Santos, 08 de agosto
de 2010.
Caro Amigo,
Ouvimos dizer
que, o Parque do Xingu criado em 1.961, pelos irmãos Villas Boas para proteger
os povos xinguanos do progresso predatório da região centro-oeste está ameaçado
pela construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte.
Assim, em
nossa constante ânsia pela VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluímos
que meticulosa investigação, “in locu”, deve ser iniciada imediatamente, a fim
de que não reste comprometido o futuro de nossos irmãos indígenas. Portanto, e
também com o legítimo intuito de cumprirmos nossa honrosa, longa e árdua META,
resolvemos colocar, novamente, nossos pés na estrada (ou será nas selvas e rios
do Xingu).
Participe
conosco desta grande aventura!
Abraços,
Claudio
Santos, 09 de
agosto de 2010..
Caro Amigo,
Para que você,
que irá me acompanhar em minha árdua jornada até os confins da terra, não se
perca da caravana, estamos mandando um mapa, com o roteiro da expedição.
--------Aéreo São
Paulo - Brasília;
------- Terrestre em carro;
Haverão
trechos na floresta realizados em avião, em barco e a pé.
Compre seu
bilhete, faça as malas (não esqueça o protetor solar e o repelente), avise os
familiares, desligue o gás, regue as plantas, deixe o gato com o vizinho e as
crianças na casa da vó (a viagem será perigosa), prepare a pipoca, pegue uma
Bohemia gelada (pode ser Brahma ou Antártica), escolha uma poltrona confortável,
ligue o computador e VEM COMIGO.
Abraços,
Claudio
Kwarup
O Kwarup (nome do ritual
na língua kamaiurá, como ficou mais conhecido) é considerado o grande emblema
do Alto Xingu, tanto por seus membros como pelos de fora, sendo inclusive
conhecidos por moradores das grandes cidades do Brasil, através da mídia.
Trata-se de uma cerimônia funerária, que envolve mitos de criação da
humanidade, a classificação hierárquica nos grupos, a iniciação das jovens e as
relações entre as aldeias.
Tanto o líder ou "dono de aldeia" como
os "donos de casas" tem uma forma diferenciada de sepultamento. No
caso dos habitantes "comuns", o corpo é envolvido por uma rede,
deitado numa cova, depois coberto por uma esteira, sobre a qual se põe terra.
Para os chefes, há pelos menos dois tipos de enterro. Num deles, o corpo é
amarrado a uma armação de madeira semelhante a uma escada, e introduzido na
cova de modo a ficar de pé, com a face voltada para leste; no outro, cavam-se
duas covas, a uma distância de três metros uma da outra, e ligadas por um
túnel. Em cada cova se põe um poste. O corpo é colocado numa rede que passa
pelo túnel e tem seus punhos amarrados aos postes. Em ambos casos se faz uma
câmara funerária, pois as bocas das covas são tapadas com esteiras e panelas de
cerâmica emborcadas, em cima das quais se põe a terra.
Algum tempo após o sepultamento de um líder,
aqueles que prepararam o corpo e o depositaram na tumba pedem aos parentes
próximos do falecido para erigir uma cerca em torno da sepultura. A aceitação
do pedido por um deles é o início do ritual do Kwarup, que compreende um longo
período. Seu encerramento ocorre na estação seca, no tempo da desova da
tartaruga tracajá, por volta de agosto ou setembro. Para essa cerimônia final,
a aldeia que está sediando o Kwarup faz um convite para os outros grupos
alto-xinguanos.
O parente que deu a permissão para a construção
da cerca se torna o “dono” do Kwarup, ou seja, responsável pela organização do
rito e pelo fornecimento de alimento e bebida para todos os convidados, devendo
para isso dispor de uma boa produção de mandioca. Parentes de outros “homens
célebres” falecidos também serão solicitados pelos respectivos coveiros, e, ao
aceitarem, se tornarão “donos” secundários do mesmo Kwarup. O “dono” principal
e os secundários convidarão, por sua vez, parentes de "homens comuns"
falecidos a se juntarem ao mesmo rito. Mas haverá uma só cerca, que marcará a
sepultura daquele que foi motivo do primeiro convite. Os coveiros ainda
exercerão a importante atividade de ligação dos “donos” com o restante da
aldeia e, no final do rito, também com os convidados.
Pouco tempo depois da ereção da cerca, os
parentes dos falecidos são banhados e pintados pelos coveiros. Nessa ocasião,
os instrumentos de percussão constituídos por um molho de cápsulas de castanhas
de pequi usados no período inicial de luto são substituídos pelos maracás,
cujos tocadores, em número de dois, agitam diante da cerca da sepultura, e
terão sua atividade mais intensa na última noite do rito, quando tocarão todo o
tempo diante dos troncos do Kwarup.
A segunda providência importante é a colheita de
grande quantidade de frutos de pequi, que amadurecem em novembro e dezembro. Os
frutos colhidos vão sendo depositados no interior da cerca que marca a
sepultura, até encher seu espaço interior. Eles são fervidos, sua polpa é
armazenada em cestas forradas com folhas, que são guardadas no fundo de uma
lagoa. Suas sementes também são guardadas em cestinhas. Já os
peixes têm de ser pescados no máximo cinco dias antes do encerramento do rito,
dada a dificuldade de conservá-los, mesmo moqueados.
Ao longo dos meses que se seguem até o
encerramento ocorrem, não necessariamente todos os dias, dois tipos de danças e
o toque de longas flautas (uruá, na língua dos Kamaiurá), sempre retribuídos
com oferecimento de alimentos pelos “donos” do Kwarup. O foco de orientação
dessas atividades rituais é sempre a cerca sobre a sepultura.
O ideal de convidar para o rito o maior número de
aldeias possível é limitado pela disponibilidade de alimentos e pelo estado das
relações entre elas. Um mensageiro, tirado do grupo dos coveiros, com dois
acompanhantes, é enviado a cada uma para fazer o convite, pautado por uma
etiqueta que lhes é bem conhecida.
No pátio da aldeia promotora do rito, cada
falecido homenageado é representado por uma seção de tronco de cerca de dois metros.
São de uma espécie vegetal que tem distintas denominações conforme as
diferentes línguas xinguanas. Os Kamayurá a chamam de Kwarup, a mesma madeira
com que o herói mítico fez as mulheres que enviou para se casarem com o jaguar.
Os troncos são colocados um ao lado do outro, de pé, embutidos em buracos de 50 cm de fundo. São pintados
e ornamentados com adornos plumários e cintos masculinos. A única distinção
entre os troncos que representam homens e os que representam mulheres é que os
primeiros são guarnecidos com mechas de algodão não fiado. Também os homens
comuns falecidos têm direito a ser representados por troncos, porém menos
grossos e com ornamentação mais simples. Os espíritos dos mortos homenageados
ficam junto aos troncos na última noite do rito e a isto se reduz a sua
participação.
Os troncos do Kwarup se tornam então o foco das
evoluções rituais, enquanto a cerca em volta da sepultura é desfeita e
transformada em lenha para as fogueiras dos acampamentos das aldeias
convidadas, cujos representantes chegam no dia que precede a última noite do
rito. Ao chegarem, os mensageiros que fizeram o convite conduzem pela mão os
“capitães” dos convidados de cada aldeia, tendo seu na frente o chefe, aos
quais se oferece assento e alimento no pátio. Depois de servidos, retiram-se de
volta para o acampamento.
Ao anoitecer, acendem-se fogueiras diante de cada
tronco do Kwarup. Enquanto os moradores da aldeia anfitriã se revezam, velando
os troncos e chorando os falecidos homenageados, os visitantes, cada acampamento
por sua vez, entram na aldeia, trazendo tochas de pindaíba para remanejar as
fogueiras, numa cena movimentada e tensa.
Após a luta, uma das moças que estava em reclusão
pubertária, muito clara por não ter apanhado sol durante meses e de cabelos
muito compridos, com franja até o queixo, por não lhe terem sido cortados,
oferece sementes de pequi aos líderes de uma das aldeias convidadas, enquanto
os “comuns” da mesma aldeia lhe retiram as jarreteiras. Isso é repetido com os
representantes de cada uma das aldeias convidadas. O ato tem uma conotação
sexual bastante clara, pois tanto no mito quanto no cotidiano a mulher tem
relações sexuais sem as jarreteiras. Além disso, admitem os xinguanos que o
atual cheiro do pequi foi transferido por um herói mítico do sexo das mulheres
para essa fruta.
É então oferecido alimento aos visitantes. Duplas
de tocadores de flautas uruá (em kamaiurá) visitantes e também anfitriões
sopram esses instrumentos, acompanhados de moças que saíram da reclusão, e se
movimentam pela aldeia, entrando e saindo das casas. O rito termina com a despedida dos convidados.
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