura, a partir de amanhã.
Nossa primeira parada foi em Fátima,
para rever a Virgem e agradecer as bênçãos recebidas desde a nossa última
visita, no ano passado. A cidade está um brinco, já toda reformada, muito limpa
e cheia de hotéis. Encontramos Nossa
Senhora com sua linda carinha serena, quase sorrindo, a dizer-nos para não ter
medo. Compramos algumas lembranças, assistimos a missa, enchemos garrafas com
água benta e seguimos.
Demos uma paradinha no supermercado LIDL,
o nosso predileto depois do ALDI, afinal é preciso preparar suprimentos para
possíveis piqueniques e para o caso de perdermos a hora do jantar, já que
estamos na Europa e nem sempre se encontra um restaurante aberto depois das dez
da noite. Continuamos pela estrada, que, estreita, segue por pequenas
propriedades, onde as senhoras, com lenços na cabeça e vestidos surrados, regam
suas hortas e videiras; atravessa olivais, com seu verde acinzentado e vai
seguindo, vagarosamente, por pequenas vilas, onde a vida caminha sem nenhuma
pressa.
Tomar é uma pequena cidade, com um
centro histórico preservado, arborizada, realmente talvez tivesse sido a melhor
opção de hospedagem para conhecer a região, porém, agora, “Inês é morta”. É berço da ordem dos Cavaleiros Templários, que
nela construíram uma fortaleza, em 1160, onde foi feito um oratório, baseado na
rotunda do Santo Sepulcro, de Jerusalém, com um octógono de altares, onde os
monges-cavaleiros entravam, montados em seus cavalos para rezar, mais conhecido
como charola, que foi declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO.
Com a extinção dos templários, o
castelo passa para a Ordem de Cristo, em 1319, que o vão ampliando e o
transformam em um enorme convento, com detalhes manuelinos e azulejos em sua
decoração.
Na saída passamos pelo Aqueduto de
Pegões e seguimos para Constância, já a beira do rio Tejo, muito simpática, de
casas brancas com detalhes amarelos, como geralmente se vê na região, e um pequeno
jardim botânico, dedicado Camões, que traz exemplares de das plantas por ele
citadas, junto ao trecho do poema que a elas se refere.
Avistamos o Castelo de Almourol, que
se ergue solene de uma ilha no meio do Tejo, também construído pelos
templários. Dizem que ele é assobrado pela alma de uma princesa, que suspirava
de amores por um escravo mouro.
E fomos seguindo pela Rota do Vinho
Ribatejo, passando por Golegã e pequenas aldeias agrícolas, em direção a
Santarém.
Como estamos na primavera, rosas e
gerânios colorem os jardins das casas, nas pequenas vilas por onde vai seguindo
a estrada.
Chegamos a Santarém, já mais de seis
da tarde, ainda com tempo de receber um carimbo do Caminho de Santiago, na Igreja
de Nossa Senhora da Piedade, pois como estamos percorrendo cidades que estão na
rota, resolvemos completar nossa credencial, um modo de recordarmos o
maravilhoso Caminho que fizemos no ano passado.
Porém não chegamos cedo o suficiente
para visitar a Igreja de Nossa Senhora das Graças, onde está o túmulo de Pedro
Álvares Cabral. Observamos o Tejo, com seus vários bancos de areia, desde a
Porta do Sol.
E por hoje é só, já são 08:30 da
noite e se o Caro Amigo não está cansado, nós estamos e doidos para comer um
bacalhau no Restaurante Antonio Padeiro, um dos melhores da cidade, que nos
recomendaram no hotel. Sobre o fim da história de Pedro e Inês? Contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio
Alcobaça, 06 de junho de 2013.
Caro Amigo,
E não satisfeito, Pedro
jura ter se casado com Inês em segredo, o que a tornava rainha. Ele, então,
ergue um mausoléu em mármore branco, finamente esculpido, na igreja Santa Maria
de Alcobaça, em cuja tampa aparece a cabeça da rainha coroada, para onde o
corpo, após ser desenterrado, é levado em um cortejo seguido por cavaleiros,
damas e clero, tendo, ao longo de todo o caminho, mais de mil homens com círios
nas mãos, fazendo com que o corpo seguisse sempre entre velas. Mas não sem
antes colocá-la no trono, coroá-la e obrigar os nobres a beijar sua mão
cadavérica, porém já tarde demais, pois agora Inês é morta. E que fim levou o
pobre Pedro é o que o Caro Amigo deve estar se perguntando, logo veremos.
Visitamos o Monastério
de Santa Maria de Alcobaça , fundado em 1156, para honrar uma promessa do rei
Afonso Henrique de construir uma igreja para os cistercienses, caso conseguisse
tomar a fortaleza de Santarém.
Com exceção da sala,
onde a história da vitória do rei é contada em azulejos (azuis, claro!) e
algumas poucas estátuas de reis portugueses que restaram; o monastério, em
estilo gótico, é tudo muito austero, pé direito altíssimo, pesadas colunas de
pedra, tetos abobadados, arcos em forma de mãos postas.
Lógico que, em lá
estando, todos os olhos buscam, avidamente,
o corpo de Inês e lá está ele, quase que perdido em meio às gélidas
colunas e abóbodas de pedra, de uma igreja desprovida de muitos adornos, no
final do longo corredor de bancos da nave principal, na lateral esquerda, já
bem junto ao altar, e na lateral direita, fitando-o por toda a eternidade, jaz
o também frio e branco caixão mortuário de Pedro, seu eterno amado.
Voltando à viagem, há um
bilhete único, que custa 15,00 euros, com o qual se pode visitar os três
monastérios, Tomar, Alcobaça e Batalha, podendo ser usado durante sete dias.
Porém a visita aos túmulos de Inês e Pedro é gratuita, pois estão dentro da
igreja.
Seguimos para Nazareth,
já na beira do mar, um balneário bastante famoso e movimentado, onde pescadores
ainda secam seus peixes em grandes armações ao longo da praia, sob os atentos
olhos dos turistas e das gaivotas.
Apesar do sol, a manhã
estava fria e o vento espalhava o cheiro de sardinha pela cidade toda.
Subimos a Sítio, o
pequeno vilarejo onde está a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, que recebeu
esse nome porque a pequena imagem da Santa amamentando Jesus, que pode ser
visitada em seu altar, de lá foi trazida no século IV . Contam que, durante a
invasão moura, ela foi escondida entre as pedras do alto penhasco, no qual a
vila foi edificada; sendo novamente escondida durante a invasão de Napoleão,
que buscou avidamente a valiosa imagem, sem encontrá-la. Trata-se de uma imagem
acinzentada pelo tempo, quase negra, mas de um valor sentimental e histórico
quase incalculável. Também nos contaram que já houve tentativas de restaurá-la,
mas a tinta escorre e não adere à superfície da imagem.
Na saída da igreja de Kuc teve um
súbito desejo de comer (?) (não existe isso no dicionário dele, pois está
sempre em estado de desejo de comer algo ah, ah, ah!) sardinha na brasa, já passava do meio dia,
realmente o estômago já ensaiava algumas notas. Eu, como sempre a voz da
prudência, sugeri um dos simpáticos restaurantes da pracinha da igreja, pois já
previa o nefasto que seria um piquenique com sardinha na brasa.
Ele fez beiço, pois considera uma das
regras da CRKTour não parar para o almoço, diz que perde-se tempo;
portanto, se Caro Amigo deparar-se, em
uma de nossas andanças com um maravilhoso restaurante, no horário do almoço em
uma daquelas paragens paradisíacas, onde um dos melhores chefs do mundo
resolveu dar uma palinha, preparando as melhores iguarias do mundo, tudo regado
a vinhos das melhores safras, em meio a macios tapetes e almofadas, com eunucos
abanando grandes leques, gueixas servindo e odaliscas bailando, saiba que, sem
sobra de qualquer dúvida, terá que seguir o roteiro de empresa e não parar para
almoçar, mesmo que o jantar do hotel seja arroz, feijão, quiabo e jiló. Creio
que só haverá exceção se for tudo, absolutamente, tudo boca livre. Eu bem que
acredito em milagres, mas, dessa vez, acho que não haverá almoço.
Mas voltando às sardinhas, e ele
tanto fez que pediu as sardinhas para viagem e fomos visitar o Farol, enquanto
elas eram preparadas. O local tem uma
linda vista do mar, que estava selvagem, bravio, arremessando-se furiosamente
contra as pedras e formando enormes ondas, que se dissipavam na praia.
Voltamos ao restaurante e, já com em
mãos, Seguimos em direção a Batalha, buscando o local para o tal piquenique,
encontrada uma pequena estradinha, que corria entre pinheiro, paramos. Ele logo
profetizou: vou parar aqui mesmo, aqui não passa ninguém. Com o coração na mão
peguei os talheres, ele até riu: Comer sardinha de talher (ah, ah, ah!). Eu,
meio patricinha, declarei odiar ficar com a mão fedendo, ainda mais a sardinha,
posto que não havia onde lavar a mão, e fui logo pegando o meus talheres.
Abrimos o vinho, cortamos o tomate,
pegamos um naco de pão, ele meteu a sardinha inteira na mão e adivinhe... é
isso mesmo, e eu, com minhas lindas mãozinhas limpas, não dirijo, então foi uma
correria, mas chegamos a Batalha, contamos depois.
Beijos,
Sayo e Claudio