Santos, 07 de outubro de 2010.
Caro Amigo,
Ouvimos dizer
que, no Parque do Xingu, na Aldeia Yawalapiti, situada na confluência dos Rios
Kuluene com o Rio Tuatuari irá ocorrer a cerimônia ritualística
Yamurikumã.
Assim, em nossa constante ânsia pela VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluímos que meticulosa investigação, “in locu”, deve ser iniciada imediatamente, a fim de que descubramos o que vem a ser esta cerimônia. Portanto, e também com o legítimo intuito de cumprirmos nossa honrosa, longa e árdua META, resolvemos colocar, novamente, nossos pés na estrada (ou será nas selvas e rios do Xingu).
Assim, em nossa constante ânsia pela VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluímos que meticulosa investigação, “in locu”, deve ser iniciada imediatamente, a fim de que descubramos o que vem a ser esta cerimônia. Portanto, e também com o legítimo intuito de cumprirmos nossa honrosa, longa e árdua META, resolvemos colocar, novamente, nossos pés na estrada (ou será nas selvas e rios do Xingu).
Infelizmente
nossa navegadora e escritora oficial (Sayo), não estará presente nesta
expedição e também, devido as dificuldades de comunicação, não será possível
enviarmos as mensagens de forma diária.
Participe
conosco desta grande aventura!
Abraços,
Claudio
Santos, 10 de
outubro 2010.
Caro Amigo,
Na qualidade
de mentora intelectual do “Caro Amigo”, apresento meu protesto, já que não ouvi
dizer nada da tal cerimônia e terceiros, fazendo indevido uso do bom nome que
adquiri ao longo de vários anos de muito trabalho, observando e anotando cada
de detalhe de viagem, moda, costumes, gastronomia, entretenimento; debruçada
sob o computador, noites à fio (enquanto certas pessoas, oportunistas, roncavam
ao meu lado), com a única intenção de manter o Caríssimo Amigo sempre muito bem
informado e viajando; mas como dizia, agora terceiros fazem uso desautorizado
de minha propriedade intelectual.
Assim, em
minha constante ânsia pela VERDADE e JUSTIÇA, após longa análise, concluí ser
obrigada a denunciar ao Caro Amigo que, na realidade, existia um certo convite
para que eu fosse cumprir minha honrosa, longa e árdua META (100.000 Km viajando,
uss, uss, uus - o nariz me escorre em
meio às lágrimas) belas maravilhosas ruas de Belém, tomando um Tacacá embaixo
de alguma mangueira, ou caminhando, em meio aos demais fiéis, ao lado da corda
que conduz a berlinda de Nossa Senhora de Nazaré, no Círio; e qual não foi
minha surpresa quando, sem qualquer aviso, fui simplesmente abandonada, deixada
para trás, e portanto, não colocarei
meus pobres e cansados pezinhos na estrada.
Mas aproveito
para convidar a Cara Amiga, que não gosta de programa de índio, a descobrir as
alegrias de passar uma semana sem o “amado” conjugue; já que o “Caro Amigo”,
seguramente, seguirá o ingrato, pois homem é sempre solidário em tudo que não
presta.
Esqueça a
cozinha, almoço de domingo na casa da sogra... nem pensar; marmanjo roncando e
babando no seu lindo sofá, domingo à tarde, com a cara cheia de cerveja... está
livre; roupa suja espalhada pela casa, toalha molhada em cima da cama, lata de
cerveja pelo chão, cueca para esfregar, mercado, feira e aquela imensa pança
para encher a cada duas horas...”gone”; adeuzinho ao poço de preguiça, que
passa o dia reclamando da nossa comida, porque a da mãe dele é muito melhor,
mas só que ela não quis ficar com ele para sempre e largou a bomba na sua não.
Convido,
então, a Cara Amiga a passar uma semana de princesa, com direito a salão de
beleza, novo corte de cabelo, limpeza de pele e massagem relaxante; uma
passadinha nos novos restaurantes da cidade, degustar um vinho com as amigas;
uma sonequinha à tarde, sono da beleza; assistir o novo filme da Julia Robert,
que sabe até um teatro; passar uma tarde
sem fazer nadinha ou visitar a feirinha de artesanato; talvez dar uma subidinha
até São Paulo, algum museu, 25 de Março ou Bom Retiro, afinal o verão está
chegando e é preciso renovar o guarda-roupa.
Vem comigo!
Sayo
Santos, 08 de
outubro de 2010..
Caro Amigo,
Para que você,
que irá me acompanhar em minha árdua jornada até os confins da terra, não se
perca da caravana, estamos mandando um mapa, com o roteiro da expedição com
destino ao Parque Indígena do Xingu.
Compre seu
bilhete, faça as malas (não esqueça o protetor solar e o repelente), avise os
familiares, desligue o gás, regue as plantas, deixe o gato com o vizinho e as
crianças na casa da vó (a viagem será
perigosa), prepare a pipoca, pegue uma Bohemia gelada (pode ser Brahma ou
Antártica), escolha uma poltrona confortável, ligue o computador e VEM COMIGO, nosso
avião já está abastecido e pronto para decolar para está nova aventura em
terras xinguanas.
Abraços,
Cláudio
Parque
Indígena do Xingu, 09 de Outubro de 2010.
Yawalapiti - Aldeia e cotidiano
O
nome Yawalapiti significa "aldeia dos tucuns" e é hoje usado
pelo grupo como autodenominação. A "aldeia dos tucuns" seria a
localização mais antiga de que se recordam e está situada entre o Posto
Diauarum e o travessão Morená (sítio próximo à confluência dos rios Kuluene e
Batovi). A atual aldeia Yawalapiti está situada mais ao sul, no encontro dos
rios Tuatuari e Kuluene, local de terra fértil, distante cerca de cinco quilômetros
do Posto Leonardo Villas Bôas.
No padrão
alto-xinguano, a aldeia Yawalapiti é circular, tendo as casas comunais
circundando uma praça limpa de mato. No centro da praça (uikúka)
ergue-se uma casa freqüentada apenas pelos homens e destinada a ocultar as
flautas sagradas apapálu. É nesta casa, ou em bancos diante dela, que os homens
se reúnem para conversar ao crepúsculo, e onde eles se pintam para as
cerimônias. A casa das flautas é de construção semelhante às residências,
tendo, contudo, apenas uma ou duas portas, voltadas para o centro, sempre menores que as portas das casas. As
flautas ficam penduradas na viga mestra e durante o dia devem ser tocadas em
seu interior;e à noite (quando as mulheres já se recolheram) os homens podem
tocá-las no pátio.
As mulheres raramente vão ao uikúka, ao não ser em certas cerimônias, quando se invertem papéis sexuais (como o Amurikumálu, que se chama Yamurikumã, em kamaiurá).
A vida na aldeia
começa entre 5 e 5:30h, quando as mulheres vão buscar água;
pouco depois, os rapazes vão tomar banho - este banho na manhã fria é
considerado benéfico para o lutador, e um pouco mais tarde vão os mais velhos.
Em seguida os homens partem para a roça, lançando gritos agudos que marcam o
mergulhar na mata; ou então organizam uma pescaria. Ao meio-dia,
ou pouco antes, retornam para a refeição. As mulheres passam a manhã
processando a mandioca trazida no dia anterior (ou na madrugada do mesmo dia),
e à tarde costumam ferver o mingau nukaya (feito do suco venenoso dessa
matéria-prima). À tarde os homens descansam, fazem trabalhos
manuais ou vão pescar/caçar. No crepúsculo, as famílias
costumam ficar nas portas das casas, conversando e manipulando mutuamente os
corpos em atividades como depilação, catar piolho e pentear os cabelos. Os jovens
se pintam e se enfeitam. Os homens mais velhos dirigem-se ao centro, convocados
pelo chefe da aldeia, para "conversar". Às 19h todos
começam a se recolher e as famílias nucleares se reúnem em volta de seus
respectivos fogos, adormecendo por volta das 21h.
Está na hora de dormir amanhã
continuamos.
Abraços
Claudio
Aldeia Yawalapiti, 10 de outubro de 2010.
O ritual feminino do Yamurikumã
A
casa das flautas, no centro da aldeia, esconde instrumentos que as mulheres
podem ouvir, mas não podem ver. As flautas ficam penduradas na viga central do
teto e podem ser tocadas a qualquer momento, por um grupo de três homens no
interior da casa. De noite, quando as mulheres se recolhem, podem sair para o
pátio. Também saem ao ar livre por ocasião de tarefas coletivas masculinas,
retribuídas com alimentos por aquele a favor de quem são realizadas. Nessas
ocasiões, as mulheres têm de se trancar em suas casas.
Mas
as mulheres invertem essa situação no rito de Yamurikumã (na terminologia kamaiurá, mais difundida na
região), realizado na estação seca, no qual elas atuam com armas, movimentos
tipicamente masculinos e ornamentos de penas e chocalhos nos tornozelos, que
normalmente são usados por homens; lutam, inclusive, o huka-huka.
Recebendo
convidadas de outras aldeias, que ficam acampadas nas proximidades (como no Kwarup),
as participantes entoam canções que se referem à sexualidade masculina. Há
vários tipos de canções, algumas mencionam os eventos de origem dessa
cerimônia, muitas reproduzem a estrutura das performances masculinas com as
flautas, e outras simulam explicitamente a sexualidade agressiva dos homens
diante de certas mulheres.
Os
homens, que podem ser agredidos, pelas mulheres durante o período do rito e não
podem se manifestar.
O
Ritual do Yamurikumã como também o Kwarup possui uma família na aldeia que é a
responsável e patrocinadora de todo o evento, ou seja, deverão produzir a
fécula de mandioca e pescar os peixes necessários para alimentar todos os
convidados, que não são poucos. Esta tarefa em partes é compartilhada com os
moradores da aldeia que auxiliam na pesca. Nós estávamos hospedados na oca da
família que patrocinou o ritual e vimos de perto o esforço que eles empenharam
para que tudo ocorresse de maneira perfeita.
Espero que estejam apreciando esta aventura, porém
devido o avançado da hora, continuaremos amanhã.
Abraços
Claudio
Aldeia Yawalapiti, 12 de outubro de 2010.
Alimentação
Os Yawalapiti,
como os demais alto-xinguanos, vivem basicamente da agricultura e da pesca. A
agricultura concentra-se no cultivo da mandioca brava (maniot utilissima).
Milho, banana, algumas espécies de feijão, pimenta, tabaco e urucum são algumas
das outras espécies cultivadas.
Pintado (5 kg ).
A pesca é atividade masculina por excelência; os rios da região são abundantes em peixe e, na época da seca, quando os rios baixam, os Yawalapiti utilizam redes (de procedência não indígena), anzóis, flechas e timbó (cipó cuja seiva asfixia os peixes) para a obtenção deste alimento. Os peixes podem ser assados direto no fogo, moqueados (colocados sobre jiraus a fogo lento) ou cozidos. Peixes Moqueados.
A região e seus recursos são aproveitados pelos Yawalapiti para a maioria de suas necessidades: fibras de buriti para redes e cestos, sapé para a cobertura das casas, taquara para flechas, raízes e folhas como remédios, entre outros. O sal tradicionalmente usado na alimentação é fornecido principalmente pelos Mehinako e Wauja, e provem das cinzas de uma planta aquática (aguapé).
Sal de
Índio Wauja (Yutaka).
As grandes panelas
de preparação da mandioca provêm dos Mehinako e Wauja, que detêm a tecnologia
de sua fabricação.
Panela de Argila Wauja.
A mandioca é plantada pelos homens, que derrubam, queimam e limpam as roças. Estas são propriedade individual, masculina, assumida tão logo o jovem entra em reclusão (14-17 anos). Esses direitos de propriedade não incidem sobre a terra como tal, mas apenas a plantação de mandioca. As mulheres arrancam as raízes, carregam-nas, ralam-nas e espremem seu suco venenoso.
A mandioca é
basicamente consumida sob a forma de beiju (ulári), torrada de polvilho, chata,
assada em tachos circulares, de mingau de beiju dissolvido em água (uluni), de
um mingau resultante da fervura do suco venenoso (nukaya) que pode ser servido
puro ou com caldo de pequi.
O polvilho que resta no fundo das panelas de
espremer, bem como parte da massa, é armazenado em silos no centro das casas.
A cozinha é feita
indiferentemente por homens e mulheres, no que diz respeito aos produtos da
pesca; a manipulação da mandioca depois de plantada, contudo, é inteiramente
feminina. As mulheres são também encarregadas do fornecimento de água na aldeia.
São elas que fiam o algodão (também plantado), tecem as redes e as esteiras de
espremer mandioca, e preparam a pasta de urucum, o óleo de pequi e a tinta de
jenipapo, usados na ornamentação corporal. Os homens fazem os cestos, os
instrumentos cerimoniais (flautas e chocalhos), e realizam todos os trabalhos
em madeira (bancos, arcos, pilões, pás de virar o beiju etc.). São ainda os
homens que constroem as casas.
Língua
A língua
yawalapiti pertence à família Aruak, assim como as línguas mehinako e wauja,
também faladas no Parque. Atualmente, apenas sete ou oito indivíduos falam
yawalapiti, predominando na aldeia as línguas kuikuro (da família Karib) e kamaiurá
(da família Tupi), em razão dos muitos casamentos que ligam os Yawalapiti a
esses grupos. Mas eles vêm demonstrando um interesse crescente em recuperar sua
língua e para isso contam com a assessoria de uma pesquisadora lingüista.
Hoje encerro por aqui, até o
próximo capítulo.
Abraços
Claudio
Parque Indígena do Xingu, 14 de outubro de 2010.
O Parque Indígena
do Xingu (PIX) localiza-se na região nordeste do Estado do Mato Grosso, na
porção sul da Amazônia brasileira. Em seus 2.642.003 hectares ,
a paisagem local exibe uma grande biodiversidade, em uma região de transição
ecológica, das savanas e florestas semideciduais mais secas ao sul para a
floresta ombrófila amazônica ao norte, apresentando cerrados, campos, florestas
de várzea, florestas de terra firme e florestas em Terras Pretas
Arqueológicas. O clima alterna uma estação chuvosa, de
novembro a abril, quando os rios enchem e o peixe escasseia, e um período de
seca nos meses restantes, época da tartaruga tracajá e das grandes cerimônias
inter-aldeias, como esta que assistimos.
Parque
Indígena do Xingu
O clima seco e
quente neste período do ano proporciona a formação de nuvens de tempestade no
final do dia, porém nos dias anteriores elas passaram bem longe da Aldeia, mas
a nossa hora chegou, eram por volta das 17 horas quando no horizonte se via
negras nuvens se aproximando, o vento cada vez mais forte levantou uma enorme
poeira e começou a levantar a palha que recobre as casas, a ordem foi abandonar
as casas e se refugiar na floresta, onde nos mantivemos sob tensão por quase
uma hora, até que começou a chover torrencialmente e tivemos que correr para
procurar abrigo, a sorte foi que o vento cessou e todos puderam voltar para
suas casas e tentar reparar os estragos que o vento causou.
Vento
e Poeira
A nossa aventura
está chegando ao fim, acordamos na manhã seguinte da tempestade com as malas já
arrumadas para a partida, porém nem tudo estava certo, o motor da caminhonete
não dava a partida, e não escutamos a chegada do nosso avião, já se passavam 40
minutos do horário combinado, e não sabíamos o que poderia ter ocorrido devido
a tempestade, porém nosso anjo da guarda estava de plantão, ao fundo um ruído
se aproximava, era um avião, os índios acabavam de conseguir, depois de muito
trabalho, dar a partida na caminhonete, a nossa alegria era geral.
Após colocarmos
nossas malas no carro, iniciamos as despedidas com muita tristeza por parte de
todos.
Seguimos para o Posto Leonardo Villas Bôas, nas
margens do rio Tuatuari, construído por Orlando Villas Bôas, hoje é um
importante ponto de apoio às comunidades do Alto Xingu, concentra um posto
médico e odontológico, uma escola, uma estação de rádio, alojamentos e um campo
de pouso (nosso aeroporto).
O comandante Gilson nos aguardava com o seu Avião
Minuano, de fabricação Embraer, para nos levar até Goiânia.
Minuano Embraer
Depois de 03 horas de vôo chegamos a Goiânia, para dai partirmos em um voo
regular para São Paulo, encerrando assim mais uma aventura em terras xinguanas.
Os nossos mais sinceros agradecimentos:
- Ao amigo Adelino Mendes (antropólogo) que mais
uma vez proporcionou o nosso acesso às terras indígenas e nos deu uma aula
sobre a cultura xinguana;
- A Sayo que organizou e montou a mala com todos
os pertences e mantimentos que utilizei durante minha estada na aldeia;
- Ao Cmte Gilson, que com sua experiência e
habilidade conduziu os aviões com muita segurança;
- Ao cacique Aritana Yawalapiti que permitiu nossa
estada na Aldeia Yawalapiti;
- Ao
Pirakumã Yawalapiti e a sua esposa Yamoni pelo convite, pela recepção e
pelo acolhimento a nós prestados;
- A Tipori por nos receber e acomodar en sua casa
com muito carinho;
- A Takan
por nos permitir participar de sua festa;
- A Cecília
e a Marlene que além de ajudarem a manter um padrão de excelência em nossa
cozinha improvisada também auxiliaram no registro fotográfico da expedição;
- Ao JK, Kaike e Tina, que junto com todas as
crianças da aldeia, nos proporcionaram grandes momentos de alegria;
- A Ana, Thaina, Marlene, Tipori, Tata, Yanakula e muitas outras pessoas admiráveis, que cruzaram o
nosso caminho e contribuíram para tornar nossas vidas ainda mais felizes.
Abraços
Claudio
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